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Eeefm Doutor Francisco De Albuquerque Montenegro
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<p>Às cinco gerações de amor e cura em minha família e a você,</p><p>leitor. Espero que descubra que estas palavras ajudam a curar</p><p>o corpo e a guiar a alma. Você está aqui por um motivo.</p><p>SUMÁRIO</p><p>Para pular o Sumário, clique aqui.</p><p>Prefácio do dr. Mark Hyman</p><p>Introdução: Olhar para a vida</p><p>PRIMEIRO SEGREDO:</p><p>VOCÊ ESTÁ AQUI POR UM MOTIVO</p><p>1. O sumo</p><p>2. Por que estou aqui?</p><p>3. Somos peças de um quebra-cabeça</p><p>4. Onde despejar meu sumo?</p><p>5. Conecte-se com o desejo</p><p>Prática: Encontrando seu sumo</p><p>SEGUNDO SEGREDO:</p><p>TODA VIDA PRECISA ESTAR EM MOVIMENTO</p><p>6. Quando nos sentimos presos</p><p>7. A vida está sempre em movimento</p><p>8. Mova-se em meio à dor</p><p>9. Paralisados pela vergonha</p><p>10. Libere o que não importa</p><p>11. Remova o bloqueio</p><p>12. Encontre o �o de água</p><p>Prática: Liberando</p><p>TERCEIRO SEGREDO:</p><p>AMOR É O REMÉDIO MAIS PODEROSO</p><p>13. Amor e medo</p><p>14. Escolhas</p><p>15. A importância do amor-próprio</p><p>16. Como receber amor</p><p>17. Como dar amor</p><p>18. Amor e milagres</p><p>Prática: Amando a si mesmo para se curar</p><p>QUARTO SEGREDO:</p><p>VOCÊ NUNCA ESTÁ SOZINHO</p><p>19. Vida é conexão</p><p>20. Aceite a imperfeição</p><p>21. Encontre seus amigos</p><p>22. Como estabelecer limites</p><p>23. O poder da escuta</p><p>24. Anjos existem</p><p>Prática: Tecendo a vida juntos</p><p>QUINTO SEGREDO:</p><p>TUDO É UMA LIÇÃO</p><p>25. Sempre há uma lição</p><p>26. Pare de brigar</p><p>27. O papel dos sonhos</p><p>28. Quando insistimos na dor</p><p>29. Nos momentos extremos</p><p>30. Lição após lição</p><p>Prática: Encontrando a lição</p><p>SEXTO SEGREDO:</p><p>GASTE SUA ENERGIA AMPLAMENTE</p><p>31. Energia como investimento</p><p>32. O que vale sua energia?</p><p>33. Abra espaço para os milagres</p><p>34. Alimente o que é positivo</p><p>35. Mude o foco</p><p>Prática: Abraçando a vida</p><p>Conclusão: O momento certo é agora</p><p>Agradecimentos</p><p>Notas</p><p>Índice</p><p>Ao longo de oito décadas na medicina e dez no planeta,</p><p>trabalhei com milhares de pessoas. Incluí muitas de suas</p><p>histórias aqui na medida que consigo me lembrar. Para</p><p>resguardar sua privacidade, mudei muitos nomes, alterei</p><p>detalhes cruciais das histórias e, em alguns casos, combinei</p><p>experiências de pessoas diferentes em uma. O que não mudei é</p><p>a profunda transformação de alma que testemunhei nesses</p><p>indivíduos e o efeito igualmente profundo que cada um desses</p><p>processos surtiu no caminho de minha própria alma.</p><p>Q</p><p>PREFÁCIO</p><p>Dr. Mark Hyman</p><p>uando conheci a dra. Gladys, soube que estava diante de uma</p><p>das grandes curadoras e sábias de nosso tempo. Outras</p><p>inúmeras pessoas tiveram a mesma sensação. O sentimento é de se</p><p>estar na presença de alguém com uma profunda compreensão da</p><p>condição humana — as alegrias e as tristezas, as lutas inevitáveis e as</p><p>alegrias comemoradas. Ela é uma curadora natural, de uma</p><p>cordialidade rara e uma sabedoria adquirida com esforço. Conhecer a</p><p>dra. Gladys ao longo destas páginas não é diferente. Este primeiro</p><p>livro leigo da autora está sendo gestado há mais de 100 anos, e valeu a</p><p>pena esperar. A dra. Gladys é uma pioneira global que ajudou a</p><p>transformar nossa de�nição de saúde e cura. Esta obra extraordinária</p><p>oferecerá a milhões de leitores os segredos simples, mas</p><p>revolucionários, para descobrir as verdadeiras saúde e felicidade em</p><p>todas as idades.</p><p>A dra. Gladys tem quase 80 anos de experiência na medicina — ou</p><p>mais, se contarmos seu treinamento não o�cial ao ajudar os pais</p><p>missionários médicos enquanto cuidavam de alguns dos pacientes</p><p>mais vulneráveis e desprivilegiados na Índia. Há muito tempo, ela é</p><p>conhecida como a mãe da medicina holística, embora “avó” ou talvez</p><p>“bisavó” possam ser palavras mais precisas agora. Depois de concluir</p><p>seu treinamento durante a Segunda Guerra Mundial, enfrentando</p><p>um signi�cativo sexismo como uma das pioneiras em campo, ela se</p><p>tornou a única mulher cofundadora da American Holistic Medical</p><p>Association [Associação Norte-Americana de Medicina Holística], em</p><p>1978. Sua curiosidade sem limites ao explorar práticas alternativas</p><p>e�cazes a levou a estudar uma série de métodos de cura nas culturas</p><p>ocidentais, orientais e indígenas, e a aplicá-los à sua prática muito</p><p>antes de a abordagem ser adotada por outros médicos. Sua crença no</p><p>respeito às mães e na desmedicalização de processos naturais a levou</p><p>a defender a prática de partos domésticos seguros durante os anos</p><p>1960 e 1970. A dra. Gladys também foi uma das primeiras defensoras</p><p>da nutrição no campo alopático, ao perceber que o que comemos</p><p>afeta cada célula de nosso corpo — uma descoberta importante que</p><p>in�uenciou gerações de médicos. Mesmo assim, sua crença de que as</p><p>doenças podem nos oferecer um insight sobre a vida e o</p><p>desenvolvimento da alma ainda soa como uma ideia radical no campo</p><p>médico.</p><p>Uma vida bem vivida se tornará um clássico não apenas para</p><p>gerações de pacientes e pro�ssionais, mas para pessoas que</p><p>simplesmente desejam uma vida mais rica e feliz. Como a própria dra.</p><p>Gladys, este livro parece falar tanto das dores da alma como das</p><p>enfermidades do corpo, e explora a fonte mais profunda da</p><p>enfermidade e da saúde, da doença e do bem-estar. A cura que a dra.</p><p>Gladys defende é tanto espiritual quanto física. Ela explica que a</p><p>verdadeira saúde está em transformar nossa relação com os desa�os,</p><p>os sofrimentos e as doenças incontornáveis da vida de forma a</p><p>podermos experimentar alegria e realização profundas.</p><p>Além de nos presentear um roteiro de como experimentar tudo o</p><p>que a vida tem a oferecer, a dra. Gladys é um modelo para tudo o que</p><p>ensina. Dá aos leitores um exemplo elucidador de como a vida deve</p><p>ser vivida: como um processo em movimento, em evolução, no qual</p><p>despendemos nossa energia com vigor e envelhecemos com saúde.</p><p>Num mundo que tende a ser antienvelhecimento, a dra. Gladys</p><p>arrisca um olhar positivo sobre o que nossa inevitável marcha em</p><p>direção à velhice pode se tornar: uma fonte de alegria e realização</p><p>cada vez maior, enquanto continuamos a descobrir e a realizar o</p><p>verdadeiro propósito de nossa alma. Em outras palavras, a dra. Gladys</p><p>nos ensina a viver a melhor vida possível para que, quando nossos dias</p><p>chegarem ao derradeiro �m, possamos ter a certeza de que foram</p><p>verdadeiramente bem vividos.</p><p>Os seis segredos da dra. Gladys têm origem em sua história pessoal</p><p>inspiradora e na de seus pacientes, muitos dos quais experimentaram</p><p>curas milagrosas, não apenas de doenças, mas da vida em um sentido</p><p>mais amplo. Este livro é a culminação de tudo que a dra. Gladys</p><p>aprendeu e ensinou durante um século. E, embora muitos possam</p><p>considerar que ela teve uma vida bem vivida, vale lembrar que ela</p><p>ainda não parou de viver. A dra. Gladys possui uma vida mais ativa do</p><p>que a de muitos com a metade de sua idade e, ainda por cima, tem</p><p>um plano de 10 anos pela frente. Como a�rma com orgulho, aos</p><p>quase 102 anos, ela está apenas começando.</p><p>F</p><p>Introdução</p><p>OLHAR PARA A VIDA</p><p>iz 102 anos em 2023. Por eu ser uma médica em seu segundo</p><p>século, com frequência me perguntam o segredo para uma vida</p><p>longa, saudável e feliz. Eu corro? Faço Pilates? Como bolo?</p><p>Não, não corro. Faço Pilates de vez em quando. E sim, como bolo.</p><p>Na verdade, adoro bolo. Até preparei um para meu aniversário de 95</p><p>anos.</p><p>Em quase oito décadas de medicina, tratei muitos pacientes tão</p><p>empenhados em encontrar a dieta perfeita, que �cavam doentes;</p><p>outros tinham um medo tão grande de morrer, que quase desistiam</p><p>de viver; e quase todos esperavam que eu lhes dissesse que vitaminas</p><p>tomar para poderem viver para sempre — ou pelo menos alguns anos</p><p>a mais.</p><p>Infelizmente, mesmo depois de mais de 100 anos neste planeta,</p><p>ainda estou para descobrir um ingrediente secreto que</p><p>comprovadamente assegure uma vida longa e saudável — sem dúvida,</p><p>não é algo que você possa pôr num liquidi�cador.</p><p>Apesar disso, posso ajudar você a descobrir os segredos das</p><p>verdadeiras saúde e felicidade. Não tem nada a ver com vitaminas ou</p><p>suplementos. Baseiam-se apenas numa mudança de perspectiva.</p><p>Ao longo de minhas muitas décadas de prática, passei a entender</p><p>que o objetivo da medicina — e da vida — é bem diferente daquilo</p><p>que me ensinaram na universidade. A maioria das pessoas pensa que</p><p>o papel da medicina é simplesmente promover o bem-estar físico ao</p><p>impedir seja lá o que nos</p><p>armas, munição e suprimentos. (N. do T.)</p><p>V</p><p>5</p><p>CONECTE-SE COM O DESEJO</p><p>iver com sumo nos chama a nomear o que queremos. Mas</p><p>quando começamos a olhar para a vida, o simples fato de saber o</p><p>que queremos pode soar assustador, que dirá falar em voz alta.</p><p>Dizemos a nós mesmos que talvez estejamos querendo demais.</p><p>Talvez pensemos que não devemos querer nada. Ou pode parecer</p><p>que não conseguimos decidir exatamente o que queremos e, mesmo</p><p>quando decidimos, soa como uma tolice ou como algo inalcançável.</p><p>Pode ser até que estejamos tão magoados e confusos que nos</p><p>convencemos de que não queremos nada.</p><p>Se você se identi�cou, tire um minuto para fechar os olhos. Por um</p><p>momento, deixe-se querer. Deixe-se ansiar por seja lá o que for que</p><p>deseja para si mesmo e para sua vida: a conversa que você teme ter, o</p><p>trabalho para o qual pensou que nunca seria bom o bastante, as</p><p>amizades e risadas das quais sente falta, de um outro momento de sua</p><p>vida, ou mesmo de uma boa barra de chocolate.</p><p>Apenas queira.</p><p>Isso é a vida se movendo através de você. A vida quer — pede,</p><p>anseia, deseja. Primeiro temos que aceitar que isso é verdade. Só</p><p>então nossos corações podem sussurrar para nós o que querem mais</p><p>do que tudo.</p><p>Eu me lembro da versão jovem de mim — aquela que não</p><p>conseguia ler e da qual debochavam durante o recreio. Numa escala</p><p>pequena, eu queria coisas especí�cas. Queria uma nova professora,</p><p>queria olhos que pudessem ler e apenas um amigo na escola com</p><p>quem conversar. Mas também queria algo muito maior: ser capaz de</p><p>servir. Queria ter certeza de que minhas di�culdades não iriam ser</p><p>um impedimento durante toda a vida. De que, embora fosse tudo</p><p>muito difícil, iria melhorar de algum modo.</p><p>Como expliquei no primeiro capítulo, eu voltava da escola todos os</p><p>dias para nosso bangalô na encosta da montanha. A estrada tinha</p><p>mais ou menos um quilômetro e meio e era íngreme. Eu via Ayah</p><p>sentada na varanda, lá em cima, esperando por mim. Queria muito</p><p>estar em seus braços. Queria me enrolar em seu xale, chorar por ser</p><p>rejeitada e estar solitária, e ser compreendida, amada e acolhida em</p><p>minha mágoa.</p><p>Do topo da colina, Ayah me via. Não ia a meu encontro, mas</p><p>observava. Ela me chamava com os olhos. Agora que sou mãe, avó,</p><p>bisavó e tataravó, acho que sei o que ela sentia: mágoa por mim e uma</p><p>profunda compreensão de que tudo acabaria bem. Sabia que eu</p><p>superaria aquilo, mesmo que eu não soubesse. E todo dia, quando eu</p><p>chegava ao topo da colina, ela me abraçava, acolhia-me em seu xale e</p><p>me embalava.</p><p>Embora eu estivesse profundamente abalada, ainda tinha energia</p><p>para querer seu amor. Esse desejo me impulsionava a subir a colina</p><p>para cair em seus braços, a superar os obstáculos.</p><p>Se você não tem mais nada no momento, seu querer pode fazê-lo</p><p>superar os obstáculos também.</p><p>Quando �zer contato com seu desejo, tire um momento para se</p><p>conectar com o sumo que tem — mesmo que sinta como se não tivesse</p><p>o bastante. Pode ser que queira fechar os olhos de novo, ou mantê-los</p><p>abertos e apenas respirar. Seja honesto consigo mesmo: o que está</p><p>fazendo você prosseguir neste momento? Encontre algo pequeno que</p><p>lhe dá alegria e deixe-se sentir gratidão por isso. Você vai encontrar a</p><p>coragem de que precisa para continuar.</p><p>Então faça a si mesmo as perguntas mais corajosas de todas:</p><p>Qual é a sua relação atual com seu sumo?</p><p>Você precisa de mais?</p><p>Aonde poderia ir ou o que poderia fazer para consegui-lo?</p><p>Talvez haja algo em seu interior que esteja chamando você para</p><p>tentar algo novo. Talvez queira encontrar um trabalho remunerado</p><p>que lhe traga mais sumo ou receber mais no trabalho que já está</p><p>desempenhando. Talvez ele venha de casa. Talvez aquilo que antes lhe</p><p>dava sumo já não esteja servindo, ou você precise de algo mais.</p><p>Prometo que, seja lá quem for e onde quer que esteja, há sumo à</p><p>espera se você se dispuser a procurá-lo.</p><p>Quer você tenha perdido contato com seu sumo, quer nunca tenha</p><p>pensado muito nele, pode começar fazendo algo — qualquer coisa —</p><p>que lhe pareça bom. Comece com coisas pequenas. Pense no que</p><p>você identi�cou no início deste exercício, naquilo que está fazendo</p><p>você prosseguir, e invista nisso. Ou pense num projeto grati�cante</p><p>que seja possível de realizar em pouco tempo. Faça algo com as mãos,</p><p>levante-se e limpe atrás do sofá, ou mude uma planta de vaso.</p><p>Lembre-se de como se sente pondo seu amor em ação sem nenhum</p><p>objetivo especí�co.</p><p>Você também pode fazer algo para alguém, como pintar uma</p><p>pedra, assar biscoitos ou praticar a canção favorita de uma pessoa que</p><p>você ama. Nem precisa ter alguém em mente; con�e que, se der o</p><p>pontapé inicial, vai se lembrar de alguém que precisa disso. No</p><p>mínimo, todo mundo pode enviar boas energias para os outros,</p><p>pensar na felicidade deles e lhes desejar o bem. Essas pequenas coisas</p><p>podem parecer insigni�cantes, mas têm um efeito incrível.</p><p>O sumo está no cerne de meu primeiro segredo porque é o ponto</p><p>de partida para todos nós. Também é a linha de chegada, com uma</p><p>vida que nos traz cada vez mais sumo; meus outros segredos vão</p><p>mostrar como. Mas, por enquanto, como você está começando, sumo</p><p>é tudo de que precisa.</p><p>O mais importante é perceber que procurar seu sumo é quase tão</p><p>importante quanto encontrá-lo. A procura em si é vida buscando vida.</p><p>Mesmo que você não tenha muito sumo, seu desejo por mais signi�ca</p><p>que alguma parte de você se lembra do que é possível. Isso sugere que</p><p>você é mais do que um coração batendo — é uma alma viva.</p><p>Prática: Encontrando seu sumo</p><p>1. Primeiro, tire um momento para pôr a mão suavemente sobre o coração. Simplesmente</p><p>repouse-a ali e permita que seu peito sinta o calor de sua mão e que sua mão sinta o</p><p>movimento sutil de seu coração batendo. Essa é a parte mais profunda de seu ser. É onde sua</p><p>alma vive. Sempre que sentir que não está em sincronia com a vida, ponha a mão sobre o</p><p>coração. Esse simples movimento tem um poder imenso.</p><p>2. Em seguida, pergunte a seu coração: “O que você ama?” Não responda uma única vez. Repita</p><p>a pergunta três, quatro ou dez vezes. Veja como a resposta evolui.</p><p>3. Com a mão ainda sobre o coração, pense num tempo em que você sentiu um senso de</p><p>propósito. Pode ser quando alcançou uma grande conquista profissional, quando se sentiu</p><p>conectado com seu filho, ou quando realizou um trabalho voluntário. Também pode ser algo</p><p>pequeno, como cuidar de uma planta, fazer uma criança rir ou concluir um projeto breve. Não</p><p>se preocupe se já faz algum tempo que se sentiu assim; a experiência não precisa ser recente.</p><p>O objetivo é se lembrar de como você se encaixava no todo.</p><p>4. Pense em sua infância. Nas primeiras lembranças de alegria e satisfação. O que você estava</p><p>fazendo? Quem estava sendo? O que fazia seu coração bater mais forte? O que fazia você rir</p><p>de alegria? Pode ser que você obtenha apenas um fragmento de memória ou uma imagem.</p><p>Sua mente inconsciente sabe as respostas, mas pode ser que use um símbolo ou um sinal, um</p><p>devaneio ou um sonho. Você não precisa exigir uma resposta ou tentar analisar os fragmentos</p><p>conscientemente. Permita que seu inconsciente traga as respostas quando estiver pronto. Ele</p><p>sabe.</p><p>5. Ao explorar essas lembranças, perceba a impressão do significado associado a elas. O que você</p><p>realmente adorava nessa ação? Por que parecia tão boa? Por exemplo, talvez você gostasse de</p><p>ajudar alguém, ou talvez de se expressar. Talvez tenha se surpreendido com o próprio talento</p><p>ou conseguido melhorar coisas de modo significativo.</p><p>6. Agora pense em sua vida hoje. Existe algo pequeno que você pode fazer para ter o mesmo</p><p>sentimento? Imagine-se colocando essa ação em prática, explorando-a. É possível encontrar</p><p>seu sumo ao dar um passo de cada vez.</p><p>7. Quando terminar a reflexão, pegue um pedaço de papel e escreva uma palavra ou desenhe uma</p><p>imagem que represente algum aspecto de seu sumo. Ponha-o num lugar onde você o veja com</p><p>frequência, como o espelho do banheiro ou a porta da geladeira, ou em algum lugar que você</p><p>sempre carregue consigo, como a carteira ou a bolsa. Esse pedaço de</p><p>papel vai ser seu talismã,</p><p>sua bússola. Vai servir como um guia para seu sumo. Quando você souber o que seu coração</p><p>deseja, vai ser chamado à ação.</p><p>SEGUNDO SEGREDO</p><p>Toda vida precisa</p><p>estar em movimento</p><p>V</p><p>6</p><p>QUANDO NOS SENTIMOS</p><p>PRESOS</p><p>ocê já se sentiu paralisado, como se não conseguisse seguir em</p><p>frente?</p><p>Talvez sinta como se não conseguisse deixar um trauma ou uma</p><p>mágoa para trás, ou como se não conseguisse encontrar a paixão e o</p><p>entusiasmo que antes vinham com tanta facilidade. Talvez esteja tão</p><p>desmotivado no trabalho que passe o tempo fantasiando sobre</p><p>“escapar” para algum lugar que não sabe direito onde �ca.</p><p>Qualquer que seja a causa, não tem a menor ideia sobre o que</p><p>fazer — que mudança impor, que especialista procurar.</p><p>Ou até mesmo como sair da cama.</p><p>Na vida, é natural que todos nós nos sintamos empacados em</p><p>algum momento. Nosso sumo precisa �uir — então o que fazer</p><p>quando, por mais que tentemos receber mais sumo, ele parece estar</p><p>escasso dentro de nós?</p><p>O que podemos fazer para mudar isso? Como reagir quando</p><p>parece que o mundo está em pleno movimento e nós apenas</p><p>assistindo a tudo sem nos mexer? Olhar para a vida exige aceitar o</p><p>que ela nos oferece — mas o que acontece quando nos sentimos tão</p><p>exaustos ou magoados que �camos paralisados, incapazes de nos</p><p>abrirmos para o que nos espera adiante?</p><p>Para responder a essas perguntas, vamos entender melhor o que</p><p>“preso” signi�ca no nível físico.</p><p>Certa vez, tratei uma mulher de 80 anos muito inteligente e</p><p>autoconsciente que vinha sofrendo de sérias obstruções intestinais</p><p>havia vários meses. Theresa consultara outros médicos e tentara tudo</p><p>o que sabia fazer �sicamente, mas os bloqueios persistiam. Chegou a</p><p>meu consultório atormentada e obviamente desconfortável.</p><p>— Não quero viver assim pelo resto da vida — disse.</p><p>Começamos conversando sobre sua dieta, que não era incrível, mas</p><p>também não era terrível. Ela a alterara signi�cativamente para lidar</p><p>com a constipação, mas não havia feito muita diferença. Depois</p><p>falamos sobre a ingestão de água e sobre o quanto ela se exercitava.</p><p>Como não parecia haver nada de errado, passei a fazer perguntas</p><p>mais holísticas sobre sua vida no sentido geral: emoções, apoio social</p><p>e o que dava alegria e sentido aos seus dias. À medida que ela falava,</p><p>notei que parecia se fechar cada vez mais. Após cada pergunta, ela</p><p>fazia uma pausa e olhava para mim, apertando de leve os lábios como</p><p>se tentasse entender o que eu queria dizer antes de responder com</p><p>relutância.</p><p>— E seus sonhos? Seu eu adormecido está tentando lhe dizer algo?</p><p>— Meus sonhos? O que meus sonhos têm a ver com isso? —</p><p>retrucou Theresa, inclinando-se para trás na cadeira de braços</p><p>cruzados e segurando os antebraços em frustração.</p><p>Ela me lançou um olhar que deixou claro que não gostou que eu</p><p>tivesse me desviado do assunto principal.</p><p>O problema era que, de meu ponto de vista, aquelas perguntas</p><p>tinham tudo a ver com o assunto principal. Dieta, exercícios e</p><p>hidratação são bons pontos de partida quando se trata de problemas</p><p>que afetam a digestão. A água é importante porque ajuda a decompor</p><p>os alimentos que comemos, permitindo ao corpo absorver nutrientes,</p><p>e ainda ajuda o que sobra a sair. Nossa dieta é crucial porque, quanto</p><p>mais comemos alimentos naturais, mais �bras ingerimos, o que ajuda</p><p>a estimular as entranhas a mover alimentos e nutrientes através de</p><p>nosso corpo e para fora dele. Exercícios são importantes porque</p><p>aumentam o �uxo sanguíneo para os músculos e o intestino,</p><p>ajudando-os a fazer seu trabalho. Está percebendo um padrão? O</p><p>corpo funciona porque foi feito para se mover.</p><p>Mas, da perspectiva holística, o problema de Theresa apontava</p><p>para algo muito maior. Nossa digestão simboliza como captamos o</p><p>mundo e como o deixamos se mover através de nós. Pensamentos e</p><p>emoções também podem afetar a digestão, uma vez que criam e</p><p>liberam uma tensão em torno dos órgãos envolvidos no processo.</p><p>Portanto, embora Theresa não quisesse falar sobre os outros aspectos</p><p>de sua vida, continuei tentando obter alguns detalhes sobre o que</p><p>estava acontecendo.</p><p>Por �m, ela admitiu que andava se sentindo triste. Quando</p><p>perguntei o motivo, ela explicou com relutância que perdera uma</p><p>pessoa próxima, e outra pessoa, e outra. Theresa contou que ao longo</p><p>do ano anterior perdera cinco amigos e membros da família</p><p>próximos. Seus olhos procuraram o teto e, em seguida, se voltaram</p><p>para o chão. Ela olhou para todos os lugares possíveis, menos em</p><p>meus olhos.</p><p>— Você sofreu? — perguntei.</p><p>Ela me encarou de modo estranho.</p><p>— É óbvio que sofri. Estou triste.</p><p>Algo na resposta soava simplista demais. Theresa parecia encarar o</p><p>sofrimento como uma reação, não como uma experiência — como</p><p>algo que acontece, não como algo que fazemos. Algo em sua resposta</p><p>soava preso, como seu intestino. À medida que adentrávamos o</p><p>assunto do sofrimento, ela �cava mais e mais nervosa. Percebi que seu</p><p>corpo respondia ao seu estado emocional. O efeito era inegável: a</p><p>tensão tomou seu rosto, sua postura, seus dedos e sua voz. Àquela</p><p>altura, Theresa já havia descruzado os braços, mas as mãos agarravam</p><p>uma à outra em seu colo.</p><p>Foi quando eu soube que encontrara uma abertura. Para entender</p><p>como Theresa estava digerindo os alimentos, tivemos primeiro que</p><p>olhar como ela estava digerindo a experiência de perda.</p><p>Na medicina ocidental, não tendemos a conectar os problemas</p><p>concretos da vida aos nossos estados mentais ou emocionais. Somos</p><p>treinados a olhar para órgãos isolados ou focar problemas mecânicos,</p><p>como dieta e postura, em vez de perguntar aos pacientes: “O que você</p><p>acha que está atrapalhando seu intestino?” ou “O que mais não está</p><p>funcionando em sua vida?”</p><p>No entanto, as pessoas quase sempre sabem em que aspecto sua</p><p>vida está presa e podem identi�car isso de imediato quando</p><p>questionadas.</p><p>O intestino de Theresa estava preso. Mas há muitas maneiras de o</p><p>corpo se tornar mais lento ou até parar por completo. Pense numa</p><p>atleta que sofreu uma lesão e não pode se mover por um tempo. Às</p><p>vezes, os ciclos menstruais se tornam irregulares ou até param</p><p>durante os anos em que as mulheres deveriam ser capazes de</p><p>reproduzir.</p><p>Também podemos nos sentir psicologicamente presos devido a um</p><p>trauma. Nessas ocasiões, sentimos como se o cérebro estivesse dando</p><p>voltas porque ele realmente está — encontramos um caminho neural bem</p><p>demarcado e nos en�amos ali.</p><p>Parece que, no fundo de nosso inconsciente, sabemos que toda</p><p>vida precisa se mover. É o que torna tão óbvio quando as coisas não</p><p>estão se movendo — mesmo que ainda não saibamos o que fazer em</p><p>relação a isso. É por esse motivo que meu segundo segredo é: toda</p><p>vida precisa estar em movimento. A vida em si está sempre em</p><p>movimento, portanto nos alinharmos com nossa força vital signi�ca</p><p>que precisamos sempre procurar o �uxo em nosso interior.</p><p>Embora o corpo realize processos de movimento autônomos, é</p><p>importante que nós também nos movimentemos de modo consciente.</p><p>Um estudo longitudinal sobre atividade física e longevidade constatou</p><p>que até mesmo 10 minutos de caminhada ligeira diariamente estão</p><p>associados a uma expectativa de vida maior.[5] Todos os médicos</p><p>a�rmam que exercícios são essenciais no tratamento do estresse e da</p><p>depressão porque sinalizam ao cérebro para que libere hormônios de</p><p>bem-estar, o que traz benefícios duradouros à saúde física a longo e</p><p>curto prazos. Essa recomendação é sustentada por pesquisas em várias</p><p>partes do mundo que indicam que algumas das expectativas de vida</p><p>mais longas são encontradas em culturas em que o estilo de vida das</p><p>pessoas as força a caminhar todos os dias.[6] Exercícios ajudam tanto</p><p>o corpo como a mente. Têm efeitos positivos notáveis sobre o</p><p>humor[7] e sobre a cognição.[8] É essencial integrarmos movimento à</p><p>nossa vida.</p><p>Há muitos fatores em jogo, mas, em grande medida, muito do que</p><p>a ciência sugere é simplesmente lógico. Ficar parado promove tensão.</p><p>E, quando acumulamos tensão no corpo, restringimos a circulação, a</p><p>digestão e o sistema nervoso, di�cultando a nutrição.</p><p>Além disso, quando não liberamos emoções e prendemos energia,</p><p>comprometemos o sistema linfático — os órgãos e tecidos que</p><p>combatem infecções e protegem o corpo contra toxinas. É por isso</p><p>que o trabalho corporal é tão importante e que eu priorizo receber</p><p>massagens quase toda semana durante minha atual fase de vida.</p><p>Embora o coração faça o sangue circular pelo corpo, a linfa não pode</p><p>contar com um órgão assim para movê-la — precisa que nos</p><p>movimentemos, e �ca parada quando �camos parados.</p><p>A falta de movimento também afeta o sistema endócrino, a rede de</p><p>glândulas que produzem e movem hormônios para tecidos e órgãos</p><p>especí�cos do corpo. Quando temos um bloqueio nas glândulas</p><p>suprarrenais, por exemplo, �camos presos no medo, na raiva, no</p><p>julgamento e na decepção. Temos di�culdade de acessar os sorrisos,</p><p>as risadas e o amor que podem remover o bloqueio.</p><p>Entendo a raiva como sendo, em grande parte, um problema das</p><p>glândulas suprarrenais. A raiva justa é uma reação rápida e limitada a</p><p>um estímulo, e prova que as glândulas suprarrenais estão</p><p>funcionando. Mas estas, quando cronicamente hiperativas, muitas</p><p>vezes estão relacionadas a um tipo de raiva que parece estar presa,</p><p>sem se mover, como um rancor. Isso pode causar uma variedade de</p><p>problemas de saúde que deterioram o corpo mais depressa. O perdão</p><p>permite à vida voltar a se mover, enquanto o rancor a mantém</p><p>estagnada. Nessa metáfora, o movimento consiste em muito mais do</p><p>que bombear sangue e mover a linfa; trata-se de uma ética, um</p><p>princípio, que podemos integrar a cada aspecto da vida.</p><p>Assim como a maioria de meus segredos para a saúde e a</p><p>felicidade, esse é sustentado pela sabedoria antiga. A verdade é que</p><p>não importa o quanto possamos nos encontrar presos, a vida em si está</p><p>sempre em movimento. O conceito de anicca, como geralmente é</p><p>transliterado em textos budistas, ou anitya, que é a gra�a mais comum</p><p>em textos hindus, é muito antigo e foca a impermanência: a vida está</p><p>sempre mudando e nós sofremos quando tentamos impedir esse</p><p>�uxo.</p><p>Às vezes, é preciso deixar a vida se mover através de nós e à nossa</p><p>volta sem tentar impedi-la. Outras vezes, é preciso literalmente nos</p><p>levantarmos e nos movermos. Isso se aplica aos níveis físico,</p><p>emocional e espiritual. A compreensão do poder do movimento pode</p><p>nos permitir superar quase tudo. É uma verdade sagrada que nos</p><p>ajuda nos momentos mais difíceis.</p><p>E começa com a percepção de que estar estagnado é apenas uma</p><p>ilusão.</p><p>V</p><p>7</p><p>A VIDA ESTÁ SEMPRE EM</p><p>MOVIMENTO</p><p>amos pensar um pouco mais profundamente sobre o segundo</p><p>segredo. Toda vida precisa estar em movimento — o que</p><p>signi�ca que tudo que está vivo está em movimento.</p><p>Isso mesmo. Está em movimento ainda que seja difícil perceber.</p><p>Pense no deserto do Arizona. Adoro essa paisagem. Nos mais de 60</p><p>anos que morei aqui — mais tempo talvez do que a maioria dos</p><p>leitores deste livro tenha de vida —, observei milhares e milhares de</p><p>vezes o sol se pondo no Sonora, os tons de rosa e laranja rodopiando</p><p>por trás de silhuetas de saguaros. Vi famílias de codornas correrem</p><p>para dentro de arbustos, vi �gueiras-da-índia e ocotillos �orescerem.</p><p>Mas muitas pessoas que vêm aqui pela primeira vez — e outras tantas</p><p>que nunca virão — pensam que se trata de um lugar quieto,</p><p>estagnado, morto. Mas pode acreditar: elas estão erradas.</p><p>Se você pensa que o deserto do Arizona é morto, nunca o viu</p><p>depois da chuva.</p><p>Quando a estação dos ventos de monções chega, nuvens escuras</p><p>começam a cruzar o céu por toda tarde. Quando elas passam, o céu se</p><p>abre, despejando vida. A chuva dura 20 ou 30 minutos no máximo e</p><p>É</p><p>acaba tão de repente quanto começou. É quando todo o ecossistema</p><p>começa a se movimentar, pois estava ali, vivo o tempo todo, à espera</p><p>de seu momento. Os cactos incham, os pássaros chamam uns aos</p><p>outros, os lagartos correm de lá para cá em júbilo e todos os</p><p>camundongos e outros pequenos mamíferos passam ligeiros,</p><p>procurando poças para beber. Toda essa vida está sempre presente,</p><p>mas nem sempre a percebemos.</p><p>Nossa força vital é assim. Está sempre presente, sempre viva,</p><p>sempre em movimento. Apenas à espera de que a gente a perceba.</p><p>Como posso ter tanta certeza? Porque sei que, quando nossa</p><p>energia para de se mover, nós morremos. Isso signi�ca que não</p><p>importa o quanto nos sintamos presos, enquanto estamos vivos algo</p><p>dentro de nós está se movendo. Mesmo quando estamos sentados e</p><p>quietos, cada um de nós é um universo em movimento. Algo está</p><p>sempre mudando, mesmo que não �ua particularmente bem.</p><p>Enquanto estamos vivos, nossos corações batem. Nossos pulmões</p><p>recebem ar e o forçam para fora. Nosso sistema digestivo funciona</p><p>sem parar, mesmo que esteja dolorosamente lento. É próprio de</p><p>nossa natureza mover, processar, liberar. O movimento está</p><p>acontecendo através de nós, dentro de nós e à nossa volta.</p><p>Esse princípio simples funciona em muitos níveis. Como seres</p><p>emocionais e espirituais, não podemos progredir quando focamos o</p><p>que está preso — seja um pensamento, um sentimento, uma</p><p>identidade, um diagnóstico, um ponto de vista ou mesmo uma</p><p>pessoa. Isso porque esse estado de prisão não guarda nenhuma vida.</p><p>Quando nos conectamos com a ideia de movimento, tiramos</p><p>proveito de algo que nosso corpo faz naturalmente. Não apenas</p><p>nossos órgãos, tecidos e �uidos são feitos para se mover, mas nossa</p><p>energia também. Isso é verdade não apenas em um nível visível — em</p><p>suor, digestão e outros processos físicos —, mas também em um nível</p><p>invisível.</p><p>As crianças entendem isso intuitivamente. É por esse motivo que</p><p>estão sempre se mexendo. Nunca parei de me mexer, em parte</p><p>porque não conseguia e em parte porque nunca vi nada de errado em</p><p>me movimentar. Também nunca ensinei meus �lhos a pararem de se</p><p>mexer. Movimentar-se é bom — indica que a vida está em curso à</p><p>nossa volta e através de nós; move a linfa, lubri�ca as articulações e</p><p>impede que os músculos �quem tensos.</p><p>Quando sentimos alegria no corpo, movimentar-se e caminhar são</p><p>respostas naturais. O inverso também é verdadeiro: movimentar-se e</p><p>caminhar podem nos ajudar a nos sentirmos mais alegres. Uma</p><p>caminhada rápida é incrivelmente útil ao cérebro, que também não</p><p>gosta que �quemos parados e quietos.</p><p>O conceito de �uxo de energia é estudado há milênios no Oriente</p><p>numa escala ainda mais sutil. A medicina chinesa tradicional se baseia</p><p>em uma compreensão do �uxo de energia que corre de e para órgãos</p><p>especí�cos através de meridianos (canais de energia que percorrem o</p><p>corpo). Tratamentos como acupuntura, acupressão e moxabustão são</p><p>aplicados a pontos-chave desses meridianos para desbloqueá-los, ativá-</p><p>los e ajudar o �uxo de energia. Nos anos 1970, Bill e eu nos tornamos</p><p>adeptos da acupuntura na comunidade alopática. Embora a</p><p>acupuntura seja uma ciência antiga, praticada há milhares de anos,</p><p>até as últimas décadas era relativamente desconhecida na medicina</p><p>ocidental, e os médicos ridicularizavam a prática chinesa de espetar</p><p>agulhas em pessoas, comparando-a à sangria e a outras práticas</p><p>alopáticas antiquadas e obsoletas. Não tinham nem um pouco de</p><p>curiosidade em saber por que os médicos chineses tradicionais faziam</p><p>o que faziam, em alguns casos porque não conseguiam imaginar, em</p><p>outros porque tinham a mente fechada e haviam sucumbido ao</p><p>preconceito. Comecei a estudar um pouco mais a acupuntura a partir</p><p>de uma resposta a uma carta que Bill e eu publicamos em nosso</p><p>boletim informativo, Pathways to Health [Caminhos para a Saúde]. Um</p><p>homem escreveu que aplicara um tratamento a seu pescoço,</p><p>direcionado a um sintoma especí�co, e tivera benefícios notáveis em</p><p>seu tornozelo, onde estava apresentando outro sintoma</p><p>completamente diferente. Ele queria saber como aquilo tinha sido</p><p>possível.</p><p>Lembre-se, isso aconteceu antes do Google. Não havia fóruns na</p><p>internet para consulta nem outros lugares para postar uma pergunta</p><p>como aquela. Nosso pequeno boletim, que era impresso a cada mês</p><p>em nossa clínica e enviado a assinantes do mundo todo, era a melhor</p><p>fonte de informação sobre saúde natural e integrativa para muita</p><p>gente. Bill e eu estávamos aprendendo junto a todo mundo e não</p><p>tínhamos a menor ideia de por que o tratamento do pescoço</p><p>do</p><p>homem afetara seu tornozelo. Publicamos a carta integralmente e</p><p>perguntamos se alguém tinha uma explicação. Pouco tempo depois,</p><p>um médico escreveu da Itália para dizer que os dois pontos faziam</p><p>parte do mesmo meridiano.</p><p>Na época, eu nunca havia ouvido falar em meridianos, então</p><p>comecei a investigar à moda antiga: lendo e perguntando. Quanto</p><p>mais eu aprendia, mais sentido aquilo fazia. Só que eu precisava de</p><p>mais informações do que podia obter localmente ou por meio de</p><p>cartas, então decidi atraí-las até mim. Em 1973, Bill e eu organizamos</p><p>o primeiro simpósio dos Estados Unidos sobre acupuntura. Nós o</p><p>realizamos na Universidade de Stanford, na Califórnia, e convidamos</p><p>líderes renomados do mundo inteiro no campo da acupuntura. O</p><p>presidente Richard Nixon acabara de ir à China e testemunhara uma</p><p>apendicectomia em que o alívio da dor fora obtido apenas com</p><p>acupuntura; sem anestesia. O médico do presidente Nixon, o dr. Paul</p><p>Dudley White, participou de nosso simpósio, assim como outros 280</p><p>médicos. Bill e eu estávamos entre os primeiros da área da medicina a</p><p>promover o estudo da acupuntura na comunidade médica ocidental,</p><p>e começamos a organizar conferências e trazer oradores da China e</p><p>de outras partes do mundo. Um pouco mais tarde, comecei eu mesma</p><p>a tratar pessoas por meio da acupuntura e �quei impressionada com</p><p>os resultados rápidos.</p><p>No início de minha jornada na prática da acupuntura, estava</p><p>cuidando do trabalho de parto de uma adolescente apavorada. Ela</p><p>estava completamente sozinha, sem nenhum parceiro para apoiá-la, e</p><p>era muito jovem. Gritava a cada contração, sabendo que a dor apenas</p><p>se tornaria mais intensa e com medo do que estava por vir. Eu me</p><p>sentia muito mal por ela. Também temia que a criança nascesse numa</p><p>atmosfera de profundo sofrimento emocional. Sempre fui uma</p><p>proponente de nascimentos afetuosos e, embora não culpasse a mãe</p><p>por seu medo e sua dor, sabia que ela e a criança mereciam uma</p><p>experiência mais positiva.</p><p>Perguntei à minha paciente se estava disposta a me permitir tratá-la</p><p>com acupuntura. Ela concordou, embora estivesse cética. Pus as</p><p>agulhas nos pontos que eu aprendera que eram bené�cos a trabalhos</p><p>de parto e me sentei a seu lado. Aos poucos, as lágrimas da menina</p><p>começaram a secar e sua respiração se tornou mais pesada enquanto</p><p>ela relaxava. Alguns minutos depois, �quei surpresa ao constatar que</p><p>a garota adormecera! Durante muitas horas, ela acordava por causa</p><p>das contrações e voltava a dormir. Ao utilizar seus meridianos, ela</p><p>pôde entrar no �uxo da vida. Isso a confortou e a relaxou. Sua</p><p>energia começou a se mover, e ela pôde focar algo além da dor e do</p><p>medo.</p><p>A vida está sempre em movimento; só precisamos perceber isso.</p><p>Está se movendo através de nossos meridianos. Através de nossos</p><p>batimentos cardíacos. Precisamos apenas expandir nosso foco.</p><p>Pense na vida como um riacho na �oresta. Uma árvore cai no meio</p><p>do riacho, criando uma pequena represa, e alguns gravetos vão se</p><p>juntando ali e tornando a represa um pouco mais alta. O �uxo de</p><p>água diminui signi�cativamente, mas em geral não para por</p><p>completo. Mesmo quando para, a água continua a �uir antes da</p><p>represa, e o movimento pode ser visto na linha d’água crescente. Em</p><p>algum momento, a água chega ao topo da represa e começa a</p><p>escorrer de um lado ou outro, contornando-a e seguindo seu �uxo</p><p>correnteza abaixo. Se olharmos apenas a represa e a água empoçada</p><p>atrás dela, podemos pensar que a água parou, mas a verdade é que</p><p>está sempre em movimento.</p><p>Vida procura vida. Sempre. Isso signi�ca que, quando nos sentimos</p><p>muito presos, seja física, emocional, situacionalmente, seja de</p><p>qualquer outro modo, precisamos apenas identi�car em que ponto as</p><p>coisas ainda estão se movendo. Quando investimos foco e energia ali,</p><p>um �o de água �ui através da represa. Alinhar-se com esse �o nos</p><p>ajuda a nos realinharmos com a vida.</p><p>Quando fazemos isso, podemos nos levantar e voltar a nos mover.</p><p>Depois, é só continuar seguindo.</p><p>Hoje em dia, muitos de nós temos rastreadores digitais que nos</p><p>informam quantos passos damos, e podemos estabelecer metas a</p><p>alcançar. Não sou exceção: durante os longos meses da quarentena</p><p>devido à epidemia de Covid, desa�ei-me a continuar dando meus</p><p>3.700 passos por dia, e muitas vezes bato a meta simplesmente dando</p><p>voltas na mesa da cozinha. Quando o mundo se abriu de novo,</p><p>mantive o ritmo e recentemente até aumentei minha meta diária para</p><p>3.800 passos! Para minha sorte, minha casa é cheia de tesouros de</p><p>minhas viagens pelo mundo. Olho para eles enquanto me movo,</p><p>lembrando-me dos lugares onde estive e das pessoas que conheci. As</p><p>prateleiras que se estendem sobre as paredes estão repletas de pedras</p><p>colhidas em caminhos nas montanhas e conchas de praias de litorais</p><p>distantes. Na parede, há retratos de vários membros da família: meus</p><p>pais nos anos 1930, eu mesma nos anos 1940, meus dois �lhos mais</p><p>novos posando para um cartão de Natal nos anos 1960, e minha �lha</p><p>Analea posando para o anuário do ensino médio nos anos 1970, 40</p><p>anos antes de sua morte. Vejo cristais e carrilhões de vento,</p><p>bugigangas que meus pacientes e amigos me deram ao longo de</p><p>muitas décadas, e prêmios com que fui homenageada no curso de</p><p>minha carreira longa e signi�cativa. Posso estar em casa, mas não me</p><p>sinto presa.</p><p>Isso parece muito simples, mas pode ser desa�ador, em especial</p><p>quando nossos corpos se acostumam a não se mover e nos tornamos</p><p>�sicamente fracos, temos lesões ou estamos deprimidos.</p><p>N</p><p>8</p><p>MOVA-SE EM MEIO À DOR</p><p>os anos do baby boom, não tínhamos um termo para descrever a</p><p>experiência comum de mães jovens cujos corpos, química do</p><p>cérebro e senso de identidade eram submetidos às pressões da</p><p>maternidade precoce — um distúrbio que hoje chamaríamos de</p><p>depressão pós-parto. Mas, identi�cada ou não, a condição era muito</p><p>comum na cidadezinha às margens do rio Ohio onde Bill e eu</p><p>começamos nossa família.</p><p>Não havia muitas oportunidades naquela cidade. A maioria das</p><p>pessoas era de baixa renda, e poucas tinham acesso ao ensino</p><p>superior. Além disso, era uma época diferente, e as oportunidades</p><p>para as mulheres eram limitadas para além das condições</p><p>socioeconômicas da região. Muitas jovens haviam feito tudo o que era</p><p>esperado delas. Era comum terem se casado com o namorado do</p><p>ensino médio e engravidado logo depois, com frequência tendo</p><p>vários �lhos em rápida sucessão. Isso foi antes da legalização da</p><p>“pílula”, que era, como todos nós chamávamos, o controle de</p><p>natalidade na época, e, no �m das contas, esperava-se que mulheres</p><p>casadas quisessem engravidar e �car em casa. Não sei se foi assim com</p><p>Maria ou não; acho que ela também não sabia.</p><p>Ela veio se consultar comigo porque estava sentindo dores de</p><p>cabeça que a obrigavam a �car no sofá durante a maior parte do dia.</p><p>Trouxera dois bebês a tiracolo — um ela sacudia no colo, com os</p><p>cachos castanhos balançando, enquanto os olhos brilhantes espiavam</p><p>para fora da janela, e o outro engatinhava pelo chão, sujando os</p><p>joelhos enquanto explorava os cantos de um jeito que dava orgulho à</p><p>menininha bagunceira que havia em mim. Como fazia com muitos</p><p>pacientes, comecei perguntando a Maria sobre sua vida.</p><p>Ela me contou que adorava revistas de moda e passava a maior</p><p>parte do dia lendo-as e sonhando com outra vida. Embora a irmã, as</p><p>primas e as amigas da escola estivessem todas em situações</p><p>semelhantes e não morassem longe, ela quase nunca as visitava, e com</p><p>o tempo elas haviam parado de ligar.</p><p>— Eu sinto como se não conseguisse me levantar. É como se algo</p><p>estivesse me pressionando para baixo, e então essa dor de cabeça</p><p>terrível começa por volta das 2 ou 3 horas da tarde todos os dias. Mas</p><p>a essa altura eu tenho que me levantar mesmo assim porque tenho</p><p>que cuidar da limpeza e fazer a comida antes de meu marido chegar</p><p>em casa.</p><p>Foi então que sua �lha, que estava deitada de costas embaixo da</p><p>mesa, sentou-se de súbito batendo a cabeça. A menina começou a</p><p>chorar. Segundos depois, o irmão mais novo começou a chorar</p><p>também.</p><p>Peguei a menininha, enquanto Maria começava a balançar para</p><p>acalmar o �lho, mas durante vários minutos</p><p>a sala foi imersa na</p><p>choradeira. Com quatro crianças pequenas em casa, eu conhecia bem</p><p>a situação e não me importei. Mas ao observar Maria, percebi que ela</p><p>estava cansada daquilo. Seus olhos se arregalaram e sua mandíbula se</p><p>contorceu num sorriso falso.</p><p>— Quieto agora, está tudo bem — sussurrou ela de modo nada</p><p>convincente, enquanto balançava o menino com um tipo de</p><p>desespero especí�co de pais jovens.</p><p>Por �m, as crianças pararam de chorar, e foi quando as lágrimas de</p><p>Maria começarem a escorrer.</p><p>Ela me olhou com os mesmos belos olhos castanhos de seu �lho,</p><p>cheios de lágrimas.</p><p>— Ah, dra. Gladys, você acha que sou uma péssima mãe?</p><p>Eu não achava Maria uma péssima mãe; achava que ela estava</p><p>deprimida.</p><p>— O que as crianças �cam fazendo quando você está no sofá? —</p><p>perguntei.</p><p>— Você sabe, são crianças. Ficam apontando para as �guras de um</p><p>livro. Abraçando um ursinho. Apertando os botões dos brinquedos</p><p>até algo pular para fora.</p><p>— E você se movimenta?</p><p>— Não.</p><p>— Tem certeza?</p><p>Expliquei a Maria sobre a represa e o �o de água. Falei sobre o</p><p>deserto depois da chuva. Então disse que ela estava se movendo</p><p>também — de um jeito ou de outro —, e que tinha apenas que</p><p>perceber esse movimento.</p><p>— Meu palpite é que você está se movimentando, mas precisa</p><p>entrar no ritmo de seu movimento e se deixar levar por ele. No</p><p>mínimo, você está respirando e virando as páginas de sua revista. Siga</p><p>o �uxo desse movimento.</p><p>Maria �cou confusa.</p><p>— O que você quer dizer? Virar as páginas mais rápido?</p><p>— Não. Ao virar a página, deixe todo seu braço se mover. Deixe</p><p>que esse pequeno movimento de virar a página se torne um</p><p>movimento maior em que você usa o braço e o ombro. Pegue o</p><p>impulso. Levante-se, ande pela casa, olhe para fora. Pode ser que você</p><p>note uma borboleta pela janela, então caminhe em direção a ela. Se</p><p>notar algumas �ores silvestres, vá pegá-las no jardim. Não se deixe</p><p>�car sentada, congelada. Em algum momento, sua mente vai começar</p><p>a seguir seu corpo. Você vai ver algo bonito e inspirador, e vai se</p><p>alinhar com a luz novamente.</p><p>Maria estreitou os olhos enquanto continuava a balançar o bebê.</p><p>Não estava convencida.</p><p>— Está vendo como você está balançando o bebê aí? — perguntei,</p><p>e ela fez que sim. — Balance a si mesma, Maria. Você precisa disso</p><p>tanto quanto ele. Mesmo quando não conseguir sair do sofá, tente se</p><p>balançar durante um minuto inteiro sem parar. Comece assim.</p><p>Em meu colo, a menininha havia tirado um sapato e a meia e</p><p>estava examinando os dedos do pé. Peguei seu dedão, apertei-o e</p><p>disse:</p><p>— Este porquinho foi às compras…</p><p>Ela deu um gritinho de prazer, sabendo o que viria a seguir.</p><p>Pressionei com delicadeza seu segundo dedo do pé e comecei a fazer</p><p>o caminho em direção ao dedo mínimo.</p><p>— Este �cou em casa. Este porquinho comeu rosbife, este não fez</p><p>nada. E este porquinho fez “Uíííííí!!!!” voltando para casa.</p><p>Ela balançou o corpo enquanto eu fazia cócegas em sua barriga, e</p><p>nós duas rimos.</p><p>Quando olhei para Maria, ela estava sorrindo, embora os olhos</p><p>ainda estivessem interrogativos.</p><p>— Não é fácil ser mãe — falei em um tom suave.</p><p>Ela concordou, e as lágrimas voltaram a escorrer.</p><p>— Mas você precisa desses joguinhos bobos tanto quanto eles.</p><p>Precisa rir com seus �lhos, pegá-los, mover-se com eles. Não porque</p><p>isso vai fazer de você uma boa mãe, mas porque vai permitir que você</p><p>sobreviva. Tem que deixar essas risadinhas entrarem aí e continuar se</p><p>movendo. Senão, são só fraldas sujas o tempo todo.</p><p>Maria se inclinou em minha direção e aproximei a cadeira da dela.</p><p>Então eu a abracei, com as duas crianças aninhadas entre nós,</p><p>enquanto ela soltava uma enxurrada de lágrimas.</p><p>Eu sabia que sua situação era desesperadora, então �quei muito</p><p>surpresa quando minha solução por si só a tirou daquilo. Maria</p><p>passou a se movimentar e voltou a acessar sua força vital. Quando a vi,</p><p>vários meses depois, ela estava se encontrando regularmente com</p><p>uma prima para caminhar até o parquinho. Elas empurravam seus</p><p>�lhos no balanço — às vezes até elas próprias se balançavam — e</p><p>compartilhavam os desa�os da maternidade. Com o tempo, Maria</p><p>começou a fazer os próprios desenhos de moda e a se expressar</p><p>criativamente à mesa da cozinha. Encontrou um jeito de fazer a</p><p>maternidade funcionar para ela.</p><p>Hoje, eu poderia oferecer recursos diferentes a alguém como</p><p>Maria. Talvez uma paciente semelhante recebesse um apoio à saúde</p><p>mental de um terapeuta pro�ssional ou usasse medicamentos</p><p>psiquiátricos para sair do estado depressivo. Se suas dores de cabeça</p><p>fossem diagnosticadas como enxaquecas ou cefaleia em salvas, outros</p><p>medicamentos também poderiam ser úteis. Ela poderia ir a uma</p><p>academia de ginástica para liberar mais endor�na, em vez de apenas</p><p>se mexer e caminhar pela vizinhança. Mas mesmo hoje, com muito</p><p>mais recursos disponíveis, temos que nos movimentar para acessá-los</p><p>— temos que despertar nossa força vital para pedir ajuda. E, acredite</p><p>ou não, é melhor andar pela casa e brincar com um bebê do que �car</p><p>paralisado no sofá.</p><p>A depressão é insidiosa. É invasiva e sorrateira, como um vírus.</p><p>In�ltra-se sem ser detectada, até que de repente nos domina, e não</p><p>sabemos o que fazer. Quando isso acontece, precisamos encontrar</p><p>maneiras simples de nos conectarmos com a vida de novo.</p><p>Talvez seja difícil continuarmos nos movimentando quando</p><p>estamos deprimidos. Ou quando estamos sofrendo muito. Mas a dor</p><p>emocional da depressão é muito semelhante à dor física e,</p><p>frequentemente, por mais que o movimento possa doer, é parte da</p><p>solução para a dor.</p><p>Outra paciente, Suzy, tinha artrite reumatoide e sentia dor</p><p>diariamente. Estava animada por ter engravidado, mas eu �quei</p><p>preocupada que ela sofresse ainda mais, em particular durante o</p><p>trabalho de parto. A artrite é uma doença crônica que in�ama as</p><p>juntas. A gravidez, por sua vez, pressiona as articulações, liberando</p><p>hormônios que as obrigam a expandir mais do que o normal, e o</p><p>parto em si potencializa esse efeito. Eu sabia que o trabalho de parto</p><p>implica uma das maiores dores que a maioria das mulheres sente na</p><p>vida; e isso seria ainda pior no caso de alguém com artrite</p><p>reumatoide. Suzy queria passar pela experiência sem intervenções,</p><p>nem mesmo medicamentos, mas eu não tinha tanta certeza de que</p><p>ela conseguiria.</p><p>Tive a sorte de auxiliar Suzy quando ela deu à luz. Como qualquer</p><p>mulher em trabalho de parto, ela sentia dor, e eu sabia que a dela era</p><p>maior que a da maioria. Mas, ao servir como um precioso portal entre</p><p>mundos e imbuída da intuição profunda e universal com que as</p><p>mulheres são muitas vezes abençoadas quando estão em trabalho de</p><p>parto, Suzy parecia saber exatamente o que fazer. Algo primal</p><p>aconteceu diante de meus olhos. Aquela mulher incrível, que estava</p><p>acostumada ao desa�o de viver com uma dor crônica, permitiu-se de</p><p>algum modo ser movida pelo que doía. Parou de lutar e deixou</p><p>aquilo tomar conta dela por completo.</p><p>A cada contração feroz, ela se entregava por inteiro. Percebi</p><p>quando, aos poucos, seus movimentos encontraram um ritmo e, em</p><p>seguida, começaram a fazer uma dança. Ela girava devagar pela sala,</p><p>os pés descalços no chão, balançando os quadris como uma deusa</p><p>antiga, como uma mulher que sabe. Jamais vou esquecer a visão daquela</p><p>mulher incrível dançando para dar à luz e receber a �lha no mundo</p><p>enquanto se movimentava com a dor. A dor era muito intensa, é</p><p>claro, mas Suzy não focou isso. Deixou que fosse transitória. Ela se</p><p>abriu à grande alegria. Quando a mãe recebeu a �lha no mundo num</p><p>parto saudável e afetuoso, a dor transitória se transformou numa</p><p>felicidade transcendental.</p><p>Esperei de canto, admirada. Embora eu tenha testemunhado</p><p>centenas, se não milhares, de nascimentos ao longo da vida, esse</p><p>milagre em particular ainda me maravilha.</p><p>Suzy estava fazendo uso de algo muito maior do que ela própria:</p><p>uma sabedoria que atravessa gerações.</p><p>Estudos cientí�cos mostram que certos movimentos amenizam</p><p>muitos tipos de dor crônica.[9] O movimento mantém as articulações</p><p>lubri�cadas e saudáveis, impede que os músculos se deteriorem para</p><p>que possam sustentar ligamentos e ossos, mantém o sangue</p><p>circulando</p><p>e nos dá algo em que focar além da dor.</p><p>Então como devemos nos movimentar quando sentimos dor? Por</p><p>mais contraintuitivo que soe, a resposta é simples: de qualquer jeito.</p><p>Há exceções, é claro — como quando temos uma lesão na coluna</p><p>vertebral ou um osso que está se recuperando —, mas na maioria das</p><p>vezes algum tipo de movimento é possível, mesmo quando temos que</p><p>manter a parte do corpo que dói imóvel. Além disso, o movimento</p><p>afasta a depressão, que pode nos manter ainda mais presos.</p><p>O medo é um dos grandes motivos pelos quais paramos de nos</p><p>mover em resposta à dor: não queremos sofrer mais. Mas como a vida</p><p>está sempre em movimento, o movimento está sempre presente. Se</p><p>você sente dor, comece respirando mais fundo. Note como isso</p><p>movimenta sua barriga e seu peito. Permita que o corpo comece a se</p><p>mover com a respiração, tornando-a cada vez mais profunda. Pode ser</p><p>que você note que a dor aumenta e diminui durante o processo.</p><p>Talvez mover-se desse jeito ou daquele deixe a dor mais suportável.</p><p>Talvez até seja possível começar a se erguer e fazer movimentos mais</p><p>amplos. Permita-se e veja o que acontece. Quem sabe? Você pode até</p><p>começar a dançar.</p><p>Se você possui algum tipo de dor crônica, vai perceber que se</p><p>mover enquanto sente dor vai acabar virando um hábito. Se sua</p><p>mente tende à depressão, você também pode treinar se movimentar</p><p>quando sentir que um episódio depressivo se aproxima.</p><p>Às vezes, há uma razão física para a dor: uma lesão ou a herança de</p><p>uma química cerebral que leva a humores instáveis. Outras vezes, são</p><p>experiências passadas que levam à estagnação. Por isso, é importante</p><p>considerar o papel da vergonha, a emoção mais paralisante do corpo.</p><p>A</p><p>9</p><p>PARALISADOS PELA</p><p>VERGONHA</p><p>vergonha é uma das emoções mais difíceis de liberar. Muita</p><p>gente passa a vida inteira em suas garras. É comum sermos</p><p>atormentados por vergonhas antigas — situações que se repetem</p><p>muitas vezes, por mais que a gente deseje o contrário. Nada contrai</p><p>mais nossa força vital do que a vergonha.</p><p>Todo mundo sente vergonha às vezes. Por razões que não são de</p><p>todo claras para mim, tenho uma forte tendência a escorregar e cair</p><p>no palco. É constrangedor, mas acontece. Embora a lembrança desses</p><p>incidentes ainda me provoque uma pequena pontada de vergonha,</p><p>aprendi a transformar isso em humor, que parece atenuar os</p><p>incidentes constrangedores.</p><p>A primeira vez que caí em público foi durante a escola primária.</p><p>Estava orgulhosa por estar encenando o papel principal numa peça</p><p>de teatro chamada O sapo pulou a poça. Eu vestia uma fantasia verde e</p><p>estava preparada para o momento crucial: meu salto triunfante sobre</p><p>uma bacia cheia de água. Uma multidão assistia. Mas algo deu errado</p><p>no meio do ar e acabei, primeiro ouvindo, e depois sentindo, a água</p><p>espirrando embaixo de mim. Fiquei sentada na bacia, paralisada pela</p><p>humilhação e chorando sem parar, enquanto a multidão explodia em</p><p>risadas, com a tinta verde escorrendo da roupa de sapo e formando</p><p>uma mancha na água.</p><p>Mais tarde, quando meus irmãos contaram a história à mesa de</p><p>jantar, minha mãe entendeu que era um bom momento para uma</p><p>lição. Esperou meus irmãos pararem de rir e disse:</p><p>— Certo, meninos, agora que vocês se divertiram, o que podemos</p><p>fazer, como família, para ajudar Gladee a, da próxima vez que se</p><p>sentir envergonhada, conseguir fazer com que as pessoas riam com ela,</p><p>em vez de rir dela?</p><p>Minha mãe fez a pergunta cheia de amor e compaixão — por meu</p><p>constrangimento e pelo absurdo da situação. Não fez eu me sentir</p><p>envergonhada por chorar, mas também não fez meus irmãos se</p><p>envergonharem por rirem.</p><p>Aconteceu que a resposta estava na própria pergunta. Quando</p><p>liberamos a vergonha por estarmos na poça, percebemos o que todo</p><p>mundo já sabia: que é muito engraçado participar de uma peça</p><p>chamada O sapo pulou a poça e, em vez de cumprir essa promessa, cair</p><p>na água. Quando permitimos que o constrangimento se transforme,</p><p>ele quase sempre se torna outra coisa — nesse caso, humor.</p><p>Essa lição me serviu várias vezes, a�nal aquela foi a primeira de</p><p>muitas ocasiões em que caí em um palco. Na faculdade, tive uma aula</p><p>de oratória. Cada estudante precisava se levantar e se apresentar para</p><p>a sala. Eu estava nervosa porque já era um tanto diferente das outras</p><p>meninas — havia me mudado recentemente da Índia para Ohio.</p><p>Quando subi ao pódio para me apresentar, tropecei no degrau e caí</p><p>de bunda. Antes do baque da aterrissagem, dois outros sons altos</p><p>ricochetearam na sala: o craque de minha cabeça sobre a carteira</p><p>escolar e o rip de minha saia rasgando acima do joelho, o que na</p><p>época era uma indecência e tanto. A lição de minha mãe na ocasião</p><p>da peça escolar me veio à mente na hora, e eu logo me recuperei e</p><p>liberei o constrangimento. Com a plateia ainda boquiaberta,</p><p>anunciei:</p><p>— A primeira coisa que um orador deve fazer é ganhar a atenção</p><p>da plateia. Meu nome é Gladys Taylor e espero que tenham gostado</p><p>do show!</p><p>A sala inteira riu, e eu também.</p><p>Entender que a vida precisa se mover funciona exatamente assim:</p><p>reconhecemos o que não está funcionando e nos livramos disso para</p><p>dar espaço ao novo. Nesse caso, quando liberei a humilhação por ter</p><p>cometido um erro, encontrei o humor que havia por trás daquilo.</p><p>Esse humor só me trouxe alegria, e essa alegria simplesmente não</p><p>seria possível para mim se eu tivesse permanecido presa em minha</p><p>vergonha e meu constrangimento. Tive que primeiro me perdoar por</p><p>ter cometido um erro para que a energia pudesse voltar a se mover.</p><p>Era isso que minha mãe estava tentando me ensinar. Enquanto</p><p>chorava, sem sair da bacia de água, não estava me lamentando porque</p><p>havia caído — eu era uma criança ativa e caía o tempo todo. Chorava</p><p>porque pensei que não deveria ter caído e estava envergonhada. Pense</p><p>em Maria e Suzy, que apresentei no capítulo anterior. Minha</p><p>vergonha paralisada no palco é semelhante ao temor de Maria de que</p><p>não fosse uma boa mãe. E realça o que Suzy não fez durante o</p><p>trabalho de parto — não �cou sentada, preocupada com sua artrite e</p><p>o trabalho de parto difícil, pensando sobre tudo que havia de errado.</p><p>Isso a teria distraído de sua missão, que era dar à luz o bebê. Suzy</p><p>continuou se movendo e deixou a vida e o amor — e mesmo o riso —</p><p>�uírem através dela.</p><p>Minha mãe me ensinou a rir quando eu senti vergonha porque o</p><p>riso tem a estranha capacidade de atravessar o que dói. No corpo, o</p><p>riso serve a um importante propósito: literalmente faz cócegas nas</p><p>suprarrenais. O diafragma está localizado um pouco acima dessas</p><p>glândulas, que guardam a reatividade, o medo e a raiva, a apatia e o</p><p>ódio. Quando rimos, �exionamos e liberamos o diafragma, o que dá</p><p>uma leve sacudida nas suprarrenais. Penso nisso como se fossem</p><p>cócegas. E aí? Está se sentindo estressado ou chateado? Tem alguma coisa que</p><p>você gostaria de liberar?, diz o diafragma. Em minha experiência, as</p><p>suprarrenais costumam �car bastante aliviadas com o convite para</p><p>relaxar e se soltar.</p><p>A vergonha é uma das emoções mais estagnantes da experiência</p><p>humana. À mesa de jantar, minha mãe me mostrou que, em vez de</p><p>me trancar no constrangimento, eu podia acessar uma emoção que</p><p>estava em movimento e aproveitá-la para sair da vergonha.</p><p>Agora, se você pensa que emoções como vergonha e</p><p>constrangimento desaparecem na velhice, posso atestar que está</p><p>errado. Ainda tenho a oportunidade de liberar momentos</p><p>constrangedores, mesmo aos 102 anos.</p><p>Uma oportunidade dessas surgiu em meu 99º aniversário. Na</p><p>época, eu ainda dirigia, e havia passado no supermercado para</p><p>comprar alguns itens. Na volta para o carro, eu estava carregando</p><p>uma sacola do jeito que uma mulher de 99 anos faz: devagar. Acho</p><p>que chamei atenção porque um senhor idoso veio me socorrer.</p><p>— Quer ajuda? — perguntou ele.</p><p>— Ah, obrigada, mas estou bem — respondi.</p><p>— Posso ajudar você, de verdade. Sou mais forte do que pareço.</p><p>Tenho 86! — disse ele com orgulho.</p><p>Algo no comentário me irritou. Não sei por que, mas me irritou.</p><p>Então dei uma resposta desagradável sem pensar.</p><p>— Hum, e eu tenho 99!</p><p>Olhei em seus olhos, desa�ando-o.</p><p>O senhor �cou um pouco espantado com a resposta.</p><p>Falei mais</p><p>alguma coisa num tom amigável e me afastei. Fechei o porta-malas do</p><p>carro e me sentei no banco do motorista, fumegando de raiva de mim</p><p>mesma. Por que eu dissera algo tão desagradável? Por que eu me</p><p>sentira em uma competição? Ele só queria ajudar! Você está se tornando</p><p>uma velha ranzinza, Gladys, pensei comigo mesma. Estava chateada</p><p>demais para dar a partida no carro.</p><p>Então me perguntei: O que essa situação teve de engraçada? De</p><p>repente, percebi: dois idosos discutindo num estacionamento de</p><p>supermercado. Isso era engraçado! Uma mulher idosa tratando um</p><p>homem de 86 anos como se ele fosse um jovem presunçoso. Isso era</p><p>engraçado também! Quanto mais eu examinava a situação, mais</p><p>parecia uma cena de comédia com dois velhos zangados brigando por</p><p>causa de uma sacola de compras. Fiquei no carro e �z cócegas em</p><p>minhas suprarrenais até a barriga doer. De algum jeito, aquilo se</p><p>tornou ridículo demais para continuar sendo constrangedor. Liberei</p><p>a vergonha e o arrependimento, dei uma risada e relaxei.</p><p>Da próxima vez que você se pegar fazendo algo constrangedor,</p><p>incentivo que tente pensar em como a situação poderia ser encarada</p><p>como engraçada. O que há de cômico no erro? O que foi</p><p>surpreendente, bobo ou simplesmente ridículo? Como uma pessoa de</p><p>fora veria isso, e por que riria? Você vai �car surpreso com a</p><p>frequência com que uma interpretação bem-humorada pode surgir</p><p>das situações mais improváveis.</p><p>O truque funciona muito bem com pequenos incidentes como o</p><p>que descrevi. Mas, muitas vezes, aquilo a que nos agarramos é um</p><p>arrependimento sobre as escolhas maiores que �zemos na vida. Como</p><p>podemos liberar os sentimentos a respeito de decisões maiores que</p><p>tomamos no passado — os relacionamentos que perdemos, as</p><p>decisões �nanceiras com as quais lidamos mal, as escolhas de carreira</p><p>que deram errado?</p><p>Seguir o �uxo da vida também inclui nos perdoarmos por aquilo</p><p>que não sabíamos ou não �zemos melhor no passado.</p><p>A</p><p>10</p><p>LIBERE O QUE NÃO IMPORTA</p><p>o longo da vida, muitos de nós nos sentimos presos a uma ideia</p><p>ou experiência. Quando eventos verdadeiramente desa�adores</p><p>aparecem, merecem ser processados e, geralmente, sentimos como se</p><p>todo nosso ser se empenhasse em superar a situação. Mas às vezes</p><p>parece que �camos presos nessa fase. Às vezes não conseguimos</p><p>seguir em frente.</p><p>Há uma linha tênue entre seguir em frente e a negação absoluta,</p><p>mas acredito que todo mundo sabe a diferença. A maioria de nós sabe</p><p>quando um processo está empacado. É quando ruminamos, voltando</p><p>ao mesmo pensamento uma vez atrás da outra ou quase nos</p><p>torturando com uma memória que parece que não conseguimos</p><p>liberar. É quando algo que amamos, como um relacionamento, uma</p><p>carreira ou um projeto, chega ao �m e não conseguimos parar de nos</p><p>lamentar pelo que já não temos, em vez de construir algo novo.</p><p>Quando isso acontece, às vezes precisamos de uma liberação rápida.</p><p>Precisamos olhar o que já não está nos servindo e simplesmente</p><p>deixar partir.</p><p>Quase todo mundo sabe como é ter que lidar com algo que não</p><p>nos serve mais. De vez em quando, estar aberto à vida signi�ca afastar-</p><p>se de coisas que não são boas para nós. Podemos dizer apenas um</p><p>“Não, obrigado” gentil, mas �rme, e seguir adiante.</p><p>Minha mãe compreendia profundamente esse princípio. Minha</p><p>irmã Margaret e eu já éramos idosas quando, um dia, olhamos uma</p><p>para a outra e notamos que ambas fazemos um gesto engraçado com</p><p>a mão quando falamos. Erguemos a mão um pouco à frente com os</p><p>dedos relaxados e a palma para cima e, em seguida, jogamos a mão</p><p>para baixo e para trás, como se estivéssemos liberando pétalas de �or</p><p>numa água que �ui abaixo de nós. Como assim? Quem começou com isso?</p><p>Então nós duas lembramos: a mamãe.</p><p>Ela fazia esse gesto e dizia: “Kutch par wa nay”, ou “Isso não</p><p>importa” em hindustani. Foi assim que nos ensinou a soltar as coisas.</p><p>Para ela, era um movimento natural. Foi o que lhe permitiu passar</p><p>por imensos desa�os sem perder o ânimo; ela liberava o que não</p><p>funcionava, voltava a focar o que era importante para si e seguia em</p><p>frente. Minha mãe nunca era rude ou insensível; era extremamente</p><p>compassiva. Mas também tinha um trabalho importante a</p><p>desempenhar neste mundo, e kutch par wa nay lhe permitia continuar</p><p>a fazê-lo.</p><p>Ao longo da vida, constatei que esse gesto é muito útil. Eu o �z</p><p>durante anos — muito antes de Margaret e eu percebermos o que</p><p>era. Quando percebia algo que não me servia, largava-o, abrindo os</p><p>dedos num movimento �uido que simbolizava liberação. Depois que</p><p>passamos a fazer o gesto de modo consciente, percebo que há um</p><p>grande empoderamento em saber que, sempre que algo vem em</p><p>minha direção, posso escolher se o recebo ou não. Se é algo que não</p><p>quero, conscientemente devolvo essa energia para qualquer que seja</p><p>o lugar de onde veio. Não a seguro. Reconheço que o universo está se</p><p>movendo e a libero como �ores na água.</p><p>Nunca me faltam oportunidades de praticar kutch par wa nay.</p><p>Também gosto de praticar a liberação quando me deparo com</p><p>emoções que preciso sentir e transformar. É particularmente e�ciente</p><p>ao lidar com o arrependimento.</p><p>Eu me arrependi de muitas decisões na vida, o que signi�ca que</p><p>tive muitas oportunidades de aprender a me perdoar. Arrependi-me</p><p>de coisas que disse, de ter magoado pessoas, de escolhas que �z e de</p><p>opiniões que sustentei. Mas me recuso a guardar arrependimentos.</p><p>No curso de um século, meu conhecimento aumentou</p><p>signi�cativamente — assim como espero que o seu tenha aumentado</p><p>e continue aumentando durante sua vida. Minhas opiniões também</p><p>evoluíram. Essa mudança é uma parte natural de estar vivo.</p><p>Há coisas que eu pensava que eram certas e que agora penso que</p><p>são erradas. É verdade; não importa o quanto você seja �rme em suas</p><p>convicções hoje, se viver mais de 100 anos, tenho certeza de que há</p><p>ideias e opiniões das quais passará a discordar mais tarde. Uma das</p><p>questões que mais me a�igiram estava relacionada à minha carreira e</p><p>afetou centenas de mulheres e crianças que estiveram sob meus</p><p>cuidados durante alguns dos momentos mais vulneráveis de suas</p><p>vidas.</p><p>Quando estava sendo treinada para realizar partos, o consenso era</p><p>de que as mulheres deviam ser postas no que era chamado de “estado</p><p>de semiconsciência” para evitar a dor. Assim, a mãe �cava incapaz de</p><p>empurrar o bebê, e o médico o extraía com um fórceps.</p><p>Dei à luz meus dois primeiros �lhos assim. Eu mesma realizei</p><p>muitos partos com um fórceps, e era boa no procedimento. Haviam</p><p>me ensinado que essa forma de trazer uma criança ao mundo era</p><p>uma dádiva depois de as mulheres terem passado séculos condenadas</p><p>à dor excruciante do parto. Na época, parecia uma visão compassiva,</p><p>centrada na mulher, mas agora percebo que é uma maneira brutal —</p><p>e, em grande medida, desnecessária — de receber um bebê no</p><p>mundo.</p><p>Hoje, embora eu apoie mulheres que querem fazer uso de</p><p>medicamentos para aliviar a dor, penso que é errado dizer a elas que</p><p>não vão conseguir realizar o parto sozinhas. Reconheço o poder e a</p><p>importância de passar pelo processo de dar à luz, e quer as mulheres</p><p>acabem tendo um parto com uma grande intervenção, quer não, eu</p><p>nunca sugeriria que devem ser automaticamente medicadas. Também</p><p>entendo que é traumático para um bebê ser puxado para fora pela</p><p>cabeça.</p><p>Em retrospecto, acho que eu poderia me sentir culpada pelos</p><p>partos que realizei com fórceps. Pelo modo como dei à luz meus dois</p><p>primeiros �lhos. Não foi assim que escolhi trazer ao mundo meus</p><p>�lhos que nasceram depois.</p><p>Isso se estende para muito além dos partos; eu poderia me sentir</p><p>culpada pelos alimentos — que na época eu pensava que eram</p><p>saudáveis — que dei a meus �lhos, pelas opiniões que formei e que</p><p>hoje acho chocantes, ou por coisas que disse e que gostaria muito de</p><p>retirar. Mas também poderia simplesmente dizer “Kutch par wa nay” e</p><p>saber que, após me informar melhor, eu mudei meu comportamento.</p><p>Na maioria das vezes, �z o melhor que podia com o que tinha na</p><p>época. Fiz as escolhas que �z com amor, e escolhi viver sem</p><p>arrependimentos. Todo mundo tem arrependimentos — a questão é:</p><p>por quanto tempo devemos guardá-los?</p><p>Quando</p><p>morava em Ohio, trabalhei certa vez com um pai que</p><p>quase matou seu bebê recém-nascido por acidente. Matthew tinha</p><p>cerca de 20 anos, e sua esposa, Connie, era ainda mais jovem. Eu a</p><p>tratara durante a gravidez e sabia que ela estava perto de ter o bebê.</p><p>Mas, como muita gente nas redondezas, ela passou um bom tempo</p><p>em trabalho de parto até me chamar, e levei algum tempo para</p><p>chegar quando o chamado veio.</p><p>Era uma época movimentada. Quando começamos a atender,</p><p>éramos dois de seis clínicos gerais na cidade, mas os outros haviam se</p><p>aposentado, um a um. Então Bill ingressou no serviço militar durante</p><p>a Guerra da Coreia, e �quei sozinha para cuidar de quase 9 mil</p><p>pacientes, além dos quatro �lhos pequenos que eu estava criando.</p><p>Estava tratando outro paciente quando recebi o telefonema, e levei</p><p>uma hora para arrumar as coisas e conseguir chegar à casa de Connie,</p><p>que �cava em uma colina.</p><p>Matthew abriu a porta em pânico.</p><p>— Dra. Gladys, Connie já teve a criança, e ela está sangrando</p><p>muito.</p><p>— Quem está sangrando? — perguntei, pondo às pressas as luvas e</p><p>a touca enquanto corria pelo corredor com uma bolsa. — Connie ou</p><p>o bebê?</p><p>— Os dois — disse ele, pálido —, mas é com o bebê que estou</p><p>preocupado. Cortei o cordão como devia e o sangue está jorrando</p><p>sem parar.</p><p>Abri a porta do quarto aos empurrões e vi Connie branca de medo,</p><p>segurando uma pequena trouxinha nos braços. Havia uma bagunça</p><p>do parto sobre os lençóis, e uma tesoura aberta sobre a mesa de</p><p>cabeceira. Peguei o bebê e vi que a coberta estava manchada de</p><p>vermelho. Ninguém disse uma palavra quando eu a retirei. Ali, a</p><p>barriguinha estava coberta de sangue — jorrando era a palavra certa, já</p><p>que o cordão havia sido cortado rente à pele. O recém-nascido estava</p><p>tão silencioso quanto os pais, o que me gelou até os ossos.</p><p>Normalmente, clampeamos o cordão antes de cortá-lo a 2,5</p><p>centímetros, ou o dobro disso, à frente do umbigo. Isso ajuda a</p><p>artéria umbilical — que até então é responsável pelo suprimento de</p><p>sangue do bebê — a fechar. Durante alguns dias, �ca um toco feio,</p><p>que acaba caindo. Em geral, não há nenhuma necessidade de cortar o</p><p>cordão de imediato. Mas Matthew, cheio de adrenalina depois de</p><p>realizar o parto da �lha e sem instrução sobre o que fazer em seguida,</p><p>pensara no próprio umbigo e cortara o da �lha bem na base.</p><p>Abri a bolsa para pegar meus instrumentos, encontrei um pequeno</p><p>conjunto de pinças chamadas hemostáticas e as mergulhei em</p><p>desinfetante. A bebê perdera muito sangue, e não havia tempo a</p><p>perder. Matthew e Connie se seguraram um no outro, ofegantes,</p><p>enquanto eu me ajoelhei ao lado da cama e cavei a barriga da recém-</p><p>nascida à procura da artéria umbilical. Estava no fundo, e a bebê</p><p>começou a gritar assim que toquei o ferimento. Os berros se</p><p>tornaram desesperados quando o espetei com a pinça. Quando ela</p><p>parou de gritar, �quei ainda mais preocupada. Estava tão fraca devido</p><p>à perda de sangue que já não conseguia chorar. Demorei o que me</p><p>pareceram vários minutos agonizantes para pegar a artéria enquanto</p><p>a bebê gritava e arfava, mas eu a segurei, clampeei e salvei sua vida.</p><p>Mais tarde, Matthew tentou se desculpar, mas eu o interrompi</p><p>assim que ele começou.</p><p>— Matthew, você fez o melhor que podia com as informações que</p><p>tinha — falei com delicadeza, mas com �rmeza. — Não desperdice</p><p>sua energia com isso, sua esposa e sua �lha precisam de você agora.</p><p>Foi um acidente. Você não sabia. Não faz sentido se martirizar por</p><p>algo que você não poderia evitar. — Fiz o gesto com a mão e</p><p>continuei: — Deixe isso para lá. Sua �lha está viva e vai �car bem.</p><p>Deixe isso para lá.</p><p>E eu estava certa. Encontrei a família durante vários anos depois, e</p><p>a menininha estava bem.</p><p>Pensei em Matthew durante anos, aquele pai jovem, assustado, no</p><p>alto da colina, fazendo o parto sozinho. Rezei para que o erro não o</p><p>assombrasse porque acredito no que falei: não faz sentido nos</p><p>martirizarmos por algo que não poderíamos ter evitado. O melhor</p><p>que podemos fazer é liberar e seguir em frente.</p><p>Não sei que erros que você cometeu no passado, mas gostaria de</p><p>sugerir que você também, na maioria das vezes, fez o melhor que</p><p>podia com o que tinha no momento. Se estiver vivendo com um</p><p>arrependimento, tente examiná-lo e descobrir o que está se movendo.</p><p>As coisas acabaram dando certo? Se foi assim, tenha gratidão. Há algo</p><p>engraçado aí? Se houver, ria. Você aprendeu alguma lição? Sim?</p><p>Então aproveite o que sabe agora e expresse como puder! Faça de</p><p>tudo para liberar o arrependimento — perdoe a si mesmo e, se</p><p>necessário, peça perdão aos outros —, assim vai conseguir seguir em</p><p>frente.</p><p>Às vezes, uma simples ação, como dizer “Kutch par wa nay”, faz toda</p><p>a diferença. Mas, de vez em quando, guardamos arrependimento, dor</p><p>ou nos percebemos presos porque, em nosso sistema, há um bloqueio</p><p>que precisamos remover.</p><p>H</p><p>11</p><p>REMOVA O BLOQUEIO</p><p>á momentos na vida e na saúde em que a cura pode ocorrer</p><p>apenas quando um bloqueio é removido. Quase sempre,</p><p>sabemos identi�car quando é o caso: pode ser um certo alimento que</p><p>estamos comendo, um relacionamento em que estamos envolvidos ou</p><p>um padrão em nossa vida que precisa ser removido.</p><p>Na maioria das vezes, o que precisa ser removido é simplesmente</p><p>uma crença. Foi o que aconteceu com uma paciente minha. Shanti</p><p>estava grávida e pretendia ter um parto sem intervenção. Tinha</p><p>experiência em prática espiritual, então meditara e trabalhara</p><p>bastante espiritualmente para se preparar para o parto. O problema</p><p>era que não havia feito nenhum dos exercícios físicos que eu e a</p><p>enfermeira obstétrica, Barbara Brown, havíamos receitado. Quando</p><p>chegou a hora, Shanti chegou a apenas um centímetro de dilatação.</p><p>O colo de seu útero não estava aberto o su�ciente para que ela</p><p>começasse a empurrar o bebê e, depois de muitas horas de</p><p>contrações, temi que estivesse �cando cansada demais para continuar.</p><p>Shanti estava fechada para muitas ideias que havíamos sugerido,</p><p>assim como para intervenções em seu parto. Uma explicação amável</p><p>para esse comportamento é que Shanti era uma pessoa que gostava</p><p>das coisas de seu jeito, sempre. Sua mente não conseguia se abrir,</p><p>assim como o colo de seu útero. Fiquei frustrada, pois queria ajudar,</p><p>então decidi me movimentar. Deixei o quarto por alguns minutos</p><p>para colocar os pensamentos em ordem enquanto Barbara a</p><p>auxiliava. Fiquei andando pela casa para que pudesse socorrer o mais</p><p>rápido possível caso houvesse algum problema, e me perguntei: Onde</p><p>a vida está se movendo? Onde está o �uxo de vida, a parte não estagnada?</p><p>Barbara descobriu o que eu não havia conseguido. Ela se lembrou</p><p>de que Shanti gostava de cantar durante sua prática espiritual, então</p><p>sugeriu que todas começassem a cantar juntas. Ouvi suas vozes desde</p><p>o corredor entoando:</p><p>— Abra lótus, lótus abra. Abra lótus, lótus abra.</p><p>Barbara usou a seu favor uma ideia a que a paciente já estava</p><p>acostumada. Reconheceu o bloqueio: além do trabalho espiritual,</p><p>havia um trabalho físico a ser feito. Então, em vez de focar o que</p><p>estava preso, concentrou-se na energia espiritual, que já �uía. A partir</p><p>daí, o colo do útero de Shanti se abriu. Mas, apesar de estar</p><p>totalmente dilatado, Shanti não queria empurrar o bebê. Barbara</p><p>mudou o canto e começou a entoar “Para baixo e para fora”. Depois</p><p>de alguns empurrões, a criança mostrou o rosto. Logo depois, Shanti</p><p>estava com um bebê saudável nos braços — nascido, como ela queria,</p><p>sem nenhuma intervenção médica.</p><p>Lembre-se: quando estamos presos, precisamos procurar o �o de</p><p>água que �ui através da represa. Para Shanti, tratava-se do trabalho</p><p>espiritual que ela já conhecia e se sentia confortável em fazer. Isso</p><p>permitiu que tudo mudasse. Ela encontrou movimento e conseguiu</p><p>liberar o que a bloqueava.</p><p>Às vezes, o que está nos bloqueando requer que façamos uma</p><p>grande mudança. Depois de anos de luta para que tudo acontecesse</p><p>de seu jeito, minha amiga Elisabeth Kübler-Ross acabou removendo</p><p>seu bloqueio: liberou sua luta e se movimentou livre pelo país.</p><p>Elisabeth e eu nos conhecíamos havia anos, e éramos colegas. Ela</p><p>tinha uma história semelhante à minha. Nascera na</p><p>Suíça e publicara</p><p>uma pesquisa inovadora sobre o luto. Seu best-seller, Sobre a morte e o</p><p>morrer, foi publicado em 1969 e ainda hoje é reimpresso. O livro</p><p>descreve as cinco fases do luto, que Elisabeth explicou como fases não</p><p>consecutivas pelas quais passamos quando sofremos uma perda.</p><p>Nos anos 1980, Elisabeth �cou sensibilizada com as mortes trágicas</p><p>daqueles que haviam contraído Aids durante a “crise da Aids”. Havia</p><p>um grande estigma sobre os infectados, uma vez que muitos eram</p><p>homens gays. No começo do surto, muitas crianças também</p><p>contraíram o vírus, fosse por transfusão de sangue, por nascerem de</p><p>uma mãe HIV-positiva, ou por abuso sexual. Elisabeth queria abrir um</p><p>centro de assistência a crianças com Aids perto da casa que comprara</p><p>numa área rural da Virgínia. Muitos pais haviam abandonado os</p><p>�lhos, e Elisabeth achava aquilo injusto.</p><p>Mas alguns de seus vizinhos eram tão homofóbicos que não</p><p>conseguiam nem sequer ter compaixão por aquelas crianças.</p><p>Achavam que Aids era sinônimo de homossexualidade e temiam que</p><p>pessoas abertamente gays se mudassem para a Virgínia e</p><p>perturbassem a comunidade conservadora que vivia ali. Outros não</p><p>queriam contrair o vírus, e não tinham uma compreensão razoável</p><p>sobre como a infecção se dava. Elisabeth lutou por seu centro de</p><p>assistência e perdeu, mas a comunidade nunca a perdoou por</p><p>completo por ser tão vanguardista.</p><p>Eu me lembro de conversarmos sobre o assunto — ela estava</p><p>furiosa porque a comunidade havia se colocado contra o plano do</p><p>centro de assistência. Estava chateada porque as pessoas eram</p><p>homofóbicas, um preconceito que nunca �zera sentido para</p><p>nenhuma de nós, e achava ainda mais ridículo que esse medo e ódio</p><p>se estendessem a um grupo de crianças doentes que não tinham nada</p><p>a ver com homossexualidade. Mesmo assim, ela queria �car na</p><p>Virgínia; estava determinada a encontrar seu caminho na</p><p>comunidade e até esperava poder ser uma líder para outros</p><p>pensadores progressistas que quisessem se mudar para o estado.</p><p>Então coisas estranhas começaram a acontecer, o que levou</p><p>Elisabeth a achar que alguém estava querendo intimidá-la. Alguns</p><p>anos depois da tentativa de abrir o centro de assistência, seus temores</p><p>se con�rmaram. Primeiro, sua casa e seu escritório foram</p><p>arrombados, e ela encontrou buracos de bala na placa de seu centro</p><p>de ensino. Depois, certa noite, quando Elisabeth estava fora da</p><p>cidade, alguém entrou em sua propriedade, matou sua querida lhama</p><p>de estimação e pôs fogo na casa, da qual não restou nada.</p><p>Elisabeth �cou arrasada. Embora tivesse tentado ignorar a</p><p>hostilidade da comunidade, entendeu que era hora de ir embora.</p><p>Tentar ser ela mesma — realizar workshops sobre o luto e apoiar</p><p>movimentos de justiça social que para ela eram importantes — era</p><p>difícil demais no lugar onde morava. Estava cansada de tentar provar</p><p>que não era tão diferente ou tão assustadora, então vendeu a</p><p>propriedade e se mudou para Scottsdale.</p><p>Penso que seria possível interpretar essa decisão como uma</p><p>resposta trágica à agressão. Mas não foi assim que encarei, e nem a</p><p>própria Elisabeth. Embora estivesse magoada e irada com as pessoas</p><p>que a haviam pressionado a ir embora, ela não havia fugido, mas</p><p>escolhido corajosamente aceitar o momento que perdera tudo como</p><p>um sinal de que existia algo melhor à sua espera. Ela estava viajando</p><p>quando sua casa fora incendiada, então tudo o que restou cabia numa</p><p>única mala. Elisabeth considerou aquela tragédia uma oportunidade</p><p>de recomeçar, de renascer, de fazer o que podia de uma situação</p><p>difícil.</p><p>Às vezes, você se muda para uma cidade e percebe que não é o</p><p>lugar certo. Em outras situações, o trabalho de seus sonhos se revela</p><p>um pesadelo. Às vezes, um relacionamento não pode ser salvo e</p><p>precisa terminar. Essas são grandes decisões na vida, e ninguém pode</p><p>tomá-las em seu lugar. Você é a única pessoa que sabe a diferença</p><p>entre correr de e correr ao encontro de sua vida. A única pessoa que</p><p>pode dizer com certeza se está evitando algo difícil ou simplesmente</p><p>liberando algo que já não está lhe servindo.</p><p>Nos anos que se seguiram à mudança de Elisabeth para Scottsdale,</p><p>nós passamos de colegas a amigas queridas. O incêndio na Virgínia</p><p>nunca foi esclarecido. E, embora esse continuasse sendo um motivo</p><p>de dor para Elisabeth, ela teve uma vida maravilhosa em seus anos no</p><p>Arizona. Tornou-se uma parte vibrante da comunidade e continuou a</p><p>defender pessoas com HIV e Aids. Elisabeth removeu o bloqueio</p><p>fazendo uma mudança, deixando aquilo de lado e seguindo em</p><p>frente.</p><p>Focar a comunidade que ela queria criar foi a chave para o</p><p>processo. Elisabeth havia esperado reunir pessoas com ideias</p><p>progressistas sobre espiritualidade e medicina na Virgínia rural, que a</p><p>fazia se lembrar de sua terra natal na Suíça. Uma comunidade</p><p>semelhante já estava se formando no Arizona. Ao focar a comunidade</p><p>que queria, Elisabeth tornou sua intenção clara e, quando chegou o</p><p>momento de deixar a Virgínia para sempre, ela soube exatamente</p><p>para onde ir.</p><p>Quando estamos presos e algo está nos bloqueando, é</p><p>extremamente útil de�nir o que queremos. Isso nos auxilia a fazer</p><p>nossa energia voltar a �uir e nos ajuda a entender exatamente o que</p><p>está funcionando e o que não está. Com o tempo, mesmo numa</p><p>situação tão violenta e difícil como a de Elisabeth, esse é o tipo de</p><p>movimento que nos liberta.</p><p>Para Elisabeth, a comunidade com a qual ela sonhava foi o que</p><p>começou a formar um �o de água que �uía através da represa.</p><p>N</p><p>12</p><p>ENCONTRE O FIO DE ÁGUA</p><p>o capítulo 9, expliquei que a vida está sempre em movimento —</p><p>há sempre um �o de água atravessando a represa.</p><p>Quando nos concentramos nesse �o, passamos a notar o</p><p>movimento natural da vida. À medida que nos movemos em meio à</p><p>dor, seja física, seja emocional ou espiritual, começamos a relaxar em</p><p>relação à vergonha, talvez até a rir e a liberá-la com tudo o mais que</p><p>não está nos servindo. O �o �ca cada vez maior e acaba rompendo a</p><p>represa que nos bloqueia. O impossível se torna possível, e nos</p><p>erguemos para encontrar nossa força vital de modos que nunca</p><p>havíamos imaginado.</p><p>É o que acontece no luto. O sofrimento de uma perda não é o</p><p>mesmo que depressão — o primeiro se move, enquanto a depressão</p><p>permanece estagnada. Quando deixamos a dor nos mover, não a</p><p>suprimimos, mas focamos o amor em quem ou em que perdemos, e</p><p>deixamos o sofrimento passar por nós. O objetivo não é nos livrarmos</p><p>do luto, apressá-lo ou vivê-lo para sempre. Mas, se o sofrimento da</p><p>perda se separa do princípio do movimento, torna-se um sentimento</p><p>estagnado. Como nos mostra a importante pesquisa de Elisabeth,</p><p>temos que continuar nos movendo entre as fases do luto, permitindo</p><p>que nossa verdade e nossa dor �uam.</p><p>Como podemos ajudar alguém que parece preso no luto? Comece</p><p>criando um espaço seguro e incentivando a pessoa a falar. De vez em</p><p>quando, apenas isso pode desencadear o rompimento da represa.</p><p>Esse foi o caso de Theresa, a paciente que sofria de obstrução</p><p>intestinal que apresentei no capítulo 8. Eu queria saber mais sobre</p><p>todas as perdas recentes em sua vida, então comecei perguntando</p><p>sobre seu processo de luto. Perder cinco membros da família e</p><p>amigos próximos em 12 meses era muita coisa. Qualquer pessoa que</p><p>tivesse passado por essa situação estaria sofrendo. Então, quando ela</p><p>disse “É claro” em resposta à pergunta sobre se ela havia sofrido, eu</p><p>quis saber o que o sofrimento signi�cava para ela.</p><p>— Bem, eu me senti muito triste.</p><p>No entanto dava para ver que isso não era tudo. Eu permaneci</p><p>quieta e ouvindo. Theresa �cou em silêncio por um bom tempo.</p><p>— Mas eu não chorei.</p><p>Pela primeira vez, ela olhou diretamente para mim. Tive a sensação</p><p>de que estava me avaliando para ver se eu era con�ável. Mantive meu</p><p>olhar no dela e tentei passar uma impressão de �rmeza e de</p><p>segurança.</p><p>Ficamos quietas por um tempo — um sinal de que tínhamos todo</p><p>o tempo do mundo.</p><p>De repente, ouvimos sua barriga fazer um ruído. Aquilo subiu por</p><p>sua garganta. Quando chegou à boca, ela lançou para mim um olhar</p><p>de pânico. Então os soluços irromperam de uma só vez, quase como</p><p>se ela estivesse vomitando.</p><p>Eu me aproximei para ampará-la, e ela</p><p>aceitou meu abraço. Ali, ela chorou por muito tempo.</p><p>Enquanto Theresa chorava, pude senti-la liberando a tristeza que</p><p>estava presa dentro dela. Seu corpo inteiro começou a ondular</p><p>enquanto os soluços vinham. Até que algo incomum aconteceu. Ela</p><p>estava triste, sim, mas senti a vida �uindo por seu ser.</p><p>Com o passar do tempo, ela começou a se acalmar, até que se</p><p>recostou no assento. Eu lhe ofereci um lenço, que ela aceitou. Em</p><p>seguida, bebericou um copo d’água por alguns minutos, tremendo de</p><p>leve. O ambiente parecia calmo e potente, como a estranha quietude</p><p>que vem depois de uma monção no Arizona. Nós duas sabíamos que</p><p>algo incrível havia acontecido — algo do qual ela estava precisando</p><p>desesperadamente.</p><p>Depois dessa consulta, a obstrução crônica de Theresa se dissipou</p><p>de imediato. Foi como se, depois de seu estado emocional ter</p><p>mudado, seu corpo conseguisse lidar com o que estava errado sem</p><p>nenhuma ajuda. Ela foi para casa e constatou que sua digestão e</p><p>eliminação haviam voltado ao normal. Ficou claro que primeiro suas</p><p>lágrimas precisaram se mover para que o restante do corpo pudesse</p><p>acompanhar o ritmo.</p><p>Esse caso é um exemplo marcante do que acontece quando</p><p>tentamos impedir o �uxo de vida: primeiro, �camos profundamente</p><p>desconfortáveis, e então começamos a sofrer. Os músculos travam; os</p><p>órgãos interrompem seu funcionamento saudável; e nós adoecemos.</p><p>Nós nos desalinhamos com a vida porque vida é estar em movimento,</p><p>e procuramos �car quietos. Parados, apenas deixamos que a represa</p><p>bloqueie o �uxo de vida dentro de nós.</p><p>E, quando olhamos para a represa, não conseguimos perceber o</p><p>�o de água �uindo.</p><p>Encontre o �o de água. Ou, pelo menos, o ponto em que o �o está</p><p>prestes a se formar. Envolva-o com sua energia. Ponha toda sua força</p><p>vital nessa parte de você que está tentando encontrar um caminho</p><p>para ultrapassar a represa. Acredite. Con�e. Isso é a vida se movendo</p><p>através de você. Enquanto está vivo, sua força vital está �uindo.</p><p>Enquanto você estiver observando o �o de água, ele vai �car mais</p><p>espesso. Sua força vital lhe dirá como fazer isso. Observe-o se tornar</p><p>um riacho. Ponha sua atenção ali até a represa tremer, rachar e se</p><p>romper. Quando acontecer, deixe �uir a gratidão por sua força vital.</p><p>Deixe sua fé em si mesmo correr através de você enquanto sua força</p><p>vital aumenta.</p><p>O que você pode fazer da próxima vez que se sentir preso? Solte as</p><p>coisas e realinhe-se com a vida.</p><p>Prática: Liberando</p><p>1. Este exercício vai funcionar melhor se você se levantar e se mover. Ponha uma música alegre e</p><p>comece a andar pela casa ou pela vizinhança. Deixe seu corpo se mover livre e solto — pode</p><p>até se deixar dançar um pouco.</p><p>2. Enquanto move o corpo, pense no que sente que está preso em sua vida. Pode ser uma</p><p>amizade, uma questão profissional, uma identificação, um modo de pensar, um ressentimento</p><p>etc. Também pode ser algo físico, desde que você não substitua um tratamento médico por</p><p>este exercício; pense numa tosse persistente, numa área de pele seca, ou numa dor crônica</p><p>para a qual não consegue achar uma cura. Permita-se sentir a estagnação, a sensação de estar</p><p>preso em todo seu corpo.</p><p>3. Em seguida, imagine que está agarrando essa coisa com a mão. Feche sua mão. Segure firme.</p><p>Com força.</p><p>4. Ainda se movendo, ponha a mão à frente com a palma para cima e os dedos unidos, depois</p><p>solte-a para baixo e para trás abrindo os dedos de leve. Deixe o peso do braço levar a mão;</p><p>deixe a própria vida se mover. Ao fazer isso, libere o que está preso como se fossem flores</p><p>soltas na água. Realmente libere. Pode pensar em palavras que são significativas para você, ou</p><p>dizer: “Kutch par wa nay.” Qualquer frase semelhante tem o mesmo efeito.</p><p>5. Depois de liberar, tire um momento para apreciar o fluxo de vida movendo-se através de você.</p><p>Isso é sua força vital. Honre-a e preze-a, pois vai acompanhar você durante toda sua vida.</p><p>TERCEIRO SEGREDO</p><p>Amor é o remédio</p><p>mais poderoso</p><p>S</p><p>13</p><p>AMOR E MEDO</p><p>usan, uma jovem professora de ensino primário, era minha</p><p>paciente havia vários anos, quando sofreu um acidente de carro</p><p>gravíssimo. Sua coluna vertebral se quebrou em vários pontos. Foi um</p><p>milagre que ela tenha sobrevivido. Aos 30 e poucos anos, Susan era</p><p>querida por muita gente e tinha um futuro brilhante pela frente, mas</p><p>as sequelas do acidente ameaçavam abreviá-lo.</p><p>Eu sabia que ela estava recebendo uma boa assistência dos médicos</p><p>traumatologistas que a estavam tratando. Mas também sabia que</p><p>precisava de apoio holístico, então fui visitá-la no hospital. Cheguei e</p><p>a encontrei deitada no leito, imobilizada, com o corpo todo</p><p>con�nado a um gesso. As únicas partes que ela conseguia mover eram</p><p>a boca, as sobrancelhas e os olhos. Ela conseguia apenas falar, comer</p><p>e olhar em volta. Os médicos haviam dito que não voltaria a andar.</p><p>Seu irmão, um cirurgião ortopédico, con�rmara o diagnóstico e</p><p>acrescentara que a possibilidade de ela até mesmo se sentar numa</p><p>cadeira de rodas era pequena.</p><p>Quando entrei no quarto, percebi de imediato o sentimento de</p><p>impotência de Susan e da família diante da situação. Como seria</p><p>diferente? Meus olhos percorreram os contornos do gesso que cobria</p><p>todo o corpo dela. Começava embaixo do queixo e se estendia pelos</p><p>braços e pelas pernas. O quarto estava repleto de �ores, cartões e</p><p>desejos de melhoras dos amigos, bem como da turma de alunos para</p><p>a qual ela não poderia mais lecionar. Mas qualquer sentimento de</p><p>alegria parecia forçado. Era inegável que seu estado era terrível e que</p><p>seu espírito, geralmente luminoso, estava sofrendo.</p><p>Ao observar o quarto de hospital estéril, era nítido que a equipe</p><p>médica estava cuidando de suas necessidades físicas. A medicina</p><p>ocidental é muito boa nessa parte, principalmente quando se trata de</p><p>lesões agudas e outras situações de emergência. Os médicos de Susan</p><p>tinham posto seus ossos no lugar e os sustentado com gesso,</p><p>protegendo a coluna frágil para que houvesse uma chance de curá-la.</p><p>Mas �quei em dúvida sobre a sentença que ela recebera e que sugeria</p><p>que retornar a uma existência plenamente funcional era impossível.</p><p>Fiquei ainda mais preocupada por Susan ter ouvido isso do próprio</p><p>irmão, que sem dúvida dera sua melhor opinião médica, mas que era</p><p>quem tinha o maior potencial de in�uenciar os pensamentos dela.</p><p>Entendi a intenção dele: não disfarçar a situação nem dar falsas</p><p>esperanças à irmã. Mas achei difícil acreditar que, de fato, não havia</p><p>nada a ser feito.</p><p>Sim, Susan estava drasticamente machucada. Sim, sua coluna</p><p>passara por um trauma extremo. Sim, ela estava numa situação</p><p>precária. Mas não, eu não achava que era hora de declará-la</p><p>incurável. Era jovem e vibrante, cheia de força vital. Como</p><p>poderíamos canalizar isso para curá-la, mesmo naquelas</p><p>circunstâncias de desespero?</p><p>Puxei uma cadeira para seu lado. Primeiro, �quei sentada em</p><p>silêncio com ela, sentindo seu medo e sua tristeza sem afastá-los.</p><p>Susan falou um pouco, e eu escutei, abrindo um espaço seguro para</p><p>ela contar seu trauma e terror. Sabia que ela con�ava em mim, então</p><p>recebi suas preocupações com grande amor. Como outros haviam</p><p>feito, lembrei-lhe o quanto ela era querida e como sua vida era</p><p>importante para muitas pessoas.</p><p>Então, quando o momento certo chegou, perguntei:</p><p>— Você acha que eu posso ajudar de alguma forma?</p><p>Com essa pergunta simples, lembrei a Susan que ela tinha um</p><p>papel em sua cura. Essa foi minha primeira tentativa de fazê-la sair do</p><p>medo e voltar para o amor que estava esperando por ela.</p><p>Para desvendar o que aconteceu em seguida, primeiro temos que</p><p>entender a relação entre amor e medo. É provável que pouquíssimas</p><p>pessoas que estão lendo isto vão um dia experienciar uma situação tão</p><p>precária quanto a de Susan depois do acidente. Mas muitos de nós já</p><p>nos sentimos como ela devia estar se sentindo na cama do hospital:</p><p>impotente e apavorada. O que podemos fazer quando parece que</p><p>tudo está contra nós? Qual é a resposta certa quando sentimos que</p><p>não podemos fazer nada para mudar nossa circunstância? Quando</p><p>nos sentimos impotentes?</p><p>Quando recebemos</p><p>adoeça. Mas o objetivo maior é cultivar um</p><p>ambiente saudável — o corpo — em que a alma possa realizar seu</p><p>propósito.</p><p>Cada um de nós chegou aqui com um propósito. E, para mim, a</p><p>verdadeira saúde não tem nada a ver com diagnosticar uma doença</p><p>ou prolongar a vida sem nenhum objetivo além desse; é descobrir</p><p>quem somos, prestar atenção em como somos chamados a crescer e a</p><p>mudar, e escutar o que faz nosso coração bater mais forte.</p><p>Essa perspectiva re�ete minha �loso�a mais ampla: a de que cada</p><p>indivíduo é parte de um todo maior. Assim como as células do corpo</p><p>trabalham juntas para sustentar a vida, tudo que é vivo trabalha junto</p><p>para criar o universo que habitamos. Cada um de nós é, portanto,</p><p>único e essencial.</p><p>Para compreender essa visão mais ampla e mais completa de</p><p>doença e cura — e da própria vida —, precisamos entender como o</p><p>bem-estar funciona de fato. Ao contrário do que a comunidade</p><p>médica acredita, médicos não curam pacientes; apenas os pacientes</p><p>podem se curar. Como médicos, combinamos habilidades,</p><p>conhecimento e inventividade para tratar os pacientes. Nós nos</p><p>importamos profundamente com as pessoas e canalizamos essa</p><p>compaixão para nossa pro�ssão. Esse é nosso papel sagrado na Terra.</p><p>Mas, no �m das contas, os melhores médicos sabem que a cura vem</p><p>de dentro.</p><p>Essa pode ser uma admissão surpreendente vindo de uma médica.</p><p>Mas não sou nem um pouco alheia a visões alternativas sobre o que é</p><p>a saúde. Sou �lha de médicos osteopatas — minha mãe foi uma das</p><p>primeiras mulheres doutoras em osteopatia e meu pai era doutor em</p><p>osteopatia e medicina. Eles me criaram na Índia, onde fui exposta a</p><p>uma série de experiências mais ampla do que a da maioria dos</p><p>colegas com os quais treinei na escola de medicina. A partir dos anos</p><p>1950, junto a meu marido, o dr. Bill McGarey, comecei a pesquisar e</p><p>discutir ideias que na época eram avançadas: a noção de que somos</p><p>almas tendo uma experiência humana, de que alguma parte de nós</p><p>está interconectada com outras pessoas e de que chegamos aqui como</p><p>parte de uma missão pessoal e coletiva de crescimento e cura. Bill e</p><p>eu participamos da pequena equipe que cofundou a American</p><p>Holistic Medical Association em 1978 com o objetivo de trazer uma</p><p>compreensão holística — que une corpo, mente e espírito — para a</p><p>medicina ocidental moderna. Eu me dedico a essa missão desde</p><p>então.</p><p>É importante a�rmar logo de início que a medicina holística não é</p><p>necessariamente o que chamamos de medicina alternativa; ela</p><p>incorpora uma variedade de modalidades de cura, inclusive os</p><p>tratamentos alopáticos que muitos conhecem como medicina</p><p>moderna ou medicina ocidental.</p><p>O termo medicina holística se refere não à estratégia, mas à</p><p>abordagem. Consiste em tratar o paciente inteiro, não apenas a</p><p>doença. Em ver cada indivíduo como um ser completo e complexo,</p><p>com um conjunto único de características físicas, psicológicas e</p><p>espirituais, bem como um conjunto pessoal de objetivos a realizar em</p><p>seu tempo de vida. A palavra holística [holistic] combina todo [whole] e</p><p>sagrado [holy], não num sentido especi�camente religioso, mas de um</p><p>modo que respeita a perfeição de cada alma humana e encara o</p><p>corpo como um instrumento que ajuda a alma em suas tarefas.</p><p>Doenças e sintomas — desde as dores mais simples até o câncer</p><p>metastático — também fazem parte desse projeto perfeito, e nos</p><p>mostram onde o corpo está ferido e o ponto especí�co que a alma</p><p>precisa trabalhar em seguida.</p><p>É por isso que, quando uma pessoa chega com uma dor de cabeça,</p><p>é possível que eu lhe pergunte sobre seus sonhos, ou quando está</p><p>com uma doença crônica, podemos passar a sessão falando sobre sua</p><p>infância. Essa é a razão pela qual muitos de meus pacientes não me</p><p>procuram para discutir apenas desa�os físicos, mas também</p><p>emocionais e espirituais. Cada um de nós é um ecossistema complexo</p><p>de pensamentos, sentimentos, crenças e sensações, e tudo isso tem</p><p>um papel em nosso estado de saúde. Não estou interessada apenas em</p><p>aliviar os sintomas de meus pacientes, mas em ajudá-los a encarar as</p><p>a�ições presentes no contexto da jornada maior que suas almas estão</p><p>empreendendo.</p><p>Os desa�os da vida nos apontam a parte de nossa alma que está</p><p>pronta para se transformar. Como um obstáculo incontornável, o</p><p>sofrimento chama nossa atenção como uma sirene estridente. Ele</p><p>grita: “Acorde! Preste atenção! Você tem um trabalho a fazer!” É claro</p><p>que cada um de nós pode, e deve, se esforçar para evitar o</p><p>sofrimento. Mas quando abordamos o que nos faz sofrer com</p><p>curiosidade, perguntando-nos o que isso pode nos ensinar, os</p><p>momentos difíceis da vida ganham um novo signi�cado. Isso vale para</p><p>qualquer tipo de sofrimento — físico, emocional e espiritual.</p><p>Quando um médico holístico a�rma que a mente pode in�uenciar</p><p>o corpo, algumas pessoas se preocupam que estejamos dizendo que o</p><p>paciente provocou a própria doença. Outros, ao escutar que podemos</p><p>aprender com o sofrimento, chegam à conclusão de que o</p><p>merecemos. Entendo que seja possível interpretar mal essa</p><p>abordagem, então quero esclarecer: não estou incentivando o</p><p>martírio ou sugerindo que o sofrimento é merecido. Também não</p><p>estou sugerindo que mudar sua perspectiva é a única parte do</p><p>processo. Quando se tem um osso quebrado, talvez seja necessário</p><p>recompô-lo; quando a sociedade tem um grande problema, talvez seja</p><p>necessário extirpá-lo. Mas, mesmo que trabalhemos para atender às</p><p>realidades físicas de nossos corpos e do mundo, algum grau de</p><p>sofrimento é inevitável, então é positivo que o usemos para seguir em</p><p>frente.</p><p>É por isso que, embora esteja relacionado aos desa�os que</p><p>enfrentamos, o bem-estar não é de todo governado por eles. Muitas</p><p>pessoas vivem com doenças e até grandes dores enquanto</p><p>permanecem alegres e conectadas a seu propósito. Outras estão livres</p><p>de doenças e acordam desejando não estar vivas. Ter saúde não</p><p>implica que vivamos num corpo sem problemas, assim como a</p><p>felicidade não implica que tenhamos uma vida sem problemas. Saúde</p><p>e felicidade consistem em estarmos tão conectados à nossa força vital</p><p>que sentimos que nos encaixamos no mundo à nossa volta.</p><p>A verdadeira saúde consiste em viver com o mundo à nossa volta</p><p>como uma experiência empenhada e participativa. Consiste em</p><p>cooperar com a força vital dentro de nós: a vontade e o desejo de</p><p>estar presente e de compartilhar nossos dons com o mundo. A</p><p>disposição para isso se torna nosso senso de propósito e, quando nós</p><p>o temos, nossa alma pode ser saudável em qualquer estado.</p><p>Neste livro, vou guiar você no caminho para encontrar e ativar sua</p><p>cura e seu aprendizado ao longo da vida, para que possa viver cada</p><p>dia em sua plenitude. Também vou compartilhar os seis segredos</p><p>profundos que podem ajudar no processo que chamo de olhar para a</p><p>vida. No entanto, é você quem está no comando desse processo. Você</p><p>é quem está vivendo sua vida e, no �m, é só você quem pode curá-la</p><p>de fato. Suas saúde e vitalidade — e, sim, seu propósito e sua</p><p>felicidade — dependem da criação de uma relação médico-paciente</p><p>consigo mesmo, em que você escuta atentamente aquilo que alimenta</p><p>seu interior e lhe traz alegria, bem como receita, para si mesmo, a</p><p>cura de que mais precisa.</p><p>Se eu pudesse resumir o trabalho de minha vida — e o propósito</p><p>deste livro — em uma frase, seria: Para estarmos verdadeiramente</p><p>vivos, precisamos encontrar a força vital dentro de nós e direcionar</p><p>nossa energia para isso. Adotar essa abordagem muda nossa</p><p>orientação e somos chamados a enfrentar tudo na vida e a nos</p><p>envolvermos com ela. Você pode estar pensando: Eu me envolvo com</p><p>minha vida! A�nal, estou vivendo! Mas estou me referindo a um</p><p>envolvimento alegre e participativo, em que cada respiração e cada</p><p>momento contam. Estou falando de dançar em passo duplo com a</p><p>vida, e encontrar a disposição e a positividade para continuar</p><p>dançando sem se importar com o que aconteça ao longo do caminho.</p><p>Quando a vida �ca difícil, não �camos desanimados, mas curiosos e</p><p>ávidos para nos envolvermos ainda mais. Mesmo diante do desa�o</p><p>mais tenebroso, ainda temos acesso ao sentimento de gratidão.</p><p>Ao longo destas páginas, vou apresentar</p><p>uma notícia “ruim”, o medo é uma resposta</p><p>natural. As coisas não estão indo bem no aqui e agora. Não apenas</p><p>isso, mas muitas vezes nos perguntamos o quanto vai piorar. O medo</p><p>é compreensível; mas, se �camos nesse medo, ignoramos quase tudo</p><p>que pode nos ajudar a resolver a situação. O medo destrói o bom</p><p>senso, o que torna impossível ver as coisas claramente.</p><p>É por isso que parte de nosso propósito de vida coletivo é aprender</p><p>a passar pelo medo para chegar ao amor. Quando conseguimos, não</p><p>apenas ativamos o sumo, como ajudamos outros a fazer o mesmo.</p><p>Uma pessoa sem medo é uma inspiração para todos ao redor. Não</p><p>estou falando necessariamente de uma pessoa audaciosa, mas de uma</p><p>pessoa que encara a vida com o coração aberto. Esse tipo de gente</p><p>inspira os outros porque a superação do medo nos reconecta com o</p><p>amor.</p><p>É comum que a medicina subestime o poder do amor. Estas</p><p>palavras são tão usadas que soam até um pouco sentimentalistas: o</p><p>poder do amor. O amor é algo difícil de descrever. Não é possível</p><p>explicá-lo a alguém que não o experimentou, assim como não é</p><p>possível explicar a cor verde a uma pessoa que nasceu sem a visão.</p><p>Mas espero que você tenha experimentado o amor em sua vida e</p><p>tenha vislumbrado seu poder. Espero que tenha tido a chance de</p><p>saber como o amor arrebata e muda tudo, predominando sobre</p><p>qualquer coisa. Isso não é sentimentalismo. O amor é, de fato, o</p><p>maior remédio que o mundo já conheceu. Leva a vida de um estado</p><p>passivo (estar vivo) a um estado ativo (estar vivendo). É por esse</p><p>motivo que meu terceiro segredo é: amor é o remédio mais poderoso.</p><p>Nossa força vital é ativada pelo amor.</p><p>O amor tem a rara capacidade de transformar tudo o que toca. Faz</p><p>o parto deixar de ser um esforço penoso para se tornar uma</p><p>felicidade. Faz uma risada deixar de ser uma crueldade para se tornar</p><p>uma alegria. Faz a escuta deixar de ser um som vazio para se tornar</p><p>uma mensagem. Quando há amor, tudo é possível.</p><p>Para trabalhar com o amor, precisamos primeiro entender sua</p><p>relação com o medo.</p><p>Quando o medo entra, o amor sai — e vice-versa. O �lho pequeno</p><p>de minha amiga Cecile tinha medo de água. Possuía uma tendência</p><p>de inalá-la pelo nariz, e passara a ter horror de entrar na água e</p><p>nadar. Dizia à mãe que a água entraria por seu nariz e ele não</p><p>conseguiria respirar.</p><p>Cecile não sabia o que fazer, então entrou em contato com um</p><p>instrutor de natação especializado nesse tipo de trauma. O instrutor</p><p>resolveu o problema numa única aula ao ensinar a criança a zumbir</p><p>embaixo d’água.</p><p>— É uma �loso�a tão simples — re�etiu Cecile ao se sentar à</p><p>minha frente no sofá da sala. — Quando ele solta o ar pelo nariz, não</p><p>consegue inalar água. Quando perde o fôlego, sabe que tem que ir</p><p>para a superfície.</p><p>Por um lado, a criança estava certa: quando inalamos água, não</p><p>conseguimos respirar. Por outro lado, a respiração é o que mantém a</p><p>água fora. Se desenvolvemos o hábito de inalar água, soltar o ar é a</p><p>solução perfeita.</p><p>É assim que o amor e o medo funcionam. O amor dissipa o medo,</p><p>mas também é bloqueado por ele. Quase sempre, os dois se impõem</p><p>ao mesmo tempo porque estão sempre num jogo de cabo de guerra.</p><p>Se sentimos muito medo, praticar o amor é uma solução sábia. Essa</p><p>prática nos leva longe porque o amor é in�nitamente mais forte do</p><p>que o medo — sempre. Assim como o corpo nasce para respirar, nós</p><p>nascemos para o amor. É por isso que, embora seja bom lidar com o</p><p>medo, é ainda melhor focar o amor. Qualquer esforço para praticar o</p><p>amor se autoperpetua, trazendo alegria, saúde e bem-estar para nossa</p><p>vida.</p><p>Existe outra boa metáfora para explicar esse conceito. Décadas</p><p>atrás, Bill e eu levamos nossos �lhos às Cavernas de Carlsbad, no sul</p><p>do Novo México. Esse conjunto de cavernas �ca bem abaixo do</p><p>deserto. Enquanto o calor arde na superfície, o frio do interior é</p><p>impressionante — desconfortável até. A escuridão é total. Ali</p><p>embaixo, é como se estivéssemos presenciando a noite mais escura.</p><p>Durante a visita, o guia nos pediu para desligar as lanternas, o que</p><p>nos deixou animados. Uma a uma, as luzes se apagaram e a escuridão</p><p>tomou conta do ambiente. De repente, nossos sentidos se aguçaram</p><p>— dava para ouvir a respiração de todos, e as crianças riam nervosas.</p><p>Vozes ecoavam pelo espaço imenso.</p><p>Então o guia acendeu um fósforo. A chama se concentrou por mais</p><p>ou menos 2 centímetros acima do palito, mas �camos admirados</p><p>quando o brilho iluminou toda a caverna.</p><p>Muitas pessoas, como Gandhi, Anne Frank e Martin Luther King</p><p>Jr., comentaram sobre o poder da luz de dominar a escuridão. Há</p><p>uma razão para tanta gente usar essa imagem: ela ilustra um</p><p>fenômeno extraordinário e real. Como minha família e eu</p><p>testemunhamos, não é preciso muito. Não importa o tamanho da</p><p>escuridão, a luz a domina. Espalha-se por todo o espaço. A escuridão</p><p>não consegue persistir na presença de algo tão forte.</p><p>Quando estamos diante do escuro e da luz, ou quando inalamos e</p><p>exalamos, podemos focalizar um ou outro, a depender do momento.</p><p>Isso signi�ca que, ao longo da vida, estamos fundamentalmente</p><p>diante de uma escolha: vamos direcionar nossa atenção para o amor</p><p>ou para o medo?</p><p>A</p><p>14</p><p>ESCOLHAS</p><p>o longo dos anos em que venho defendendo a medicina</p><p>holística, constatei que a ideia da escolha é uma das mais difíceis</p><p>de explicar. Trata-se de saber que sempre há algo que podemos fazer,</p><p>mesmo quando enfrentamos os maiores desa�os. Nos piores casos, a</p><p>escolha pode parecer uma culpa. Você pode pensar Eu não escolhi</p><p>receber este diagnóstico! ou Meu amor não escolheu perder o emprego, e é</p><p>verdade. É exatamente esse o caso. Eu não me considero a causa de</p><p>muitas situações difíceis que vivi até hoje. Também não sou a causa</p><p>dos desa�os de saúde que enfrentei — raquitismo, hepatite malárica,</p><p>pedras nos rins e câncer (duas vezes). O fato de termos escolha não</p><p>signi�ca que as coisas ruins que acontecem são nossa culpa. Mas</p><p>quando enfrentei cada um desses desa�os, tive a oportunidade de</p><p>escolher o que faria e como reagiria. Mesmo quando estamos</p><p>perdidos no escuro, todos nós podemos escolher como forjar o</p><p>caminho à frente. Por esse ângulo, a escolha nos dá poder, nos</p><p>levanta, e não nos arrasta para baixo.</p><p>Até certo nível, fazemos escolhas automaticamente. É comum que</p><p>acabemos escolhendo o medo, mesmo sem querer. Muitas pessoas</p><p>passaram por traumas, cujos eventos dolorosos não estavam sob seu</p><p>controle, e não querem se sentir culpadas pelo sofrimento que</p><p>experimentam como resultado. Eu, sem dúvida, não tenho nenhuma</p><p>intenção de culpá-las por isso.</p><p>No entanto, em algum nível o sofrimento está, de fato, sob nosso</p><p>controle. Quando acontecem coisas terríveis que não controlamos, é</p><p>natural sermos tomados pelo medo — mas por quanto tempo</p><p>permanecemos nesse estado é, na verdade, algo que depende de nós.</p><p>Alguns aspectos do que fazemos com os traumas, de como seguimos</p><p>em frente e do que criamos em nossa vida nos anos e décadas</p><p>seguintes cabe a nós decidir. Isso inclui re�etir se precisamos fazer</p><p>terapia ou se vamos processar os acontecimentos de alguma outra</p><p>maneira. Em todos os casos, podemos decidir conscientemente o</p><p>quanto vamos focar o medo e o quanto vamos focar o amor.</p><p>Mesmo ao realizar uma escolha, nossas reações automáticas</p><p>tendem a nos in�uenciar. Pouco depois de nos mudarmos para o</p><p>Arizona, em 1955, Bill e eu conhecemos um psicólogo chamado</p><p>Milton Erickson numa conferência médica. Milton tinha uns 20 anos</p><p>a mais que nós e compartilhava parte de nosso interesse em uma área</p><p>da medicina moderna ainda não explorada de modo amplo: o papel</p><p>do inconsciente.</p><p>A mente consciente armazena informações a que temos acesso a</p><p>qualquer momento. O subconsciente expande o consciente para</p><p>incluir aquilo que podemos pensar, imaginar ou lembrar quando nos</p><p>concentramos. Mas o inconsciente inclui todo o resto: suposições,</p><p>crenças e fatos que esquecemos que vivemos, o que provoca reações</p><p>automáticas que não conseguimos explicar direito.</p><p>Milton estava particularmente interessado em como a hipnose</p><p>poderia ser aplicada num ambiente clínico para realizar mudanças no</p><p>inconsciente que afetariam a vida</p><p>cotidiana dos pacientes. Embora</p><p>fosse possível direcionar o consciente e o subconsciente por meio da</p><p>vontade, se o inconsciente permanecesse o mesmo, acreditava ele,</p><p>qualquer progresso feito em terapia ou psiquiatria teria apenas um</p><p>efeito limitado porque as pessoas tendiam a retornar a seus antigos</p><p>padrões de comportamento.</p><p>Milton e Bill criaram um grupo de discussão que se reunia toda</p><p>terça-feira à noite em nossa sala de estar. Foi um de nossos primeiros</p><p>atos de conexão na comunidade médica do Arizona. Assim como nós,</p><p>Milton acreditava que os pacientes podiam exercer um papel ativo em</p><p>sua cura — nesse caso, direcionando a intenção para as crenças</p><p>inconscientes e para os eventos dolorosos que haviam contribuído</p><p>para tais. Mais tarde, as �loso�as de Milton seriam o fundamento para</p><p>uma variedade de metodologias, como teoria de sistemas familiares e</p><p>programação neurolinguística, e os pro�ssionais que promoveram as</p><p>teorias de Milton depois de sua morte passariam a ser chamados de</p><p>“ericksonianos”. Mesmo nos primórdios de seu estudo, Milton</p><p>acreditava �rmemente que quase tudo que acontecera no passado</p><p>podia ser curado, mas esse processo começava apenas quando a</p><p>mente consciente era direcionada a fazer uma mudança.</p><p>Entender que, no �m das contas, nós somos os responsáveis por</p><p>escolher nos ajuda a localizar e direcionar nossa força vital em</p><p>momentos de grande medo, pois com frequência esquecemos o</p><p>poder que temos em mãos. Quando enfrentamos um desa�o de</p><p>saúde, esquecemos de dizer: “Olá, querido corpo. Do que você</p><p>precisa?” Quando nos deparamos com a perda e a incerteza ao longo</p><p>da vida, esquecemos de nos fazer a pergunta: “O que vou fazer com</p><p>isso?” Essas perguntas têm um poder transformador. Ativam a</p><p>curiosidade, que atravessa o medo e dissipa a ideia de que somos</p><p>impotentes; nos reconectam com a força vital em nosso interior —</p><p>uma força que, em essência, é amor.</p><p>O amor tem a capacidade de curar nosso corpo e coração. Como o</p><p>corpo, o coração também se cura naturalmente. Muitos de nós</p><p>conhecemos pessoas que passaram por um grande trauma emocional</p><p>e se curaram, e suas histórias podem servir de inspiração para nos</p><p>curarmos. Este livro está repleto de histórias desse tipo, e é provável</p><p>que você também tenha as suas.</p><p>Por exemplo, pense na dra. Elisabeth Kübler-Ross, cuja história</p><p>contei no capítulo 11. Ela estava enfurecida com as pessoas de sua</p><p>cidade que iam contra a criação de seu centro de assistência e a</p><p>afastavam da comunidade — e isso foi antes de matarem sua lhama e</p><p>incendiarem sua casa! Elisabeth foi vítima de um crime pelo qual</p><p>ninguém jamais foi responsabilizado e precisou de ajuda para superar</p><p>o trauma que aquilo lhe in�igiu. Mas ela se permitiu dizer “Kutch par</p><p>wa nay” para o que não podia controlar e seguir em frente. Foi uma</p><p>escolha. Ela amava a si mesma e à vida, e escolheu isso, em vez do</p><p>medo, da raiva e da dor que estava sentindo.</p><p>Cada uma das histórias deste livro envolve uma escolha como essa.</p><p>Para olharmos para a vida, precisamos entender que sempre temos</p><p>uma alternativa. Cada segundo da vida oferece uma oportunidade.</p><p>Quando aceitamos isso de coração, podemos acessar o amor que está</p><p>esperando por nós. É por esse motivo que a escolha é nosso primeiro</p><p>ato de amor-próprio. Todo amor se baseia em amor-próprio.</p><p>Como encontrar a coragem para escolher o amor diante do medo?</p><p>Como a história de Elisabeth nos revela, começamos com o amor-</p><p>próprio.</p><p>A</p><p>15</p><p>A IMPORTÂNCIA DO AMOR-</p><p>PRÓPRIO</p><p>cho que há mais ou menos 50 anos, quando comecei a falar</p><p>sobre o assunto, o amor-próprio era uma ideia mais</p><p>revolucionária. Hoje, é uma palavra mais comum em nosso</p><p>vocabulário coletivo. Mas uma coisa é conhecer o termo, e outra é</p><p>realmente vivê-lo.</p><p>É apenas quando sabemos que somos dignos de amor que nos</p><p>tornamos capazes de amar. Só podemos amar alguém quando</p><p>acreditamos que podemos ser amados. É por isso que essa é a</p><p>primeira ideia que precisamos trabalhar após escolhermos o amor, e</p><p>não o medo. Mas o que nos impede de saber que somos dignos de</p><p>amor?</p><p>Em alguns casos, somos impedidos por crenças inconscientes.</p><p>Muitos de nós, inclusive eu, fomos criados com crenças religiosas que</p><p>confundem amor-próprio com orgulho. Não nos abrimos para o amor</p><p>porque pensamos que não o merecemos ou que aceitá-lo é, de algum</p><p>modo, imoral. Você já deve ter ouvido o provérbio “O orgulho</p><p>precede a queda”, que geralmente é mal compreendido. O orgulho</p><p>construído por meio de falsas pretensões, como pensar que somos</p><p>melhores ou mais importantes que os outros ou que nossa</p><p>contribuição para o mundo é mais valiosa, sem dúvida nos leva a cair.</p><p>Mas amor-próprio não é nada parecido com orgulho. Trata-se de</p><p>gratidão pela vida que recebemos. Quando nos recusamos a amar a</p><p>nós mesmos, nos fechamos ao amor dos outros também. Receber</p><p>amor exige que derrubemos essas crenças, uma a uma.</p><p>O amor-próprio é a base de todo amor — que damos e que</p><p>recebemos. É crucial. Embora a maioria de meus pacientes a�rme</p><p>que entende isso, quando começo a questioná-los, �ca evidente que,</p><p>no fundo, muitos não têm muita certeza de que são dignos do</p><p>próprio amor. Muita gente alimenta crenças inconscientes baseadas</p><p>em experiências passadas que se sobrepõem a seus pensamentos</p><p>conscientes. É por esse motivo que precisamos direcionar</p><p>conscientemente o amor para nós mesmos.</p><p>Tire um momento para perguntar a si mesmo: Eu realmente acredito</p><p>que sou digno do amor que dou aos outros? Acredito que meu corpo, com todas</p><p>as suas imperfeições, é digno de amor? Acredito que minha alma é digna de</p><p>amor, embora eu tenha cometido muitos erros ao longo da vida? Eu respeito a</p><p>mim mesmo, admiro a mim mesmo, honro a mim mesmo, con�o em mim</p><p>mesmo?</p><p>Se sua resposta não foi tão convincente quanto você esperava, não</p><p>se preocupe. Nunca é tarde para trabalhar o amor-próprio. Passei a</p><p>vida aprendendo e ainda estou me aprimorando. Sempre que surge</p><p>uma di�culdade, sinto que encontrei uma chance de fortalecer o</p><p>amor-próprio por meio da prática. Tive mais uma oportunidade por</p><p>volta dos 90 anos, quando recebi um diagnóstico de câncer de mama.</p><p>Eu já enfrentara um câncer em 1961. Na época, Bill e eu estávamos</p><p>começando a ganhar notoriedade por nosso trabalho na medicina</p><p>holística, quando um tumor no formato de um ovo começou a</p><p>crescer em minha tireoide. Semanas depois do primeiro diagnóstico,</p><p>o tumor crescera mais de 2 centímetros. Meu �lho mais velho era</p><p>adolescente, e o mais novo tinha apenas um ano. Eu não sabia se</p><p>tentava um tratamento alopático ou curá-lo naturalmente, então pedi</p><p>um sonho que me ajudasse a tomar a decisão.</p><p>Não demorou para que eu sonhasse com as plantas que podiam</p><p>me ajudar: aloé, ocotillo e cinzas de madeira de álamo. Tive a bênção</p><p>de contar com uma forte rede de apoio, então reduzi os</p><p>compromissos de minha agenda movimentada e iniciei um regime de</p><p>jejum intensivo apoiado por meditação e preces. Tratei-me todos os</p><p>dias com as plantas de meus sonhos. Depois de vários meses, o tumor</p><p>encolheu e, por �m, desapareceu.</p><p>Minha decisão de curar o tumor naturalmente se espalhou pela</p><p>comunidade de saúde holística, que crescia cada vez mais. As pessoas</p><p>�caram maravilhadas com aquele milagre. Como líder em saúde</p><p>natural e médica, achei importante demonstrar eu mesma o que é</p><p>possível.</p><p>Quando foi identi�cado um tumor em meu seio, cinco décadas</p><p>depois, perguntei-me se deveria tentar curá-lo da mesma maneira.</p><p>Mas minha vida mudara radicalmente desde aquela época. Meu corpo</p><p>estava muito mais velho. Seria mais difícil aguentar o jejum intensivo</p><p>que eu �zera em 1961. Ao mesmo tempo, os tratamentos ocidentais</p><p>haviam avançado signi�cativamente — em particular para meu tipo</p><p>de tumor. Eu tinha opções que, embora ainda invasivas, eram muito</p><p>mais suaves e mais bem direcionadas. E, o mais importante, eu estava</p><p>me dedicando ao máximo a muitos outros projetos que estavam</p><p>usando minha força vital e me dando sumo.</p><p>Embora eu não estivesse fechada à ideia de curar o tumor</p><p>naturalmente, sabia que um tratamento assim exigiria extremo</p><p>esforço. Não sentia o mesmo chamado para tornar minha</p><p>cura</p><p>pública e compartilhar o milagre com outros; dessa vez, parecia muito</p><p>mais pessoal. Não estava terrivelmente amedrontada, mas tinha</p><p>consciência de que, quanto mais rápido decidisse, mais chances de</p><p>superar o tumor eu teria. Pedi orientação e minhas re�exões e sonhos</p><p>apoiaram minhas suspeitas: naquele momento, e com aquele tumor</p><p>em particular, uma abordagem ocidental era a escolha certa para</p><p>mim.</p><p>Essa escolha não signi�cou, porém, que eu não precisava participar</p><p>de minha cura. Junto a um oncologista e um cirurgião, trabalhei para</p><p>remover o tumor. Eles eram encarregados da radiologia e da</p><p>lumpectomia, e eu de aspirar a saúde e amar a mim mesma.</p><p>Lembrei-me do que dissera certa vez a um paciente sobre cirurgia:</p><p>quando um jardineiro realiza uma poda, tira as partes que não estão</p><p>mais contribuindo para a vida da planta. Essas partes cumpriram seu</p><p>propósito e devem ser descartadas. Eu precisava fazer o mesmo com o</p><p>tumor. Amava demais a mim mesma, a meu corpo e a minha vida para</p><p>deixá-lo sugar mais de minha força vital. Assim como na primeira luta</p><p>contra o câncer, me concentrei nesse amor e me recusei a me deixar</p><p>levar pelo medo.</p><p>Nas semanas que antecederam a cirurgia, comecei a conversar com</p><p>o caroço. Imaginei-o como uma malinha bonita de mão. Disse:</p><p>“Querido, vamos fazer uma reunião de família. Se houver outras</p><p>células de câncer em meu corpo, chame-as e diga para entrarem na</p><p>mala e embarcarem na viagem.” Quando chegou a hora, fui para a</p><p>cirurgia com alegria, sabendo que meu corpo �caria mais saudável</p><p>após a remoção do tumor. Usei uma abordagem semelhante para a</p><p>radioterapia, optando por encará-la como um procedimento trivial,</p><p>como cortar as unhas do pé — havia células das quais eu não</p><p>precisava mais, e eu estava fazendo o que precisava para me livrar</p><p>delas. Não sentia raiva nem medo, era apenas que aquelas células já</p><p>não estavam servindo ao meu bem-estar.</p><p>O tratamento funcionou, e minha segunda jornada com o câncer</p><p>foi tão breve quanto a primeira. Não tenho dúvida de que os</p><p>tratamentos alopáticos que escolhi foram um passo importante para a</p><p>cura. Também tenho certeza de que o modo como decidi encarar</p><p>esses tratamentos e a visualização da mala foram igualmente</p><p>importantes. Tomei a decisão com amor e a apoiei com mais amor</p><p>ainda. Claro, havia medo, mas me recusei a alimentá-lo. Também me</p><p>recusei a rejeitar meu corpo por causa de algumas células que</p><p>estavam se multiplicando. Sentia tanto orgulho de meu corpo na</p><p>época quanto sinto hoje. Meu corpo é incrível! Amo tudo que ele fez</p><p>e tudo que ainda vai fazer.</p><p>Sempre que meus pacientes ou entes queridos estão diante de um</p><p>diagnóstico desa�ador como esse, eu os incentivo a continuar</p><p>amando seus corpos. Também os aconselho a visualizar a cura,</p><p>criando suas próprias imagens, como minha mala de mão.</p><p>Algumas pessoas acham difícil criar uma imagem. Querem que eu</p><p>invente uma para elas ou sugira um modo correto de fazer isso. É</p><p>preciso muita con�ança para acreditar que a imagem que</p><p>encontramos vai funcionar, e aqueles que são limitados em amor-</p><p>próprio costumam ter di�culdade de con�ar em si mesmos. Mas você</p><p>é o único que pode inventar sua imagem; deve encontrar o médico</p><p>dentro de si, aquele que sabe como curar, e começar a con�ar.</p><p>Em parte, é assim que direcionamos o consciente para que</p><p>transforme o inconsciente. O inconsciente oferece as imagens de que</p><p>precisamos para curar. Cada um de nós tem que encontrar a imagem</p><p>que funciona para si e que lhe parece real, e temos que imaginá-la</p><p>com o amor mais puro de que somos capazes. Presenciei esse método</p><p>antigo funcionar repetidas vezes — mesmo, e talvez especialmente,</p><p>quando um paciente se sente cético em relação à sua capacidade de</p><p>encontrar a imagem certa. É sobretudo nesses casos que precisamos</p><p>deixar o inconsciente nos mostrar como curar.</p><p>Embora as ideias sobre a�rmação e visualização não sejam novas, a</p><p>ciência que as apoia ainda está ganhando força. Aos poucos, mas</p><p>seguramente, estamos percebendo que a relação entre os</p><p>pensamentos e os corpos pode ser medida. Como a PhD Elizabeth</p><p>Blackburn, ganhadora do prêmio Nobel, e sua colega PhD Elissa Epel</p><p>constataram, os telômeros (as tampinhas na ponta dos cromossomos)</p><p>são afetados por nossos pensamentos.[10] Isso signi�ca que, embora</p><p>pensamentos positivos não tenham nenhuma in�uência direta sobre</p><p>o DNA, têm sobre o modo como os genes se expressam, o que</p><p>reverbera em nossa saúde e experiência de vida.</p><p>Imagens concentram nossos pensamentos e os tornam reais em</p><p>nosso corpo. À medida que surgem pesquisas sobre células-tronco —</p><p>o que considero uma resposta da ciência à força vital criativa —,</p><p>temos indícios de que essas células são afetadas pelo modo como</p><p>pensamos e pelo que pensamos. Estudos a�rmam o que curadores</p><p>holísticos, espirituais e, com frequência, indígenas vêm dizendo há</p><p>séculos: existe poder no reconhecimento de nosso papel no processo</p><p>de cura porque nossas mentes afetam tudo, até o nível celular.</p><p>As células do corpo conhecem sua função. Querem nos apoiar</p><p>desempenhando seu papel. Como seres humanos vivos, de�nimos</p><p>nossa intenção para que nossas células se aliem a nós para manifestá-</p><p>la. É nosso trabalho lhes dar sumo por meio de força vital, mas desse</p><p>momento em diante elas são participantes de tudo o que acontece. A</p><p>medicina que pratico, que chamo de medicina viva, leva o conceito de</p><p>medicina holística para além do pro�ssional médico. É um modelo</p><p>colaborativo entre curador e paciente que usa diversas modalidades</p><p>terapêuticas para aumentar e acentuar a força vital dentro de uma</p><p>pessoa. As modalidades ajudam a cura a acontecer, mas é importante</p><p>notar que não são responsáveis pela cura, simplesmente a</p><p>direcionam. Na medicina viva, nossos corpos são a verdadeira força</p><p>propulsora de nosso bem-estar — e o corpo, por natureza, inclui a</p><p>mente. Nosso papel é con�ar nisso e dar às células o amor de que</p><p>precisam para prosperar. Isso é o verdadeiro amor-próprio.</p><p>Para oferecermos a nós mesmos esse tipo de cuidado, devemos nos</p><p>tornar especialistas em dar e receber amor. Mas, para muita gente,</p><p>amar é uma coisa e receber amor é outra completamente diferente.</p><p>M</p><p>16</p><p>COMO RECEBER AMOR</p><p>uitas vezes, passamos por desa�os que interpretamos como</p><p>indicativos de que não somos dignos de receber amor. Pessoas</p><p>nos deixam, nos magoam ou são incapazes de nos dar o amor que</p><p>merecemos. Experiências dolorosas como abuso, negligência e</p><p>indiferença moldam quem nos tornamos e deixam marcas em nosso</p><p>inconsciente que podem ter efeitos imensos sobre nossa saúde e</p><p>felicidade.</p><p>Receber amor pode dar muito medo, em especial quando fomos</p><p>magoados no passado. É por esse motivo que precisamos nos</p><p>concentrar nessa capacidade. Por mais difícil que seja, superar o</p><p>medo nos ajuda a receber mais amor.</p><p>Uma paciente chamada Pamela tinha di�culdade de entender que</p><p>podia ser amada. Quando veio me ver, com mais de 60 anos, tinha</p><p>muitos problemas físicos. Ao longo da conversa, �cou claro que ela</p><p>simplesmente não acreditava que podia ser amada. Embora fosse uma</p><p>orientadora educacional maravilhosa que ajudava muitas crianças</p><p>com diversos problemas, não conseguia enxergar o próprio valor.</p><p>Comparava-se persistentemente a outras pessoas e acabava não</p><p>conseguindo o que queria. Tive a impressão de que, no fundo, ela</p><p>acreditava que não era digna da força vital — talvez nem mesmo da</p><p>própria vida.</p><p>Depois de algum tempo, disse a Pamela o que pensava que estava</p><p>no cerne de seus problemas.</p><p>— Acho que você não acredita que pode ser amada. Tem alguma</p><p>ideia de por quê?</p><p>Pamela riu.</p><p>— Agora você está parecendo minha mãe — disse ela.</p><p>A resposta me chocou. O que será que a mãe dissera à �lha?</p><p>Perguntei a Pamela o que ela queria dizer com aquilo.</p><p>— Ah. Bem, minha mãe simplesmente não conseguia me amar</p><p>quando eu era pequena porque eu era um bebê muito feio. Ela queria</p><p>me amar, mas era constrangedor demais — explicou Pamela.</p><p>Ela me contou que nascera prematura, com um corpo bastante</p><p>magro. Na infância, sua mãe lhe dissera muitas vezes que, quando os</p><p>amigos vinham visitar o bebê, ela cobria Pamela com uma</p><p>toalha,</p><p>deixando apenas o rosto visível. “Assim eles não viam como você era</p><p>feia”, explicava sua mãe. Também havia o fato de que, 2 anos depois</p><p>de Pamela nascer, sua mãe deu à luz um menino saudável. A “piada”</p><p>antiga na família era que Pamela havia sido um bebê feio, e seu</p><p>irmão, um bebê bonito, então obviamente era mais fácil para a mãe</p><p>amar seu irmão.</p><p>À medida que falava, Pamela percebeu o que já estava claro para</p><p>mim: não era uma piada. Era doloroso que sua mãe tivesse repetido</p><p>aquilo tantas vezes, e isso a afetara profundamente. Pamela percebeu</p><p>por que tinha uma autoestima tão baixa e por que insistia tanto em se</p><p>comparar com os outros, apesar do quanto isso a magoava.</p><p>Terminamos a sessão com um grande e demorado abraço, durante o</p><p>qual tentei dar a ela cada gota do amor que sempre merecera.</p><p>Nas sessões subsequentes, paramos de focar os sintomas de Pamela</p><p>e começamos a examinar sua capacidade de amar. Primeiro, ela</p><p>aprendeu a receber meu amor. Depois, começou a aceitar o amor de</p><p>seus alunos e seus pais — todos a adoravam. Por �m, conseguiu</p><p>começar a amar a si mesma, e a maioria dos sintomas evaporou.</p><p>Pamela tinha di�culdades de receber amor desde a infância, o que</p><p>pode parecer muito cedo, mas nossas crenças sobre nós mesmos e</p><p>nosso valor se formam até antes desse período. Quero que as pessoas</p><p>saibam que podem ser amadas em cada minuto da vida. Esse é o</p><p>motivo pelo qual passei uma parte tão grande de minha carreira</p><p>focando o nascimento afetuoso.</p><p>Em 1969, compareci a uma palestra de um médium psíquico</p><p>renomado no Reino Unido. Enquanto falava, ele desenhava</p><p>diagramas, demonstrando as auras que via em torno das pessoas.</p><p>Embora eu não veja auras, estou quase sempre aberta a ouvir as</p><p>experiências dos outros com o mundo, então prestei muita atenção.</p><p>Com o passar do tempo, notei que havia dois tipos gerais de auras:</p><p>algumas eram completas, rodeando as cabeças e descendo pelo</p><p>corpo, enquanto outras viravam massas emaranhadas sobre as</p><p>cabeças. Fiz uma pergunta sobre o porquê daquilo, e o médium</p><p>explicou que a alma de algumas pessoas era “inserida” quando elas</p><p>nasciam, o que resultava numa aura mais coesa, enquanto que com a</p><p>alma de outras pessoas isso não acontecia, então suas auras �cavam</p><p>distorcidas e emaranhadas.</p><p>Nunca esqueci o desenho das auras e a ideia de que a alma era</p><p>“inserida”. Associei a a�rmação aos nascimentos afetuosos que eu</p><p>vinha proporcionando e continuaria a proporcionar durante décadas.</p><p>Já acompanhei o nascimento de milhares de bebês — às vezes de duas</p><p>ou três gerações de uma família. À medida que recebo uma criança</p><p>após a outra nas mãos — a grande maioria pela cabeça —, eu as</p><p>acolho no mundo com uma presença afetuosa, assegurando-lhes que</p><p>este plano é seguro e suave e de que o retorno de suas almas é um</p><p>propósito divino. Seguro suas preciosas cabeças com reverência.</p><p>Agradeço a elas por chegarem. Quando faço isso, sinto que posso</p><p>ouvir anjos cantando.</p><p>Convido você a, por um momento, parar de ler e imaginar seu</p><p>próprio nascimento. Imagine como era vulnerável e perfeito. Imagine</p><p>como abriu os olhinhos com admiração e contemplou pela primeira</p><p>vez o mundo.</p><p>Se quiser, imagine os anjos cantando.</p><p>Ouça a canção crescendo.</p><p>Visualize você, ainda bebê, banhado em luz dourada, recebendo as</p><p>boas-vindas ao mundo.</p><p>Peço que faça esse pequeno exercício porque, para acessar o amor-</p><p>próprio, é essencial compreendermos a natureza milagrosa de nossa</p><p>encarnação.</p><p>Imagine os detalhes: você, exatamente você, formou um corpo</p><p>dentro de sua mãe e nasceu neste mundo. Chegou aqui com um</p><p>propósito, para seus exatos mãe e pai biológicos, cujos DNAs se</p><p>combinaram para formar o seu. A jornada de sua alma foi moldada</p><p>pela pessoa ou pessoas que criaram você, quer tenham sido essa mãe</p><p>e esse pai, quer um ou outro, ou outra pessoa. Enquanto está aqui,</p><p>você vai mudar o mundo, pelo menos sutilmente. Vai se conectar com</p><p>outros seres humanos e fazer parte de suas vidas. Vai criar beleza. Vai</p><p>dar seus dons ao mundo e compartilhar experiências. Seu impacto,</p><p>não importa quão grande ou pequeno, vai se propagar de maneiras</p><p>que você talvez jamais entenda por completo.</p><p>Não importa se você acredita que sua vida foi planejada por</p><p>alguma força criadora ou se é resultado de uma longa cadeia de</p><p>eventos aleatórios. De um jeito ou de outro, ela é maravilhosa.</p><p>Quando nos alinhamos com a vida, a energia do amor �ui</p><p>livremente para nossos corações. Mas muitos de nós somos feridos</p><p>durante a jornada — seja no momento em que nascemos se nossa</p><p>alma não foi inserida de modo apropriado, seja mais tarde. Esquivar-</p><p>se do amor é uma reação a essa dor. Mas é possível curar essa</p><p>tendência.</p><p>Na verdade, a cura está em suas mãos. Embora outros possam</p><p>ajudar, ninguém pode fazer isso sem sua participação. A escolha de</p><p>curar as feridas, de acolher sua alma, de maravilhar-se com sua</p><p>encarnação é fundamental. É um fósforo na caverna. É o primeiro</p><p>passo para superar o medo que lhe diz mentiras sobre seu valor, e tem</p><p>o poder de libertar você.</p><p>Às vezes as pessoas têm tanta di�culdade de receber amor de</p><p>humanos que é mais fácil começar a recebê-lo de animais. Essa saída</p><p>faz sentido para mim; os animais têm menos opiniões e tendem muito</p><p>menos a nos ofender. Vi muitos pacientes começarem a acolher o</p><p>amor por meio do afeto de um cachorro, um gato ou mesmo um</p><p>cavalo. Tive vários cães ao longo da vida, e achei muito importante</p><p>que meus �lhos também tivessem essa experiência. Animais oferecem</p><p>amor incondicional e, para muitos de nós, é fácil adorá-los. Eles nos</p><p>lembram de que podemos ser amados e de que somos capazes de</p><p>amar, mesmo quando havíamos nos esquecido dessa capacidade.</p><p>Quando você recebe amor, a saúde e a felicidade são apenas uma</p><p>consequência. A única resposta natural é começar a espalhar amor</p><p>para todos ao redor.</p><p>N</p><p>17</p><p>COMO DAR AMOR</p><p>a infância, fui ensinada persistentemente a dar amor. Meus pais</p><p>nos amavam bem, e agradeço a eles por terem me ensinado a</p><p>receber amor ao me fazer consciente de meu valor individual. Isso</p><p>fazia parte do objetivo maior que tinham na vida: curar por meio do</p><p>poder do amor.</p><p>Meus pais eram presbiterianos devotos que entendiam que a</p><p>mensagem de Jesus consistia em amor. Hoje, sei que as pessoas</p><p>interpretaram (às vezes, mal) o cristianismo de diversas formas.</p><p>Quando alinhado com ideais de caridade e cura, o trabalho</p><p>missionário é um empreendimento bonito, mas, por outro lado,</p><p>também tem sido praticado de maneiras que causaram mal. Qualquer</p><p>coisa ou ideia pode ser usada ou mal-usada; a religião não é exceção.</p><p>No caso de meus pais, acredito que usaram sua fé corretamente, uma</p><p>vez que a basearam no compromisso com o amor.</p><p>Certa noite, de volta à nossa casa depois de alguns meses em</p><p>campo, minha mãe estava trabalhando na máquina de escrever.</p><p>Passava horas com aquele aparelho pesado. Levava-o de</p><p>acampamento em acampamento. Assim como eu, meu pai tinha</p><p>di�culdades com a leitura e a escrita, então minha mãe assumira a</p><p>tarefa de enviar cartas à sede presbiteriana de missões para prestar</p><p>contas do trabalho que estavam realizando com os fundos da igreja.</p><p>Naquela noite, em vez do som ritmado de teclas batendo, eu a ouvi</p><p>começar e parar muitas vezes. Por �m, meu pai bateu à porta do</p><p>escritório. Quando ela o deixou entrar, ele largou a porta entreaberta</p><p>o bastante para que eu ouvisse a conversa.</p><p>Minha mãe suspirou ao comentar o baixo índice de conversão. Um</p><p>dos objetivos do trabalho deles era converter os habitantes locais —</p><p>na maioria hindus — ao cristianismo e batizá-los. Mas meus pais</p><p>nunca concentraram nem investiram sua energia nessa parte.</p><p>Meu pai então listou algumas curas de feridas e de doenças que</p><p>eles haviam conquistado nos últimos tempos, lembrando à minha</p><p>mãe da importância do que estavam fazendo. Ambos tratavam muita</p><p>gente que nunca recebera assistência médica na vida. Entravam em</p><p>colônias de leprosos; ofereciam-se para tocar aqueles que eram</p><p>considerados intocáveis.</p><p>Faziam isso porque foram chamados para espalhar sua versão do</p><p>Evangelho. Para colocar a medicina em prática do modo como a</p><p>entendiam,</p><p>o toque era fundamental, assim como passei a</p><p>compreender. Eles curavam com o amor e as mãos, assim como</p><p>aprenderam nas histórias da Bíblia que tanto amavam, nas quais Jesus</p><p>fazia o mesmo.</p><p>Ao lado da porta do escritório, escutei meu pai aconselhar minha</p><p>mãe, mencionando algumas das pessoas maravilhosas que haviam</p><p>ajudado durante o mês anterior e relatando seus males: a extração de</p><p>um dente podre; a restauração de um osso mal curado; o tratamento</p><p>da infecção de uma criança.</p><p>— Estamos fazendo o trabalho, Beth — disse ele.</p><p>— Acho que sim. Podemos não ter os números, mas estamos</p><p>fazendo o trabalho — respondeu minha mãe.</p><p>Meus pais passaram muitos anos servindo a pacientes na Índia, e</p><p>ambos tiveram vidas longas, felizes e cheias de sumo. Na verdade, foi</p><p>difícil até chorar suas mortes porque sua jornada parecia uma</p><p>celebração. Senti falta deles, mas não �quei triste por eles. Por</p><p>amarem plenamente, eles haviam vivido plenamente.</p><p>O modo como meus pais tratavam os pacientes teve uma in�uência</p><p>importante sobre mim — não apenas em minha carreira, mas no</p><p>modo como sempre tratei os seres humanos. Eles me ensinaram a</p><p>amar a todos.</p><p>Mas preciso esclarecer que amar a todos não signi�ca que temos de</p><p>concordar com todos. Não signi�ca que aprovamos tudo o que fazem</p><p>ou que necessariamente queremos passar muito tempo com eles.</p><p>Amar é uma energia que vai além de gostar. Tive muitos pacientes dos</p><p>quais me esforcei para gostar, e tenho certeza de que o mesmo</p><p>aconteceu com meus pais em relação aos deles. Mas se não consigo</p><p>amar alguém, considero isso um problema meu, e não da pessoa,</p><p>então sempre dei um jeito de amá-la assim mesmo. Eu me esforçava</p><p>para encontrar algo pequeno que eu tivesse em comum com a pessoa</p><p>— talvez ambos amássemos nossos �lhos, ou gostássemos da paisagem</p><p>do deserto. Se não conseguia achar, procurava algo que gostasse nela,</p><p>por mais trivial que fosse — um penteado ou o abraço, por exemplo.</p><p>Constatei muitas vezes que meu amor quer crescer e só precisa</p><p>encontrar uma treliça em que se agarrar. Amar é deixar a energia</p><p>�uir livre para dentro e para fora do coração sem parar. Por esse</p><p>ângulo, amar é uma parte fundamental de nossa saúde e bem-estar. É</p><p>essencial.</p><p>Mesmo quando entendemos isso, é possível que a vida nos jogue</p><p>algo inesperado que nos abale profundamente. Nesses momentos, o</p><p>medo pode nos dominar, mesmo que sejamos bem versados no amor.</p><p>Quando chegamos ao ponto em que o amor �ui para dentro e para</p><p>fora de nossos corações, como resistimos à tentação de voltar a cair</p><p>nas garras do medo?</p><p>T</p><p>18</p><p>AMOR E MILAGRES</p><p>alvez você esteja trabalhando o amor há um bom tempo, e já</p><p>tenha exercitado sua capacidade de dá-lo e recebê-lo. Então algo</p><p>inesperado acontece: você é rebaixado de cargo, sua empresa entra</p><p>em falência, um relacionamento desmorona ou alguém �ca doente.</p><p>Em parte, usar o amor como remédio signi�ca buscá-lo até mesmo —</p><p>ou talvez especialmente — nesses momentos sombrios.</p><p>Enquanto médica, presenciei muitos casos em que a saúde de um</p><p>paciente entra em desequilíbrio, e ele se deixa dominar pelo medo e</p><p>vira as costas para seu corpo físico, desconectando-se dele ou</p><p>tornando-o um inimigo. Isso acontece sobretudo quando sentimos</p><p>como se nosso corpo tivesse nos traído ou estivesse prestes a nos trair.</p><p>Uma de minhas pacientes, Carolyn, estava tentando engravidar. A</p><p>concepção não era fácil, e menos ainda conduzir uma gravidez a</p><p>termo. Apesar de todos os esforços, ela sofrera cinco abortos</p><p>espontâneos, todos ocorridos mais ou menos no mesmo período da</p><p>gestação.</p><p>Da sexta vez que conseguiu engravidar, ele estava cautelosamente</p><p>otimista. A gestação parecia estar progredindo normalmente, até que</p><p>ela começou a ter um sangramento no mesmo período em que já</p><p>abortara. Ela me ligou em pânico. Seu medo era aterrador, e ela não</p><p>sabia o que fazer.</p><p>— Tenho certeza de que vou perder este bebê — disse ela,</p><p>chorando. — Me sinto tão impotente, como se não houvesse nada</p><p>que eu pudesse fazer para impedir.</p><p>Eu não sabia se podia salvar o bebê, mas tinha certeza de que, se</p><p>ela não conseguia diminuir seu medo, precisava aumentar seu amor.</p><p>— O que seu bebê mais precisa agora é de seu amor,</p><p>independentemente se ele viver ou morrer.</p><p>Não podia dizer a Carolyn para não ter medo — como esperado,</p><p>ela estava apavorada. Mas eu podia fazê-las voltar a focar o amor.</p><p>Eu a instruí a fazer uma compressa de óleo de rícino sobre o</p><p>abdômen e ter uma conversa com a alma de seu bebê, dizendo o</p><p>quanto queria trazê-lo ao mundo e pedindo para que �casse.</p><p>— Fale com seu �lho. Vocês estão enfrentando esta situação juntos.</p><p>Carolyn passou a noite falando com o �lho. Explicou por que ela e</p><p>o marido queriam ter um bebê e o quanto já amavam o corpo que</p><p>estava se formando em seu ventre. Implorou à alma da criança para</p><p>�car, mas permaneceu �rme de que aceitaria o que fosse decidido —</p><p>de que não deixaria de amar o bebê, não importava o que</p><p>acontecesse.</p><p>Na manhã seguinte, o sangramento havia parado. Ela foi ao</p><p>consultório para um ultrassom e veri�quei a atividade cardíaca. O</p><p>bebê estava vivo.</p><p>À medida que os meses passaram, a gravidez de Carolyn progrediu</p><p>sem problemas. Seu �lho veio numa gestação a termo, e tive a bênção</p><p>de assistir seu nascimento. Mais uma vez, ouvi os anjos cantarem. Mas</p><p>quando olhei para seu rosto em minha mão, ofeguei.</p><p>Ele tinha uma cicatriz de �ssura de lábio e palato, o que, na época,</p><p>chamávamos de “lábio leporino”. Trata-se de uma anomalia séria que</p><p>pode exigir muitas cirurgias para ser corrigida. Eu nunca havia visto a</p><p>fenda se fechar sem intervenção, mas era exatamente o que havia</p><p>acontecido. Sorri para Carolyn, lembrando a noite em que ela</p><p>conversara com o �lho.</p><p>— A grande cirurgiã estava em ação! — exclamei, entregando-lhe</p><p>um menino perfeito.</p><p>Mais tarde, voltei e revisei as fases do desenvolvimento fetal para</p><p>refrescar a memória. O momento em que Carolyn tivera o</p><p>sangramento e rezara com seu �lho fora o momento exato em que o</p><p>palato mole é formado. Eu tinha todos os motivos para acreditar que</p><p>ela não apenas curara a si mesma com amor, como também ajudara o</p><p>�lho a se curar em seu útero.</p><p>Acredito que o fato de Carolyn ter dado amor a seu �lho o</p><p>manteve vivo. Ela deu as costas para a escuridão do medo, apesar dos</p><p>altos riscos, e se reconectou com a luz mais intensa que havia — nesse</p><p>caso, o amor por seu �lho.</p><p>Vi muitos outros pacientes fazerem o mesmo. Vários anos atrás,</p><p>minha amiga Evelyn se preparava para atravessar um longo trecho do</p><p>Caminho de Santiago, o que, para ela, era um sonho. Passara muito</p><p>tempo imaginando como iria de vila a vila, dormindo em hospedarias</p><p>e comendo comidas simples no interior da Espanha.</p><p>Até que sofreu uma lesão no joelho que quase a impediu de andar.</p><p>Ela veio me ver em pânico.</p><p>— Dra. Gladys, e se eu não conseguir fazer a viagem? Estou</p><p>planejando há anos. Vamos caminhar todos os dias por quilômetros</p><p>em trilhas irregulares. Preciso que meu joelho esteja forte, e não sei</p><p>se vou �car boa a tempo! — explicou ela.</p><p>— Diga a seu joelho que você precisa dele e por quê. Então ame-o</p><p>para que tenha saúde. Fale com suas células-tronco. Fortaleça-as com</p><p>seu amor e sua fé.</p><p>Evelyn passou os meses seguintes rezando e meditando para que o</p><p>joelho se curasse para um propósito expresso: realizar a missão</p><p>espiritual com a qual ela sonhava havia anos.</p><p>No entanto, nunca vamos saber se foi isso que curou o joelho dela.</p><p>Nunca vamos saber como as coisas teriam se desenrolado se ela não</p><p>tivesse rezado. Mas sabemos que Evelyn caminhou pelo trecho da</p><p>trilha com que sempre sonhara, não apenas sem sentir dor no joelho,</p><p>mas com uma força de vontade renovada. Sua viagem se tornou ainda</p><p>mais signi�cativa porque, antes mesmo de iniciá-la, Evelyn passou por</p><p>uma provação com grande fé.</p><p>A verdade sobre a vida é que há muitas coisas que não sabemos.</p><p>Não sabemos, quando recebemos uma notícia ruim, como vamos</p><p>encontrar um raio de esperança. Mas até mesmo o ato de apenas</p><p>acreditar tem poder. Marca o momento que escolhemos,</p><p>catapultando-nos para longe do medo e para perto do amor, o que,</p><p>por si só, tem o</p><p>poder de curar o que nos a�ige. Mesmo quando não</p><p>cura, sem dúvida, dá mais sentido e felicidade à nossa vida.</p><p>Escolher o amor diante de um grande medo já é um milagre. Mas,</p><p>às vezes, também dá origem a outros milagres.</p><p>Susan, cujo trágico acidente de carro compartilhei no capítulo 13,</p><p>passou por uma experiência similar. Quando me sentei à sua</p><p>cabeceira, contive o medo e ofereci, com ternura, uma escolha: o que</p><p>ela iria fazer naquela circunstância aparentemente sem saída? Eu</p><p>sabia que ela tinha que criar a própria imagem, algo que funcionasse</p><p>para si, assim como minha malinha de mão quando tive câncer de</p><p>mama. Tinha que ser algo palpável para ela, baseado em amor.</p><p>Comecei explicando como os ossos se curam. Falei sobre os</p><p>osteoblastos, que formam conexões entre as células ósseas, e os</p><p>osteoclastos, que as decompõem. Expliquei o papel dos peptídeos e o</p><p>fato de que os ossos se curam sozinhos quando possível.</p><p>— Seu corpo pode se curar. Talvez não seja fácil, mas é possível.</p><p>Escolha olhar para seu lindo corpo como um corpo saudável e forte</p><p>— instruí.</p><p>O acidente de Susan ocorreu um pouco depois de o furacão</p><p>Katrina atingir Nova Orleans, e notícias sobre os planos de</p><p>reconstrução não paravam de passar nos noticiários. Imobilizada no</p><p>leito de um hospital, Susan pensou muito em Nova Orleans. Assistiu à</p><p>cidade ser construída dia após dia. Sua mente estava livre, então ela</p><p>imaginou estradas sendo pavimentadas e edifícios sendo erguidos. De</p><p>início, Susan explicou que não sabia por que essa imagem lhe</p><p>ocorreu; ela não a associava à nossa conversa. Parecia ser apenas uma</p><p>estranha obsessão surgida do tédio.</p><p>Com o passar do tempo, os médicos passaram a relatar</p><p>acontecimentos inesperados. De alguma forma inexplicável, a coluna</p><p>vertebral de Susan começava a se curar.</p><p>Susan percebeu que sua estranha obsessão era uma imagem. Ela</p><p>intensi�cou a prática, entendendo que a “cidade” que estava</p><p>construindo na mente era, na verdade, o tecido ósseo de sua coluna.</p><p>Via os operários erguendo prédios e pontes — seus osteoblastos.</p><p>Observava um carrinho de mão após o outro a remover os escombros</p><p>— seus osteoclastos. Tempos depois, a equipe médica tirou o gesso.</p><p>Ela conseguiu se sentar e, em seguida, mover-se para uma cadeira de</p><p>rodas.</p><p>Pouco mais de um ano após o acidente, ela voltou a andar.</p><p>Na medicina viva, trabalhamos constantemente em dar e receber</p><p>amor. Tentamos fazer com que essa busca nos dê sumo. Quando</p><p>tornamos o ato de amar uma parte de nossa existência diária,</p><p>perpetuamos a vida.</p><p>Isso acontece em grande escala quando aprendemos a aceitar cada</p><p>vez mais o amor do mundo, permitimos que crie raízes em nossos</p><p>corações e começamos a irradiá-lo para as pessoas ao redor. Acontece</p><p>também em pequena escala, quando aprendemos a amar cada parte</p><p>de nosso ser. A nutrição que damos a nós mesmos é importante, até a</p><p>nível celular — e não precisamos esperar o sofrimento bater à porta</p><p>para oferecermos a nós mesmos o remédio mais poderoso do mundo:</p><p>o amor.</p><p>Prática: Amando a si mesmo para se curar</p><p>1. Fique em silêncio por um momento e, em seguida, permita que algo que não está bem venha à</p><p>tona. Pode ser físico, como um problema médico atual ou uma lesão recente, ou mesmo</p><p>emocional, como um relacionamento que não está dando certo.</p><p>2. Mantenha o problema em mente e espere surgir uma imagem que o sintetize. Não pense</p><p>demais, apenas deixe vir. A imagem pode estar em movimento ou parada. Pode ser uma coisa,</p><p>um lugar, ou mesmo uma pessoa. Quando tiver a sua imagem, tire um momento para olhá-la.</p><p>Quais são os formatos, cores e texturas?</p><p>3. Pergunte à imagem: o que você quer me mostrar? Do que precisa? Ela está oferecendo</p><p>informação sobre sua saúde física, sua saúde mental, sua jornada de alma ou suas relações? De</p><p>alguma forma, sua mente evocou essa imagem para lhe mostrar algo. O que é? É possível</p><p>haver uma resposta, ou mais de uma.</p><p>4. Veja sua imagem envolvida em amor, contida no abraço afetuoso e incondicional do universo</p><p>inteiro. Ouça os anjos cantando de novo, assim como fizeram no dia em que você nasceu.</p><p>Agradeça à imagem e permita que se apague.</p><p>5. Agora é hora de um abraço. Não se esquive, mesmo que se sinta um pouco bobo ao fazer isso</p><p>— um abraço é uma prática transformadora! Ponha as mãos nos ombros opostos, cruzando os</p><p>braços na frente do peito, e encolha os ombros. Baixe o queixo, apertando as mãos e dando em</p><p>si mesmo um bom abraço, um abraço tão forte quanto o que você daria em uma pessoa que</p><p>estivesse precisando.</p><p>6. Enquanto estiver se abraçando, faça contato com seu coração. Avalie onde ele está hoje — o</p><p>quanto você sente que é digno de amor e o quanto sente que é capaz de amar? Receba a</p><p>resposta sem julgamento. Pode repetir essa prática sempre que quiser avaliar o quanto de</p><p>amor está fluindo através de você.</p><p>QUARTO SEGREDO</p><p>Você nunca está</p><p>sozinho</p><p>M</p><p>19</p><p>VIDA É CONEXÃO</p><p>inhas lembranças favoritas da infância são de nossos</p><p>acampamentos no inverno. Eu adorava o fato de que todos</p><p>tinham um trabalho a fazer e de que o trabalho era prazeroso.</p><p>Adorava a ideia de que todos contávamos uns com os outros. Adorava</p><p>saber que estávamos longe, mas juntos, conectados. Penso com</p><p>carinho naqueles tempos; aquela época incutiu em mim uma forte</p><p>crença na comunidade.</p><p>Certa noite, estávamos reunidos à mesa, na tenda da família,</p><p>jogando jogos de palavras depois do jantar, quando Ayah apareceu.</p><p>— O sadhu está aqui — anunciou ela, sorrindo.</p><p>Hindus sadhus* são comuns na Índia, mas eram menos comuns em</p><p>nosso acampamento, e eu sabia exatamente de qual sadhu Ayah estava</p><p>falando. Eu e meus quatro irmãos pulamos da cadeira — Gordon era</p><p>muito pequeno, talvez nem soubesse por que seguiu nosso exemplo</p><p>— e corremos para fora, com nossos pais logo atrás.</p><p>Ele era um homem alto, de olhos negros e penetrantes, que de</p><p>longe irradiavam misticismo. Hoje, sei que estava na presença de uma</p><p>alma profundamente antiga, mas eu teria encarado tal pensamento</p><p>como uma blasfêmia na época. O sadhu Sundar Singh era um cristão</p><p>convertido que rejeitava a anglicização do cristianismo. Acreditava</p><p>Í</p><p>que a melhor forma de espalhar a fé na Índia era simplesmente agir</p><p>como Jesus agira e permanecer indiano no processo. Vestia o dhoti cor</p><p>de açafrão desbotado dos sadhus, tinha a cabeça envolvida num</p><p>turbante e conservava uma barba cheia. Sorriu ao nos ver.</p><p>— Senti falta de vocês, crianças — disse.</p><p>O sadhu Sundar Singh visitava o acampamento todo inverno depois</p><p>de passar o verão no Tibete. Viajava sempre a pé, e passava uma</p><p>semana ou duas com a gente, fazendo boas refeições e encantando as</p><p>crianças com canções e histórias. As pessoas se aproximavam dele por</p><p>instinto; sua presença incentivava a conexão. Eu tentava emular</p><p>aquilo e sabia que, quando crescesse, também queria atrair os outros.</p><p>Como ele, queria banhar as crianças com meu amor, trazer esperança</p><p>a todos ao redor e contar minhas histórias com alegria a qualquer um</p><p>que quisesse ouvi-las. Queria viver minha verdade por meio da</p><p>conexão com os outros.</p><p>Num nível fundamental, estamos todos conectados. É fácil</p><p>esquecer isso e nos vermos como seres separados. A�nal de contas, eu</p><p>sou eu, em minha pele, e aí está você, na sua. Mas somos criaturas</p><p>sociais, e dependemos uns dos outros para sobreviver. Não importa o</p><p>quanto tentemos nos apartar, somos parte de uma comunidade, para</p><p>o bem ou para o mal. Somos parte de uma família, uma cultura, um</p><p>país, um continente, uma espécie. Nós nos conectamos por meio de</p><p>experiências e genes compartilhados. Literalmente, respiramos o</p><p>mesmo ar.</p><p>Podemos ser seres individuais, mas formamos uma única</p><p>comunidade. Temos uma força vital coletiva. Tanto a força vital</p><p>singular quanto a coletiva requer cuidados.</p><p>A primeira vez que percebi isso foi em 1969, quando Bill e eu</p><p>viajamos para Israel e visitamos um kibutz. Naquela noite, �camos</p><p>acordados até tarde, animados, conversando sobre o que havíamos</p><p>visto — como tudo na comunidade era interconectado. Todos tinham</p><p>um propósito, um trabalho. O que as crianças aprendiam na escola</p><p>tinha a ver com o que acontecia nas fazendas, nas clínicas</p><p>e nas</p><p>cozinhas. Todos estavam contribuindo para a força vital coletiva e a</p><p>recebendo.</p><p>Essa viagem foi parte do que inspirou o programa Baby Buggy, que</p><p>realizei com a enfermeira obstétrica Barbara Brown nos anos 1970 e</p><p>1980. O objetivo era incentivar partos em casa, onde as mulheres</p><p>podiam ser atendidas no conforto do lar por seus entes queridos e</p><p>por pro�ssionais treinados. Nossa van especialmente equipada �cava</p><p>estacionada na entrada da garagem, enquanto monitorávamos o</p><p>progresso da mulher em trabalho de parto. Se fosse necessária uma</p><p>intervenção ou um transporte médico, tínhamos tudo à mão. Na</p><p>maioria das vezes, o Baby Buggy �cava apenas estacionado, enquanto</p><p>as mulheres davam à luz bebês saudáveis e felizes nas próprias casas.</p><p>Em alguns casos, nós transportávamos a mãe, o bebê ou ambos para o</p><p>hospital e, em todos os casos, nossa van, com uma cegonha gigante</p><p>pintada na lateral, transmitia uma mensagem clara à comunidade:</p><p>uma nova alma está chegando! Venha dar as boas-vindas!</p><p>Um verdadeiro senso de comunidade é raro na era moderna.</p><p>Mesmo antes da pandemia, muitas mídias reportavam que estávamos</p><p>vivendo uma crise de solidão. Inúmeros países têm considerado a</p><p>solidão um problema que atinge uma faixa demográ�ca ampla.[11]</p><p>Esse sentimento de desconexão prejudica o corpo. Um estudo da</p><p>Universidade Brigham Young mostrou que sentir-se sozinho tem o</p><p>mesmo efeito sobre a longevidade que fumar quinze cigarros por dia.</p><p>[12] Relações sociais fracas foram associadas a um aumento de 29% no</p><p>risco de doenças cardíacas e de 32% no risco de derrame.[13]</p><p>Ao mesmo tempo, os dados mostram que conexões sociais nos</p><p>ajudam a prosperar. A autora Ashton Applewhite notou que conexões</p><p>sociais são um importante indicador de envelhecimento feliz e</p><p>saudável. Ela também recomenda a amizade com pessoas de diversas</p><p>gerações, uma ideia que encontra eco em numerosos estudos que</p><p>revelam os efeitos positivos da proximidade de crianças pequenas</p><p>sobre pessoas mais velhas que enfrentam questões relacionadas a</p><p>propósito.[14] Embora o casamento seja geralmente associado a um</p><p>risco menor de doenças cardiovasculares, uniões problemáticas estão</p><p>associadas a um risco maior.[15] De acordo com o Harvard Study of</p><p>Adult Development, a qualidade das relações quando estamos na casa</p><p>dos 50 anos é o maior indicador de saúde e bem-estar aos 80 anos.[16]</p><p>A vida vem de nossas conexões, é incentivada por nossas conexões</p><p>e cria conexões. Somos mais felizes e saudáveis quando contribuímos</p><p>para a força vital coletiva e extraímos força vital dela. Essa ideia é a</p><p>base de meu quarto segredo: você nunca está sozinho. Conectar-se com</p><p>a comunidade ampli�ca a força vital individual, realinhando-a com a</p><p>força vital coletiva.</p><p>Isso signi�ca que, quando aceitamos nos conectar com os outros,</p><p>todos prosperamos. E, uma vez que a conexão é algo que tanto</p><p>oferecemos quanto aceitamos, somos nós que determinamos a saúde</p><p>de nossas comunidades. Cada um de nós é responsável por criar a</p><p>própria rede de apoio. É assim que contribuímos para a rede de</p><p>apoio coletiva. Nosso ato de dar não é nem sequer altruísta, pois é em</p><p>benefício próprio. Como disse meu �lho Bob quando era criança:</p><p>“Mãe, eu acho que entendi! Se eu faço um amigo, e ele faz um amigo,</p><p>e ele faz um amigo, isso vai rodando o mundo todo até voltar para</p><p>mim!”</p><p>Observei comunidades prósperas por todo o planeta. Notei que o</p><p>maior senso de alegria em comunidade está em grupos de pessoas</p><p>que trabalham juntas, mesmo diante de grandes desa�os — ou talvez</p><p>em especial nesses casos. Não é preciso pessoas perfeitas ou muito</p><p>dinheiro para que um grupo prospere; basta trabalhar com o que se</p><p>tem e achar um jeito de dar certo.</p><p>Fui criada para acreditar no poder da conexão. Venho de uma</p><p>família unida e de uma comunidade vibrante em que as pessoas</p><p>ajudavam umas às outras e eram conectadas. Continuo a criar uma</p><p>família próspera, apesar de termos passado por muitos obstáculos, e</p><p>sempre fui muito envolvida com o mundo. Priorizo as relações sociais</p><p>porque sei que todo meu ser se aviva quando estou dando a outros e</p><p>recebendo de outros.</p><p>Acho que você também sabe qual é a sensação. Espero que pelo</p><p>menos uma vez tenha sentido como é ser apoiado por completo.</p><p>Espero que tenha tido a chance de apoiar alguém em algum</p><p>momento e sentido a conexão. Talvez se lembre de como isso lhe deu</p><p>energia. Talvez se lembre de como sua força vital foi renovada,</p><p>impulsionando você. O aumento da força vital indica a importância</p><p>da comunidade.</p><p>Tenho um sonho há décadas: a Vila da Medicina Viva, onde curar,</p><p>viver e aprender vão se tornar uma coisa só. Por um lado, minha visão</p><p>se inspira nos acampamentos das viagens de minha infância. Por</p><p>outro lado, é um paradigma totalmente novo, em que as pessoas</p><p>viveriam e trabalhariam juntas para curar. Somos seres sociais; somos</p><p>feitos para estar juntos. É assim que prosperamos.</p><p>Embora muitos de nós tenham essa consciência num nível</p><p>intelectual, está cada vez mais difícil colocá-la em prática. Os Estados</p><p>Unidos (assim como grande parte do mundo) estão se dividindo em</p><p>linhas ideológicas. Membros de uma família não conseguem se</p><p>conectar uns com os outros, optando por passar feriados e eventos</p><p>comemorativos separados, cada um em seu canto. Há cada vez mais</p><p>divórcios. Nossas casas e jardins se tornam maiores, enquanto nos</p><p>refugiamos em aparelhos eletrônicos individuais. Quanto mais temos,</p><p>mais tempo passamos separados. Mesmo quando queremos nos</p><p>conectar, pelo menos teoricamente, sentimos como se fosse difícil</p><p>demais ter nossas necessidades atendidas. Talvez até tenhamos nos</p><p>esquecido de como fazer isso.</p><p>Enquanto observo essas mudanças, não consigo evitar me</p><p>perguntar: se gostamos de nos conectar e sabemos que é bom para</p><p>nós, por que evitamos?</p><p>* Homens considerados santos na Índia. Dedicam a vida à busca espiritual. Também são</p><p>conhecidos como místicos, ascetas ou monges andarilhos. (N. do T.)</p><p>Q</p><p>20</p><p>ACEITE A IMPERFEIÇÃO</p><p>uando Carl, meu primeiro �lho, nasceu, eu estava morando em</p><p>Cincinnati e �zera amizade com outra jovem mãe que residia</p><p>na mesma rua e tinha um �lho da mesma idade. Nós duas éramos</p><p>internas no mesmo hospital e tínhamos algumas coisas em comum.</p><p>Carl e Harry começaram a brincar juntos assim que tiveram idade</p><p>su�ciente para �car fora do colo. Eles se davam bem, mas brincavam</p><p>de modos diferentes — em parte porque nossos estilos de criação</p><p>eram muito diferentes. Carl era uma criança audaz que Bill e eu</p><p>incentivávamos a engatinhar, escalar e se sujar. A mãe de Harry o</p><p>levava para brincar de luvas e às vezes preso a uma correia.</p><p>Hoje em dia, há muita informação disponível a pais jovens sobre a</p><p>importância de deixar as crianças se sujarem um pouco. A maioria das</p><p>pessoas sabe que um ambiente exageradamente estéril não é bom</p><p>para o desenvolvimento dos �lhos. Mas o treinamento médico da mãe</p><p>de Harry havia sido concentrado na teoria dos germes, que se tratava</p><p>apenas de matar doenças, e ela estava fazendo o melhor que podia</p><p>com as informações que tinha. Como muitas outras mães, aprendera</p><p>que havia coisas especí�cas que tinha que fazer para ser uma “boa</p><p>mãe”, e manter o �lho afastado de germes era uma delas.</p><p>Harry e sua mãe eram também meus pacientes. Eu os via muito</p><p>porque o menino adoecia com frequência. Ele pegava todo tipo de</p><p>germe, apesar de todos os esforços da mãe. Certa vez, enquanto Carl</p><p>brincava na terra e Harry observava, sentado e quieto, ela me</p><p>perguntou:</p><p>— Por que Carl não �ca doente quase nunca, mas Harry vai ver</p><p>você com tanta frequência na clínica? Eu sou tão cuidadosa com ele!</p><p>Eu ri e expliquei que Carl provavelmente tinha um sistema</p><p>imunológico mais forte. Eu o expunha ao mundo, o que o tornara</p><p>mais resiliente.</p><p>Essa história não é tão interessante, mas, quando encarada como</p><p>metáfora, tem muito a nos ensinar. Algumas coisas são</p><p>verdadeiramente perigosas — fornos quentes, penhascos altos e</p><p>cobras venenosas —, e a mãe de Harry estava certa ao protegê-lo. Mas</p><p>levou seu cuidado longe demais e, como resultado, seu �lho sofreu. É</p><p>assim que uma comunidade funciona. Sim, algumas pessoas</p><p>podem</p><p>nos machucar. Mas quando nos protegemos dos outros de modo</p><p>exagerado, impedimos interações potencialmente boas para nós.</p><p>Nascemos num mundo cheio de pessoas porque somos feitos para</p><p>estar perto de pessoas, com toda a confusão que isso implica.</p><p>Com frequência, não interagimos uns com os outros porque não</p><p>queremos sujar as mãos. Não queremos lidar com o que percebemos</p><p>como de�ciências dos outros. Queremos nos proteger para não nos</p><p>decepcionarmos. Mas, ao fazer isso, perdemos vida.</p><p>O advento das conveniências modernas tornou esse isolamento</p><p>mais fácil. Em essência, esterilizamos a vida do desconforto de</p><p>“precisarmos” uns dos outros. Hoje, se estamos economicamente</p><p>confortáveis, organizamos nosso mundo de modo a não precisar</p><p>pedir nada a ninguém. Aplicativos, em vez de vizinhos, nos ajudam a</p><p>apanhar o carro no mecânico ou a pegar uma carona para uma</p><p>consulta médica. Numa noite em que estamos ocupados, pedimos o</p><p>jantar em minutos para que seja entregue em casa. Com um clique,</p><p>contratamos pessoas para passear com nossos cães, montar móveis e</p><p>lavar carros. Quanto mais progredimos, mais parece que</p><p>simplesmente queremos a conveniência de não ter que pedir nada a</p><p>vizinhos e amigos. Estamos construindo uma comunidade de aluguel.</p><p>Lá se foram os tempos de pedir uma xícara de açúcar, que dirá</p><p>compartilhar um celeiro com vizinhos.</p><p>Talvez eu soe como uma senhora idosa reclamando de como o</p><p>mundo está mudando. Mas o que quero é chamar a atenção para algo</p><p>muito maior: precisamos pedir xícaras de açúcar. Nós nos</p><p>bene�ciamos de compartilhar um celeiro. Viver juntos nos força a nos</p><p>conectarmos, mesmo que de pequenas maneiras. No passado, nossas</p><p>interações desordenadas e frequentes asseguravam que</p><p>conhecêssemos os vizinhos e entendêssemos o que estava</p><p>acontecendo na vida dos outros, nos mantinham vivos e nos</p><p>forneciam uma defesa contra o isolamento.</p><p>A vida moderna nos permite, com cada vez mais facilidade, reduzir</p><p>as interações necessárias para viver, respaldada na ideia de que somos</p><p>mais felizes quando interagimos com os outros apenas quando</p><p>queremos. Mas reduzir as interações tem um custo alto. Perdemos</p><p>muito quando não nos conectamos com a comunidade. Perdemos</p><p>uma peça fundamental da experiência humana.</p><p>A escolha pelo senso de comunidade também tem seus custos. Em</p><p>primeiro lugar, perdemos um pouco da sensação de controle.</p><p>Observei isso em 1958, quando Bill e eu nos mudamos para nossa</p><p>segunda casa no Arizona. Era um edifício grande feito de adobe,</p><p>quase indestrutível — perfeito para nossa família agitada de sete</p><p>pessoas, que logo se tornaram oito. Jantávamos juntos toda noite, e</p><p>geralmente tínhamos mais de quinze pessoas à mesa de jantar, uma</p><p>tábua enorme de carvalho. Não nos preocupávamos em manter a casa</p><p>impecável nem em fazer a comida perfeita. O objetivo principal era</p><p>estarmos juntos.</p><p>As pessoas entravam e saíam com tanta frequência que, certa vez,</p><p>quando uma série de roubos na vizinhança fez com que um policial</p><p>nos visitasse para nos advertir a trancar a porta à noite, percebemos</p><p>que, embora oito pessoas morassem na residência, nenhum de nós</p><p>tinha a chave. Naqueles anos, meu marido e eu hospedávamos muitos</p><p>arrecadadores de recursos para as várias organizações que fundamos e</p><p>apoiamos. Também cedíamos a casa para palestras de uma série de</p><p>médicos e curadores de uma ampla gama de conhecimentos, a</p><p>maioria dos quais �cava alguns dias para discussões menos formais à</p><p>mesa. E quase todo dia recebíamos um monte de crianças estridentes</p><p>da vizinhança.</p><p>Ao re�etir sobre o que valorizávamos enquanto pais, Bill e eu</p><p>escolhemos tornar nossa casa um lugar aonde crianças e adultos</p><p>podiam ir para se divertir e ser eles mesmos. Assim, abrimos mão da</p><p>opção de ter uma casa calma, quieta e impecável. Essa escolha pode</p><p>ter sido o motivo de alguns anos caóticos, mas não me arrependo.</p><p>Criar uma comunidade requer dar espaço para um pouco de caos.</p><p>Um dia à tarde, tive um momento para relaxar na banheira e</p><p>liberar o estresse da maternidade e do trabalho. Nosso banheiro tinha</p><p>duas portas: uma dava para um quarto e a outra para o escritório de</p><p>Bill. Assim que fechei os olhos e relaxei dentro d’água, a porta do</p><p>quarto se abriu. Um menino de olhos arregalados entrou correndo,</p><p>passou direto pela pia e saiu pela porta do escritório, deixando-a</p><p>aberta. Nem bem ele desapareceu, uma menininha entrou correndo</p><p>e o seguiu para o escritório. Então vieram mais: um maior, e já eram</p><p>três; depois um de cabelos desgrenhados, quatro; e um pequeno</p><p>endiabrado, cinco. Em apenas alguns instantes, dez crianças entraram</p><p>correndo no banheiro, passaram por mim na banheira e saíram pela</p><p>outra porta. Apenas três das crianças eram minhas, e nenhuma notou</p><p>minha presença. Parte de mim �cou irritada — ali estava eu, nua na</p><p>banheira, tentando ter um momento particular —, e parte de mim</p><p>�cou maravilhada com a casa alegre e movimentada que eu</p><p>conseguira para meus �lhos.</p><p>Aceitar os outros em nossa vida signi�ca que as coisas vão ser meio</p><p>bagunçadas e confusas. Não podemos viver em comunidade e esperar</p><p>que tudo seja perfeito ou exatamente como queremos. Mas há uma</p><p>vantagem muito importante na imperfeição. Entendo o desejo de</p><p>controle; cada um de nós está em seu próprio caminho e quer</p><p>escolher como trilhá-lo. Mas a beleza é que nossa trajetória vai se</p><p>cruzar com a de outras pessoas, o que pode ser muito bonito, pois</p><p>assim temos a oportunidade de compartilhar nossa jornada, de contar</p><p>o que aprendemos e aonde estamos indo, e de aprender com os</p><p>outros. É claro que essa experiência pode ser estressante. Mas,</p><p>quando momentâneo, o estresse pode ser bom para nós. Isso não</p><p>signi�ca que devemos passar muito tempo perto de pessoas sempre</p><p>negativas ou abusivas — pois o estresse contínuo causa diversos</p><p>problemas. Mas pesquisas sugerem que, em baixa escala, o estresse</p><p>pode trazer benefícios.[17]</p><p>Quando tentamos criar um mundo estéril, destituído das</p><p>imperfeições e perturbações da interação humana, agimos contra</p><p>nossa própria força vital e nos tornamos mais fracos — assim como</p><p>Harry com suas luvas.</p><p>No entanto, vivemos numa sociedade que tenta nos convencer de</p><p>que temos que gostar de tudo em todos para convivermos bem. Num</p><p>mundo tão polarizado, esse tipo de pensamento di�culta saber de</p><p>quem se tornar amigo. Se a comunidade é tão importante, como</p><p>podemos começar a construí-la?</p><p>C</p><p>21</p><p>ENCONTRE SEUS AMIGOS</p><p>omo a�rmei no capítulo 17, minha intenção é amar a todos, o</p><p>que não signi�ca necessariamente que eu gosto de todos. Por</p><p>outro lado, meu objetivo me ajuda a encontrar um motivo para ser</p><p>amiga das pessoas — em graus variados. Quando nos</p><p>comprometemos a cultivar amizades, aceitamos os outros e criamos</p><p>algum tipo de laço com eles, independentemente de quem são ou</p><p>daquilo em que acreditam. Encontramos o amigo dentro deles,</p><p>mesmo que seja apenas uma pequena parte de suas identidades.</p><p>Elisa, uma estudante universitária, havia voltado para casa para</p><p>passar as férias de inverno e foi me ver por causa de um pequeno</p><p>eczema no cotovelo. Sua mãe era minha paciente havia anos, então</p><p>eu conhecia Elisa desde pequena e, embora ela tendesse à ansiedade,</p><p>geralmente relaxava depois de um minuto ou dois. Mas daquela vez</p><p>seu abraço pareceu um pouco distante, como se ela não estivesse</p><p>totalmente presente e, mesmo depois que segurei seu braço para</p><p>examiná-lo, suas suprarrenais pareciam ativas. Embora ela estivesse</p><p>quieta, seus olhos não paravam de vasculhar a sala, e seu braço tremia</p><p>um pouco sob meu toque. O eczema, como aqueles que o enfrentam</p><p>sabem, quase sempre é exacerbado por estresse.</p><p>— Aplique um pouco de óleo de rícino. Vai ajudar. Mas me ligue se</p><p>não melhorar, e eu vou receitar um esteroide — falei. Então passei as</p><p>mãos por seu braço e segurei sua mão, apertando-a com suavidade. —</p><p>Mas, Elisa, o que está acontecendo de verdade?</p><p>Senti sua mão fria. Esperava que meu toque lhe desse um pouco de</p><p>calor.</p><p>— Ah, vir para casa para as férias não está sendo tudo o que pensei</p><p>que seria, só isso — disse ela bruscamente. — Está tudo bem. Vou</p><p>passar as férias e voltar para a universidade.</p><p>— O que não está sendo o que você pensou que seria? —</p><p>perguntei, imaginando se havia algum problema na família.</p><p>Ela explicou que todos estavam bem, e falar sobre o que estava</p><p>bem pareceu abrandar sua postura defensiva. Até que ela admitiu a</p><p>verdade.</p><p>— É só que estou sentindo um clima meio estranho com meus</p><p>amigos. Quer dizer, com minha melhor amiga, Chloe. Ela foi morar</p><p>com o namorado, e eu �quei na república mesmo. Nossas vidas estão</p><p>muito diferentes agora. Tipo, eu a procurei, mas não temos mais nada</p><p>em comum. Parece um pouco super�cial, sabe?</p><p>— Sei.</p><p>— E eu não sou muito de amizades super�ciais. Acho um</p><p>desperdício de tempo e energia. Então não sei se desperdicei meu</p><p>tempo com ela ou não, ou se estou desperdiçando agora… Está meio</p><p>difícil, acho.</p><p>Sorri para Elisa. Sua mão aquecera um pouco; apenas falar o que</p><p>estava acontecendo a trouxera de volta à vida. Contei sobre alguns</p><p>amigos de infância queridos — aqueles cujas vidas adultas se</p><p>conectaram com a minha e aqueles que não. Contei sobre Peter, um</p><p>amigo de vida inteira, que cresceu comigo na Índia, conheceu minha</p><p>querida amiga Alice em Cincinnati, casou-se com ela e acabou</p><p>tornando-se meu vizinho no Arizona.</p><p>— Alguns amigos permanecem por perto, outros vão embora e</p><p>voltam. É verdade que algumas boas amizades desaparecem, mas</p><p>todas valem a pena e nunca são um desperdício. Pense nas �ores de</p><p>primavera que temos aqui no Arizona — falei, apontando para a</p><p>paisagem do lado de fora da janela. — Aquelas margaridas africanas,</p><p>suas raízes são super�ciais e elas só dão �or durante algumas</p><p>semanas. Mas as raízes de um saguaro vão fundo o bastante para</p><p>resistir a ventos fortes e períodos de seca. Nenhuma dessas plantas é</p><p>mais bonita que a outra. Mas ambas ajudam este lugar a ganhar vida.</p><p>Sua amizade com Chloe não acabou; apenas mudou.</p><p>À medida que Elisa e eu conversamos, expliquei que algumas</p><p>amizades se destinam a ser profundas e durar décadas. Essas são as</p><p>pessoas com as quais contamos quando as coisas �cam difíceis. Outras</p><p>amizades se destinam a ser breves. Servem a um propósito especí�co</p><p>e terminam de modo natural. Outras ainda, quer durem anos, quer</p><p>minutos, permanecem num nível super�cial. São simpáticas e</p><p>positivas, mas em relações assim nunca chegamos a conhecer um ao</p><p>outro mais profundamente. Conheço milhares de pessoas e, em</p><p>algum nível, considero todas amigas.</p><p>— Considero você uma amiga também — eu disse, e Elisa sorriu.</p><p>— Você é mais nova do que eu e, como você era criança quando eu já</p><p>era adulta, pode parecer estranho pensar assim. Mas não tenho a</p><p>menor ideia de qual é a idade de sua alma, e você também não sabe a</p><p>idade da minha. Não sei o quão bem vamos nos conhecer no futuro.</p><p>Tudo é possível, assim como com sua amiga Chloe.</p><p>Apertei sua mão.</p><p>— Eu pensei que Chloe e eu seríamos melhores amigas para</p><p>sempre… e talvez sejamos. Talvez não. — Elisa suspirou. — Só não</p><p>quero ser a única a me esforçar para isso.</p><p>— Parece que é uma situação estressante para você — observei.</p><p>— E é. Mas acho que, se eu parasse de �car insistindo na amizade,</p><p>me sentiria menos estressada. Deixaria as coisas �uírem.</p><p>— Exatamente. Você pode fazer sua parte para se aproximar dela,</p><p>mas não pode controlar para onde essa vida está indo.</p><p>Conversamos um pouco mais, e Elisa pareceu relaxar com essa</p><p>ideia. Concordou em voltar a procurar Chloe durante as férias, e foi</p><p>embora. Nunca entrou em contato para saber do creme esteroide,</p><p>então imagino que o óleo de rícino (e talvez a conversa) tenha dado</p><p>certo.</p><p>Dou um jeito de fazer amizade com todos procurando o amigo</p><p>dentro deles. Encontro o ponto — mesmo que seja minúsculo — em</p><p>que nossas forças vitais �uem juntas e invisto nisso. Meu esforço pode</p><p>criar uma interação longa ou curta, profunda ou rasa.</p><p>Independentemente disso, faço um amigo. E vivemos um dia de cada</p><p>vez.</p><p>Para construir uma comunidade de amigos mais forte, comece</p><p>com as pessoas mais próximas de você: seus vizinhos. Passe para as</p><p>pessoas com as quais você interage no trabalho, aquelas que são</p><p>amigas de membros da família, atendentes de supermercado e de</p><p>postos de gasolina, dentistas, advogados �scais e cuidadores de cães</p><p>que fazem parte de sua vida. Seja amigo de crianças, adolescentes e</p><p>idosos. Seja amigo de todos, pelo menos um pouco, e invista nessas</p><p>amizades. Tudo o que você precisa é de um pouco de bondade e</p><p>curiosidade. É preciso apenas procurar sua parte e a parte deles que</p><p>podem �car amigas e construir algo a partir daí.</p><p>Também é importante permitir que o �uxo universal leve novas</p><p>pessoas para sua vida. Pergunte a si mesmo: quem cruzou meu</p><p>caminho recentemente? Quem precisa de minha atenção e meu</p><p>amor? Quando prestamos atenção em quem aparece em nosso</p><p>caminho, em quem precisa de nós ou tem algo a oferecer, ou as duas</p><p>coisas, nós nos abrimos para que o universo fale conosco por meio</p><p>dos outros.</p><p>Há o perigo de pensar que temos que concordar com tudo com</p><p>uma pessoa para aproveitar a companhia uns dos outros. Mas essa</p><p>premissa nos leva para os extremos. É natural que seja mais fácil</p><p>encontrar pontos em comum quando a vida de alguém é similar à</p><p>sua. Mas às vezes são as pessoas com quem compartilhamos mais</p><p>diferenças que abrem nossos olhos para enxergar o mundo por um</p><p>novo ângulo. Assim, faz todo o sentido interagir com gente de quem</p><p>não gostamos muito. Quando nos aproximamos de indivíduos que</p><p>pensam de modo muito diferente de nós com uma postura de</p><p>curiosidade, e não condenatória, nós crescemos.</p><p>Quando me mudei para Ohio, era um peixe fora d’água. As</p><p>mulheres mais abastadas �cavam em casa com os �lhos, e as outras</p><p>trabalhavam — nenhuma delas tinha o mesmo nível de educação</p><p>acadêmica que eu e nenhuma trabalhava por escolha própria. Eu</p><p>estava acostumada a me sentir deslocada; passara por isso na</p><p>faculdade, onde era a única em Ohio (além de Margaret) que fora</p><p>criada entre elefantes e falava hindustani, e passara por isso na escola</p><p>de medicina, onde minhas ideias sobre cura me puseram em</p><p>divergência com os outros aspirantes a médicos. Passara anos</p><p>exercendo uma pro�ssão dominada por homens, em que precisava</p><p>me rea�rmar repetidas vezes. Mas ainda sentia falta de conhecer</p><p>alguém como eu — e não encontrava naquela cidade carvoeira.</p><p>Margaret morava a 2 horas de distância, o que era uma dádiva divina,</p><p>e o irmão de Bill e sua esposa também viviam por perto, então segui</p><p>assim nos primeiros anos.</p><p>Além disso, parecia que ninguém me levava a sério como médica.</p><p>Muitas vezes, as pessoas preferiam ser tratadas por Bill ou por outros</p><p>médicos homens da cidade. Quando começamos, éramos dois dos seis</p><p>clínicos gerais da região, mas todos se aposentaram e então Bill foi</p><p>enviado para um serviço fora do estado. Todos os céticos em relação a</p><p>uma médica mulher acabaram se tornando meus pacientes.</p><p>Eu me apresentava com o mesmo conhecimento e o mesmo amor</p><p>de sempre e, em pouco tempo, conquistei a maior parte da cidade.</p><p>Foi quando comecei a experimentar o problema oposto. Aquele era</p><p>um lugar muito coeso, e eu era tão amistosa e aberta que as pessoas</p><p>não tinham a menor noção do que era apropriado numa relação</p><p>médico-paciente. Elas me abordavam na mercearia, no banco e na</p><p>rua, sempre à procura de conselhos médicos. Certa vez, tentei ir ao</p><p>cinema com meu cunhado e sua esposa e fui chamada pela polícia</p><p>pelo sistema de comunicação interno do cinema. Alguém estava com</p><p>um probleminha — não uma emergência, óbvio — e não conseguiam</p><p>me encontrar, então ligaram para a polícia, que recorrera aos rádios</p><p>para me localizar.</p><p>Até que tive caxumba — o que era comum antes da criação da</p><p>vacina — e �quei hospitalizada durante várias semanas em outra</p><p>cidade. Estava muito doente e não conseguia nem sequer cuidar de</p><p>meus �lhos, todos de cama com febre. Mas como eu era a única</p><p>clínica geral, as pessoas não conseguiam me deixar em paz nem</p><p>mesmo no hospital. Iam até lá e entravam sorrateiramente para me</p><p>perguntar sobre essa ou aquela infecção, ou iam até a janela e</p><p>gritavam “Dra. Gladys!”. Eu estava passando por uma situação</p><p>bastante difícil e precisava descansar, então uns médicos amigos do</p><p>hospital</p><p>acabaram me levando para sua casa, com bolsa de infusão</p><p>intravenosa e tudo, e passei os últimos dias de caxumba me</p><p>recuperando secretamente na sala de estar deles. Foi uma reviravolta</p><p>irônica: passei de uma médica rejeitada por completo para uma</p><p>médica tão necessária que não podia nem sequer convalescer de</p><p>modo apropriado.</p><p>Embora sempre desse um jeito de encarar a vida com humor,</p><p>minha experiência com a caxumba destaca uma grande questão que</p><p>muita gente enfrenta quando tenta construir uma comunidade:</p><p>limites. Pode ser difícil saber como interagir com pessoas que não</p><p>respeitam nosso espaço e nossas necessidades. É saudável se</p><p>relacionar com pessoas diferentes de nós, e às vezes até com pessoas</p><p>das quais não gostamos muito, mas como permanecer em contato</p><p>com aquelas que querem ativamente tirar nossa força vital ou que não</p><p>conseguem se relacionar de modo saudável? Como podemos</p><p>encontrar um amigo dentro de todos e nos conectarmos,</p><p>contribuindo assim para nossa força vital coletiva, sem que sejamos</p><p>drenados?</p><p>P</p><p>22</p><p>COMO ESTABELECER LIMITES</p><p>ara estabelecer limites saudáveis, precisamos antes saber quem</p><p>somos e o que viemos fazer aqui. Primeiro temos que entender o</p><p>que nos dá sumo e o que o drena porque isso nos revela o que há no</p><p>caminho de nossa alma e o que está interferindo nele. Para</p><p>estabelecer e manter os limites, temos que nos conhecer muito bem.</p><p>Podemos olhar para pessoas que incorporam essa autocon�ança</p><p>como fonte de inspiração, mas ainda assim cada um de nós tem a</p><p>responsabilidade de encontrar o próprio caminho.</p><p>Minha irmã, Margaret, foi um modelo importante durante toda</p><p>minha vida. Ela tinha muito em comum com nossa mãe e agia de</p><p>acordo com os próprios princípios sem menosprezar os outros por</p><p>terem ideias diferentes. A bondade tranquila de Margaret foi um</p><p>exemplo para mim. Na infância, eu fazia um contraponto ao jeito</p><p>dela; mas, quando aprendi a parar de lutar, passei o resto da vida</p><p>seguindo suas pegadas.</p><p>Quando o primeiro �lho nasceu, Margaret e o marido moravam</p><p>numa casinha com Mother Courtwright, sua sogra, que tinha um</p><p>quarto no andar de cima. Fui visitá-la quando o bebê ainda era recém-</p><p>nascido. Um dia, ele estava chorando e parecia que nada que</p><p>Margaret fazia ajudava. Em retrospecto, entendo que a criança devia</p><p>estar com gases ou cólica, e que o mal-estar não tinha nada a ver com</p><p>os cuidados de Margaret. Não obstante, Mother Courtwright desceu</p><p>as escadas e começou a dizer à minha irmã o que fazer.</p><p>Por trás das sugestões, havia uma energia de julgamento e</p><p>confronto. Acho que ela pensava que Margaret não estava preparada</p><p>para ser mãe. Seu tom era negativo, quase maldoso. Minha irmã</p><p>continuou embalando o bebê, segurando-o �rme junto a si. Por �m,</p><p>Mother Courtwright parou de falar e subiu as escadas.</p><p>Margaret continuou a ninar o bebê suavemente, completamente</p><p>calma. Aquilo me surpreendeu porque, se eu fosse tratada daquela</p><p>maneira, �caria extremamente frustrada. Perguntei à minha irmã</p><p>como era possível que ela não se incomodasse com o incidente.</p><p>— Ah, ela é assim — disse Margaret em meio ao cantarolar, a voz</p><p>vibrando de leve ao ritmo de seus joelhos. — Mas isso não é da minha</p><p>conta. Não tenho energia para isso. Meu �lho é mais importante.</p><p>Mother Courtwright viveu mais 20 anos e criticou minha irmã</p><p>durante quase todo esse tempo. Quando morreu, passara a respeitá-la</p><p>— tanto que no testamento deixou seu carro para Margaret.</p><p>Pensei muitas vezes no que aconteceu na sala de estar de minha</p><p>irmã. Sua a�rmação “Não tenho energia para isso” é a expressão mais</p><p>clara de limites com que já me deparei. Ela não quis dizer que não</p><p>possuía a energia, e sim que estava optando por investi-la em outro</p><p>propósito. A família era importante para Margareth, e para ela</p><p>parecia certo ter a sogra em casa. Aquela postura era necessária para</p><p>fazer a dinâmica funcionar.</p><p>Limites são um tema em alta na cultura de hoje. Mas com</p><p>frequência pensamos neles como jeitos de manter as pessoas de fora,</p><p>como muros de uma fortaleza. Acredito que é uma questão mal</p><p>compreendida. Limites vêm de nosso interior; consistem em como</p><p>escolhemos gastar nossa energia, o que merece atenção e o que não</p><p>merece.</p><p>Assim, nossos limites dependem apenas de nós. Não podemos</p><p>controlar quem aparece em nosso caminho nem a energia que essa</p><p>pessoa traz, e se esforçar demais para fazer dar certo é uma batalha</p><p>perdida que drena nossa força vital. Mas, em contrapartida, somos</p><p>responsáveis pela quantidade de atenção que damos às partes das</p><p>pessoas das quais não gostamos. Com o tempo, se há apenas uma</p><p>quantidade ín�ma de força vital positiva para alimentar, a relação vai</p><p>se tornar bastante super�cial ou mesmo minguar. Mas não há</p><p>necessidade de excluir ninguém¸ e sim descartar a energia negativa.</p><p>Desse ponto de vista, criar bons limites não implica deixar pessoas</p><p>de fora, mas exige de nós permitir que as melhores partes delas</p><p>entrem.</p><p>Uma de minhas pacientes colocou esse conceito em prática após</p><p>desenvolver um câncer de pulmão. Patty era uma fumante de longa</p><p>data, e sua doença avançou depressa, então, logo depois do</p><p>diagnóstico, ela foi hospitalizada. Telefonei para os médicos que a</p><p>tratavam para me informar com a esperança de que o tratamento</p><p>permitisse pelo menos que ela voltasse para casa.</p><p>— Ela não está bem — disse o médico do outro lado da linha. —</p><p>Está gravemente anêmica e fraca demais para ir para casa.</p><p>— Vocês podem fazer uma transfusão? — perguntei.</p><p>— Estamos tentando, mas ela não deixa. Seu corpo está fraco, mas</p><p>ela é bastante teimosa.</p><p>Fui ao hospital para conversar e tentar convencê-la. Expliquei que,</p><p>se não recebesse a transfusão, provavelmente morreria, ao que ela</p><p>respondeu:</p><p>— Eu sei, mas não concordo. Não posso deixar o sangue de outra</p><p>pessoa correr em minhas veias. É um estranho. Não sei nem se iria</p><p>gostar dessa pessoa. Além disso, e se estiver infectado? Não concordo.</p><p>Talvez meu corpo possa se curar sem uma transfusão.</p><p>Busquei compreender seu ponto de vista; mas, quando olhei o</p><p>prontuário, estava claro que ela precisava de ajuda. Seu corpo podia se</p><p>curar, mas tentar fazer isso com um nível de ferro tão baixo era uma</p><p>desvantagem desnecessária.</p><p>Pensei que poderia ajudá-la se conseguisse reformular seus</p><p>pensamentos, afastando-a da ideia de que ela estava num corpo</p><p>doente que precisava de sangue e incentivando a ideia de milagre:</p><p>talvez aquela fosse uma oportunidade sagrada de receber amor.</p><p>A�rmei que era bonito que alguém neste mundo a amasse o bastante</p><p>para doar seu sangue. Que essa pessoa, independentemente de quem</p><p>fosse, estava oferecendo a ela o melhor si, o que havia de mais</p><p>sublime. Falei que seu corpo estava lhe dizendo que estava muito</p><p>fraco e que esse tipo de apoio era necessário. Por sorte, alguém na</p><p>comunidade havia doado sangue por esse mesmo motivo. Não</p><p>importava quem era, apenas que essa pessoa havia se preocupado o</p><p>bastante para ajudar.</p><p>Essa mudança de perspectiva fez toda a diferença. Patty conseguiu</p><p>ver o sangue como um presente de amor que vinha da melhor parte</p><p>do doador. Recebeu a transfusão e logo se sentiu muito melhor,</p><p>conforme previsto. Ao aceitar o apoio da comunidade, ela recebeu a</p><p>força de que precisava para combater o câncer.</p><p>Nossos limites são um re�exo de quem somos e do que precisamos</p><p>— e como esses dois fatores estão em movimento, nossos limites</p><p>também precisam se mover. Isso não signi�ca que devemos deixar</p><p>que outras pessoas os removam, mas que temos que re�etir</p><p>regularmente sobre o que precisamos perguntando-nos qual é o</p><p>formato exato de nossa peça de quebra-cabeça em cada momento, e</p><p>realizar os ajustes necessários. De vez em quando, fazer isso pode até</p><p>ajudar outros a encontrar o formato de suas próprias peças de</p><p>quebra-cabeça e encaixá-las no lugar.</p><p>Como observei no capítulo 14, o dr. Milton Erickson iniciou um</p><p>grupo de hipnose em minha sala de estar no �m dos anos 1950. No</p><p>começo, eu adorava ser a an�triã; depois de anos me sentindo</p><p>deslocada em Ohio, eu estava feliz por estar no centro da ação no</p><p>Arizona. Mas, com a aproximação do �m da gravidez de meu</p><p>primeiro �lho, eu precisava</p><p>alguns dos pacientes</p><p>incríveis que tive o privilégio de apoiar enquanto eles se conectavam</p><p>mais profundamente com o propósito de sua alma, adotavam a</p><p>alegria de modo mais pleno e aprendiam a aceitar amor e cuidado de</p><p>fontes, por vezes, improváveis. Em alguns casos, a cura foi</p><p>simplesmente milagrosa. Mas existe uma ciência por trás desses</p><p>aparentes milagres. Trata-se de os pacientes se alinharem com a</p><p>energia de vida em seu interior.</p><p>Você vai notar que cada uma dessas pessoas teve que participar</p><p>ativamente de sua cura. Teve que mudar de perspectiva por vontade</p><p>própria usando qualquer que fosse a força vital que tinha. Tratei</p><p>todos esses pacientes com amor enquanto os ajudava a enfrentar seus</p><p>desa�os. Alguns se curaram de uma enfermidade física, e outros</p><p>aprenderam a conviver em paz com uma doença crônica. Alguns</p><p>acabaram morrendo, e outros viveram quase tanto quanto eu. Todos</p><p>desenvolveram uma alma mais saudável, se reconectaram com seu</p><p>propósito de vida e viveram bem.</p><p>Além dos relatos provenientes de minha prática, vou compartilhar</p><p>casos de fora da clínica. Minha trajetória incomum de vida me levou a</p><p>todos os cantos do mundo e foi longa o bastante para me render</p><p>algumas boas histórias para contar. Sinto que estou cumprindo meu</p><p>propósito tanto quando desempenho meu papel de mãe, avó, bisavó e</p><p>agora até tataravó, como quando desempenho meu papel de médica,</p><p>portanto incluí pedacinhos dessa parte também. Aprendo algo novo</p><p>todos os dias, e tive muitas oportunidades de praticar o que prego.</p><p>Também tenho a bênção de ser in�uenciada por um monte de</p><p>gente extraordinária. Neste livro vão aparecer: meus pais, o dr. John</p><p>Taylor e a dra. Magdelene Elizabeth Siehl Taylor, ou Beth, que são</p><p>uns dos osteopatas pioneiros e pessoas de fé, que dedicaram a vida a</p><p>Í</p><p>tratar populações carentes na Índia e criaram a mim e a meus quatro</p><p>irmãos entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial; dois de meus</p><p>irmãos, o dr. Carl Taylor e Margaret Taylor Courtwright, que</p><p>enfrentaram cada momento da vida com alegria até morrerem;</p><p>minha tia Belle, uma pessoa determinada; e nossa querida babá,</p><p>Harday, que chamávamos de “Ayah” (Ayah e seu marido, Dar, que</p><p>cozinhava para nós, eram parte da família, embora eu reconheça que</p><p>hoje provavelmente a chamaríamos por outro nome); e vários nomes</p><p>conhecidos de �guras públicas pioneiras cuja vida por acaso se cruzou</p><p>com a minha.</p><p>Ao ler essas histórias, espero que possa dar mais sentido à sua vida.</p><p>Minha intenção é ajudar você a explorar cada situação para entender</p><p>seus singulares corpo e alma e assumir o comando de sua vida e sua</p><p>cura. Tratei milhares de pacientes, e nenhum foi igual ao outro. Você</p><p>está forjando seu próprio caminho na vida. Sua alma tem uma missão</p><p>sagrada única e está abrigada em seu corpo único e magní�co, e só</p><p>você pode direcionar esse processo.</p><p>Por meio dessas histórias, você vai conhecer meus seis segredos a</p><p>um nível pessoal. Grande parte de minha �loso�a estava à margem da</p><p>verdade aceita, mas a ciência a está alcançando! Tenho convicção de</p><p>que é importante aceitar a ciência, uma vez que ela nos proporciona</p><p>uma maneira clara e concreta de entender o mundo. Sou pró-ciência</p><p>porque sou pró-pergunta — gosto de mergulhar nas coisas e descobri-</p><p>las. Ao mesmo tempo, ser pró-pergunta signi�ca entender que há</p><p>muitas coisas que a ciência ainda não explicou. Sempre vale a pena</p><p>fazer uma pergunta, mesmo que ainda não saibamos a resposta.</p><p>Além de apresentar meus segredos, vou ajudar você a colocá-los em</p><p>prática, tanto no coração como no corpo, por meio de uma série de</p><p>exercícios simples. Cada segredo inclui uma breve prática</p><p>contemplativa, que incentivo você a desenvolver como achar</p><p>adequado — numa caminhada, com caneta e papel, ou de qualquer</p><p>jeito que lhe atraia. Nenhum desses segredos é uma cura para tudo;</p><p>são mais o que minha mãe chamaria de “quebra-galho”, o que nos</p><p>impele a aproveitar ao máximo o que nos foi dado. E com certeza não</p><p>são lição de casa porque sempre odiei dever de casa! São apenas</p><p>práticas simples que podem inspirar uma perspectiva nova e holística</p><p>de como viver bem a vida.</p><p>Espero que, ao praticar esses exercícios um certo número de vezes,</p><p>eles possam se tornar hábitos que você vai levar para a vida toda. Você</p><p>também pode adaptá-los às suas necessidades porque, se for para tirar</p><p>uma coisa deste livro, espero que seja a certeza de que é</p><p>absolutamente capaz de direcionar sua saúde e sua cura, bem como</p><p>sua vida e seu aprendizado. Acredito que não basta falar sobre essas</p><p>ideias, precisamos vivê-las e torná-las reais, senti-las em nossos corpos.</p><p>Portanto, uma vez que você esteja disposto a pensar sobre esses</p><p>tópicos, vou oferecer maneiras simples para expressá-los e senti-los</p><p>por meio de práticas incorporadas.</p><p>Se você está lendo este livro, já está na jornada para se alinhar com</p><p>sua alma e se conectar com seu propósito. Mas nenhum de nós</p><p>consegue fazer isso sozinho, principalmente agora.</p><p>Ao longo da vida, muitos de nós se veem fazendo perguntas</p><p>profundas e prementes: Quem sou eu de verdade? Por que estou aqui?</p><p>Como devo viver meus dias? Devo fazer o quê, e com quem? Quando tudo</p><p>acabar, o que vai ter feito a vida valer a pena? Entremeadas de incertezas,</p><p>essas perguntas parecem ainda mais urgentes hoje.</p><p>Quero que você acesse a sabedoria em seu interior que gosta de</p><p>re�etir sobre essas perguntas e não tem pressa para respondê-las.</p><p>Quero ajudar você a enxergar tudo que é possível quando nos</p><p>conectamos com nossa verdade — sem nos importarmos com o que</p><p>os outros dizem sobre isso.</p><p>Antes de começarmos, tenho uma história para compartilhar.</p><p>No início dos anos 1930, eu estava a bordo de um trem de Délhi</p><p>para Bombaim (hoje Mumbai) com minha família, sentindo pena de</p><p>mim mesma por estar retornando para os Estados Unidos, onde seria</p><p>submetida a vestidos passados a ferro, modos apropriados e outras</p><p>coisas que meu ser de coração selvagem não suportava. Por �m, eu</p><p>tinha conseguido uma professora da qual gostava na escola e estava</p><p>arrasada por partir, mas meus pais me asseguraram que voltaríamos</p><p>em breve. Haviam recebido uma licença e �caríamos perto da</p><p>fazenda de trigo da família de meu pai, no Kansas. Eu não imaginava</p><p>que, quando chegássemos, a Grande Depressão se abateria sobre o</p><p>país e nos obrigaria a �car no Kansas por mais de 2 anos — aos 9</p><p>anos, eu não tinha como entender a situação. Tudo o que sabia era</p><p>que estávamos deixando a Índia, dizendo adeus a Ayah e Dar, e indo</p><p>para uma terra distante que eu visitara apenas uma vez e da qual não</p><p>me lembrava.</p><p>Eu pressionava o rosto empoeirado contra as grades da janela do</p><p>trem, olhando a terra querida onde nascera, quando o trem começou</p><p>a reduzir a velocidade. Uma multidão havia se formado ao longo dos</p><p>trilhos da ferrovia acompanhando uma procissão à frente. As</p><p>mulheres estavam vestidas com suas melhores roupas, e crianças</p><p>dançavam e jogavam �ores. Adiante, na primeira classe, todos</p><p>continuaram sentados recatadamente, como se nada estivesse</p><p>acontecendo. Mas no carro da terceira classe, onde estávamos eu e</p><p>minha família, pessoas saíam pelas janelas e corriam para se juntar à</p><p>multidão; outras corriam em cima dos vagões, os pés retumbando</p><p>sobre o teto de metal.</p><p>Enquanto o trem avançava devagar e alcançava a procissão,</p><p>começamos a ver as pessoas marchando adiante. À frente, havia um</p><p>homenzinho vestindo um dhoti branco simples — um pano amarrado</p><p>em volta da cintura e das coxas — e carregando um larthi, um cajado</p><p>de madeira. Embora o sol estivesse forte, ele seguia com alegria,</p><p>envolvido em sua vida e propósito. Àquela altura, as pessoas haviam</p><p>começado a gritar seu nome, mas eu já sabia que estava vendo a lenda</p><p>sobre a qual meus pais haviam me contado com tanto respeito, o</p><p>homem que estava resgatando o povo da opressão e o levando para a</p><p>luz do empoderamento: Gandhiji.</p><p>O trem parou e, depois de horas sentindo o ronco monótono em</p><p>meu corpo, o silêncio repentino pareceu elétrico.</p><p>Nesse momento, uma criança correu até o mahatma com uma �or.</p><p>Gandhi parou, curvou-se e a recebeu. Quando ele fez isso, eu vi amor</p><p>emanando de todo</p><p>descansar, e as discussões exaltadas sobre</p><p>a natureza da consciência até tarde da noite, toda terça-feira, estavam</p><p>começando a me incomodar. Eu já não participava das conversas, só</p><p>queria dormir. Uma noite, eu disse a Bill e a Milton:</p><p>— Chega. O grupo de discussão precisa encontrar uma nova casa.</p><p>Eu estava grávida e cansada, então não fui muito delicada ao</p><p>expressar meu desejo.</p><p>Eles resmungaram um pouco — acho que Bill também gostava de</p><p>exercer um papel central nas discussões importantes que estavam</p><p>acontecendo, e Milton queria que tudo continuasse como sempre</p><p>havia sido —, mas logo depois eles encontraram um lugar mais formal</p><p>para receber o grupo. A mudança levou a uma discussão mais</p><p>profunda sobre os objetivos do grupo no longo prazo, o que</p><p>incentivou os membros principais a formar a Sociedade Americana de</p><p>Hipnose Clínica (ASCH). Até hoje, a ASCH é a maior organização de</p><p>pro�ssionais da saúde e da saúde mental que trabalham com hipnose</p><p>em ambiente clínico.</p><p>O limite que estabeleci era parte da jornada de minha alma;</p><p>naquele momento, eu precisava mais cuidar do bebê que crescia</p><p>dentro de mim e preparar meu corpo para o nascimento do que ouvir</p><p>os longos debates sobre o inconsciente. Mas isso também era parte da</p><p>jornada de alma de Milton, bem como das jornadas das outras almas</p><p>que seriam afetadas pelo trabalho da ASCH nas décadas que se</p><p>seguiram. Minha decisão criou uma crise temporária a respeito do</p><p>lugar onde o grupo iria se reunir, mas foi bené�ca. É assim que</p><p>limites bem delimitados funcionam: eles contribuem para o bem do</p><p>todo.</p><p>Estabelecer limites nem sempre é fácil. Naquela situação, não</p><p>gostei de ser a esposa grávida reclamona, assim como Bill e Milton</p><p>não gostaram de ser postos para fora de sua zona de conforto.</p><p>Quando estava bem-disposta, conseguia usar um pouco de humor</p><p>para amenizar o golpe.</p><p>A situação chegou a um ponto crítico em Ohio quando constatei</p><p>que mal conseguia ir ao mercado sem ser abordada por pessoas com</p><p>queixas de saúde. Numa manhã de sábado, estava fazendo compras</p><p>com todos os quatro �lhos a reboque — Bill estava fora; eu, exausta e</p><p>impaciente; e as crianças, particularmente agitadas. Uma paciente me</p><p>viu no corredor dos biscoitos e foi diretamente ao encontro do meu</p><p>carrinho. Suspirei, pensando lá vamos nós de novo.</p><p>Para meu espanto, Yvonne não me abordou com uma queixa fácil e</p><p>super�cial — começou a falar sobre uma infecção ginecológica que</p><p>começara havia algum tempo, incluindo todos os detalhes em alto e</p><p>bom som. Estávamos nos anos 1940 e, embora eu não tenha nenhum</p><p>problema em discutir ginecologia com minhas pacientes na clínica, o</p><p>corredor me pareceu um lugar estranho para isso. Meus meninos</p><p>mais velhos estavam se atracando no chão, mas os dois menores</p><p>estavam sentados no carrinho, ouvindo todos os detalhes de olhos</p><p>arregalados.</p><p>Quando ela começou a detalhar �uidos corporais, percebi que</p><p>meu �lho mais velho parou para prestar atenção. Não aguentei.</p><p>— Yvonne, por que não se deita aqui agora — falei, apontando</p><p>para o chão do supermercado — e abaixa a calcinha? Vou �car feliz</p><p>em examinar você.</p><p>Abri um sorriso dócil para minha paciente, disposta a cumprir a</p><p>promessa, e peguei a bolsa como se procurasse os instrumentos. Os</p><p>dois meninos interromperam a briga — conheciam aquele tom de voz</p><p>e sempre �cavam com a orelha em pé ao ouvirem uma palavra</p><p>escandalosa como “calcinha”.</p><p>Yvonne �cou vermelha.</p><p>— Aqui? — perguntou ela, olhando em volta.</p><p>— Ou você pode marcar uma consulta para segunda-feira —</p><p>propus, como se fosse uma ideia igualmente boa.</p><p>— Ah! Ah, sim, acho que vou fazer isso.</p><p>— Vejo você na segunda-feira, então — falei enquanto empurrava</p><p>o carrinho em direção ao próximo corredor com meus dois �lhos</p><p>mais velhos chocados e soltando risinhos atrás de mim e os dois mais</p><p>novos alegres no carrinho.</p><p>Gosto de pensar que o humor deu um ar mais leve ao limite que</p><p>estabeleci — e, pelo menos, marcou uma ocasião que meus quatro</p><p>�lhos jamais esqueceriam.</p><p>Penso que parte do motivo pelo qual as pessoas eram tão cordiais</p><p>comigo naquela cidade era porque eu dava a meus pacientes o que</p><p>precisavam. Nem sempre eu podia resolver seus problemas, mas me</p><p>tornei uma presença constante em suas vidas. Deixei de ser</p><p>totalmente rejeitada para estar tão presente que tive que começar a</p><p>estabelecer limites para sobreviver.</p><p>O que oferecemos à comunidade é tão importante quanto o que</p><p>recebemos. É fácil esquecer isso; muitos de nós tendemos a pensar</p><p>primeiro no que podemos ganhar. Mas ganhamos muito ao oferecer</p><p>o que temos e compartilhar. Então como começar? Como dar o</p><p>melhor de nós mesmos, contribuindo para a força vital coletiva em</p><p>qualquer situação?</p><p>A</p><p>23</p><p>O PODER DA ESCUTA</p><p>conexão com Margaret foi um dos fatores que me ajudaram a</p><p>atravessar aqueles anos longos e movimentados em Ohio. Ela</p><p>morava em Pittsburgh, a 2 horas de distância, o que era uma bênção.</p><p>Também criava �lhos pequenos e trabalhava em horário integral em</p><p>assistência médica. Treinara como enfermeira na Johns Hopkins e,</p><p>como todos os �lhos da família Taylor que haviam entrado para a</p><p>medicina, estava interessada em promover a visão de nossos pais sobre</p><p>saúde e bem-estar. Tínhamos muitas coisas em comum para nos unir.</p><p>Nós nos víamos sempre que podíamos e púnhamos nossos �lhos</p><p>para brincar juntos, então começávamos a falar. Eu trazia uma energia</p><p>intensa e ideias renegadas, e ela trazia uma sensibilidade tranquila e</p><p>delicadeza pura. Minha irmã mais velha foi a amiga mais amável e</p><p>afetuosa que já tive. Às vezes eu �cava exaltada, e ela apenas me</p><p>encarava com seus grandes olhos azuis, à espera de que eu me</p><p>acalmasse, enquanto ela escutava. Entre um encontro e outro,</p><p>ligávamos bastante uma para a outra. Eu falava, e ela me ouvia; depois</p><p>ela me contava o que estava acontecendo, enquanto eu retribuía o</p><p>favor.</p><p>Eu passava muito tempo escutando pacientes, um após o outro.</p><p>Realmente prestava atenção no que tinham a dizer, não apenas sobre</p><p>seus males físicos, mas sobre as di�culdades que enfrentavam na vida.</p><p>Muitos deles, principalmente as mulheres, nunca haviam encontrado</p><p>alguém que vissem como uma �gura de autoridade para ouvi-los. De</p><p>início, tinham di�culdade de expressar suas verdades; mas, à medida</p><p>que se sentiam mais confortáveis comigo, as coisas começavam a �uir.</p><p>A habilidade de escutar sempre foi útil para mim porque muitas</p><p>vezes é o melhor jeito de começar a interagir positivamente com a</p><p>comunidade. Escutar de verdade nos ajuda a entender as perspectivas</p><p>e as di�culdades uns dos outros. Quando escutamos uma pessoa, ela</p><p>se sente menos sozinha — e nós também. Esse é um dos atos mais</p><p>importantes que podemos fazer por aqueles à nossa volta.</p><p>Margaret e meu irmão mais velho, Carl, entendiam a importância</p><p>da escuta. Depois de uma infância saudável me ensinando a dar um</p><p>murro e implicando comigo por ser um dhamar dhol (“balde</p><p>desajeitado” em hindustani, uma ofensa dirigida a meus braços e</p><p>pernas desengonçados), Carl ingressou na Harvard Medical School.</p><p>Praticou medicina no Panamá e na Índia, e então retornou aos</p><p>Estados Unidos para fundar a disciplina acadêmica de saúde</p><p>internacional por meio de seu trabalho inovador na Johns Hopkins.</p><p>Um de seus muitos projetos, o Future Generations, consistia em</p><p>trabalhar com comunidades locais para melhorar os parâmetros de</p><p>saúde de mulheres que davam à luz em províncias rurais do</p><p>Afeganistão. Tínhamos ambos mais de 80 anos quando ele me ligou e</p><p>perguntou se eu gostaria de ajudá-lo.</p><p>— O problema, Dhamar, é que essas mulheres não falam com</p><p>ninguém sem a permissão dos maridos; e, mesmo quando têm</p><p>permissão, �cam meio quietas. Precisamos conversar e entender</p><p>como elas estão dando à luz para descobrir o que está sendo feito</p><p>errado. O índice de mortalidade infantil-maternal é chocante em</p><p>algumas dessas comunidades, e tenho certeza de que há mais do que</p><p>apenas problemas de saneamento e pobreza em jogo. Você sabe</p><p>escutar, então talvez elas falem com você.</p><p>Aceitei, e logo depois estava num voo para o Afeganistão. Como os</p><p>partos eram feitos em grande parte por mulheres, eu e minha colega,</p><p>a dra. Shukria, nos dirigimos a várias vilas e convidamos duas</p><p>mulheres de cada uma para participar do programa de residência.</p><p>Fazê-las se inscrever não foi fácil — na verdade, quando pedíamos</p><p>para conversar com elas, muitos maridos não deixavam. Quando</p><p>sugeríamos que, então, enviassem as sogras, eles concordavam</p><p>prontamente.</p><p>Durante uma semana, moramos todas juntas numa casa e passamos</p><p>a nos conhecer. Minha colega e eu pedimos às mulheres para nos</p><p>contar suas histórias de parto a �m de tentarmos identi�car o</p><p>problema. Escutá-las foi uma experiência forte, pois muitas nunca</p><p>haviam tido uma chance de falar sobre os desa�os associados à</p><p>gravidez e ao parto, e suas histórias nunca haviam sido ouvidas,</p><p>mesmo por outras mulheres das comunidades. Ao escutar, nós</p><p>passávamos a mensagem de que elas eram importantes e que cada</p><p>uma daquelas histórias também era.</p><p>Depois que as mulheres começaram a falar, foi fácil entender o que</p><p>estava acontecendo; algumas delas conseguiram até descobrir</p><p>sozinhas. A prática do jejum durante o trabalho de parto deixava-as</p><p>fracas e tornava mais difícil — às vezes impossível — empurrar os</p><p>bebês durante o processo. O corte do cordão umbilical sem</p><p>esterilização expunha as crianças a infecções. Mudanças práticas</p><p>simples podiam ser implementadas para reduzir o índice de</p><p>mortalidade. Como nós havíamos escutado as mulheres, elas se</p><p>dispuseram a nos escutar.</p><p>A dra. Shukria e eu fornecemos instruções simples sobre higiene,</p><p>nutrição, anatomia etc., depois as enviamos de volta para as vilas para</p><p>divulgar as informações na comunidade. Quando têm um</p><p>conhecimento, as mulheres ensinam umas às outras. Semanas depois,</p><p>as orientações se espalharam pelas áreas rurais por meio de uma rede</p><p>de comunicação comunitária já existente. Tudo o que precisamos foi</p><p>que as mulheres falassem e que as outras as ouvissem.</p><p>Almas bondosas como Carl, a dra. Shukria e os milhões de</p><p>trabalhadores de ajuda humanitária internacionais que levam</p><p>assistência médica a lugares distantes do mundo nos mostram que a</p><p>coisa mais importante a oferecer aos outros é, muitas vezes, nossa</p><p>presença. Nossa primeira função no Afeganistão foi escutar, não</p><p>consertar. Acredito que dar àquelas mulheres um espaço seguro para</p><p>falar sobre suas experiências no início do processo foi tão importante</p><p>quanto a educação e os recursos que demos a elas mais tarde.</p><p>Tivemos que con�ar que escutá-las era importante.</p><p>Em troca, elas tiveram que con�ar que o que tinham a dizer era</p><p>importante também. A maioria nunca tinha conversado sobre seus</p><p>partos. Muitas nunca haviam falado abertamente sobre os �lhos e as</p><p>gestações que haviam perdido ao longo dos anos, sobre as amigas que</p><p>haviam visto morrer no parto, ou logo depois, e sobre as</p><p>enfermidades — como lacerações perineais não tratadas e fístulas.</p><p>Não sabiam que as informações que tinham eram valiosas para nós e</p><p>para a comunidade como um todo.</p><p>Apesar disso, as mulheres que conheci no Afeganistão eram</p><p>perfeitamente esclarecidas sobre comunidade sob muitos outros</p><p>aspectos. Notei que contavam umas com as outras. Trabalhavam</p><p>juntas, cozinhavam juntas, compartilhavam e pediam umas às outras</p><p>itens de que precisavam. Elas me receberam bem, embora não</p><p>compartilhássemos a língua, a cultura, o nível de instrução nem o</p><p>conforto econômico. Nós nos apoiamos em outros pontos em</p><p>comum: a maternidade, o parto e nossos papéis como avós ao criar a</p><p>geração seguinte. Chegamos com o que tínhamos, encontramos</p><p>pontos em comum e criamos uma nova comunidade juntas.</p><p>Ao �m da semana, �quei particularmente impressionada com o</p><p>poder do que havíamos construído quando algumas mulheres me</p><p>convidaram para um dia de passeio nas montanhas. Foi uma viagem</p><p>longa em lombo de burro e, embora eu ainda seja bastante resistente,</p><p>aos 86 anos estava preocupada com como meu corpo lidaria com o</p><p>balançar ao longo do caminho. Uma das mulheres viu que eu estava</p><p>com di�culdade de me manter ereta e quis ajudar. Ela se aproximou e</p><p>me segurou pelo único equipamento que eu usava no momento: meu</p><p>sutiã. Lá fui eu, montanha acima, com um grupo de mulheres afegãs,</p><p>um burro e aquela mão segurando �rme a alça de meu sutiã.</p><p>Em comunidade, é assim que apoiamos uns aos outros: como</p><p>podemos. Quando tentamos ajudar uns aos outros com o que temos,</p><p>recebemos sumo. Quando recebemos conexão abertamente, sem</p><p>medo, não há montanha que não possamos subir — com burro, alça</p><p>de sutiã e tudo mais.</p><p>Alinhar a força vital com a comunidade dessa forma tem um efeito</p><p>profundo e nos abre para possibilidades que talvez nunca tenhamos</p><p>considerado. A vida em si se manifesta para nos apoiar por meio da</p><p>comunidade. Quando mais precisamos, ela envia ajudantes, ou anjos</p><p>humanos, para nosso resgate.</p><p>O</p><p>24</p><p>ANJOS EXISTEM</p><p>Deaconess Hospital é uma instituição pioneira: fundado em</p><p>1888, foi o primeiro hospital geral em Cincinnati, Ohio. Mas,</p><p>quando iniciei meu internato ali, quase 60 anos depois, nenhuma</p><p>médica mulher havia feito parte da equipe ainda. Sempre soubera</p><p>que teria que criar meu próprio caminho enquanto mulher na</p><p>medicina, assim como minha mãe. Mas, como a maior parte de minha</p><p>experiência provinha da escola de medicina apenas para mulheres, e</p><p>como as mulheres estavam sendo bem recebidas em certas áreas da</p><p>força de trabalho em tempo de guerra, eu esperava ser bem recebida</p><p>como primeira médica em Deaconess.</p><p>Essa esperança foi por água abaixo no primeiro dia. Não havia</p><p>lugar para eu �car quando estava de plantão; portanto, embora os</p><p>médicos homens recebessem um quarto para dormir, eu tinha que</p><p>levar um travesseiro e uma coberta e descansar na mesa de raio X.</p><p>Estava empolgada com o internato porque este incluía vários meses</p><p>na obstetrícia, mas passei vários outros meses em cirurgia ortopédica.</p><p>Foi quando me deparei com um problema real porque o residente-</p><p>chefe do departamento de cirurgia, que seria meu chefe durante</p><p>aqueles meses, parecia já ter decidido que não gostava de mim.</p><p>Essa foi uma das primeiras vezes, mas não a última, que enfrentei</p><p>discriminação de gênero na medicina. O residente-chefe deixou claro</p><p>que achava que mulheres não deveriam ser médicas —</p><p>principalmente as grávidas. Eu estava casada com Bill havia alguns</p><p>meses quando iniciei o internato, e estávamos ávidos para começar a</p><p>ter os seis �lhos que havíamos planejado. Quando a primeira gravidez</p><p>começou a aparecer, o residente-chefe tornou sua opinião conhecida.</p><p>Marcou uma cirurgia para mim às sete e meia da manhã, o que</p><p>signi�cava que eu não comeria nada antes porque a cafeteria só abria</p><p>às oito. Depois notei que ele estava me encarregando dos</p><p>procedimentos cirúrgicos ortopédicos mais demorados e difíceis. Meu</p><p>enjoo matinal se tornou mais intenso, e eu fazia de tudo para</p><p>esconder o quanto me sentia mal. Em troca, ele parecia estar fazendo</p><p>de tudo para deixar minha vida mais difícil, chamando-me pelo</p><p>interfone para qualquer problema pequeno ou tarefa que surgia,</p><p>assegurando que eu quase nunca tivesse tempo de descansar a cabeça</p><p>ou mesmo os pés.</p><p>Ao perceberem isso, algumas enfermeiras me apoiaram. Foi o que</p><p>fez também uma mulher amável chamada Lucille, cujo trabalho era</p><p>limpar o chão à noite. Ela era tão gentil que chegou a me acobertar</p><p>certa vez quando me escondi no armário para vomitar numa bandeja</p><p>de aço usada para guardar ferramentas cirúrgicas. O residente-chefe</p><p>havia me chamado pelo interfone logo após o enjoo, e entrei em</p><p>pânico, sem saber como iria limpar aquilo a tempo de responder.</p><p>Quando abri a porta do armário, me deparei com Lucille. Ela insistiu</p><p>para que eu a deixasse limpar e fosse atender ao mais recente</p><p>capricho do supervisor.</p><p>Eu me mantive �rme no hospital, resistindo ao máximo. À medida</p><p>que o residente-chefe se tornava cada vez mais agressivo em sua</p><p>antipatia, continuei a fortalecer minha resolução: não apenas</p><p>terminaria o internato, como mostraria a todos eles que as mulheres</p><p>— mesmo as grávidas — eram tão capazes quanto os homens de</p><p>praticar medicina.</p><p>De repente, a escala — divulgada toda semana numa lousa no</p><p>andar da cirurgia — começou a agir a meu favor misteriosamente.</p><p>Meu nome</p><p>aparecia ao lado de cirurgias mais breves programadas</p><p>para horários mais razoáveis.</p><p>Um dia, o residente-chefe me confrontou num corredor, furioso.</p><p>— Por que você está mudando a escala? — interpelou.</p><p>— Não estou fazendo nada — respondi.</p><p>Era verdade. Não tinha a menor ideia de quem estava mudando a</p><p>lousa. Senti como se o universo estivesse respondendo às minhas</p><p>preces. Não estava surpresa, mas �quei agradecida. Alguém se</p><p>importava comigo e estava cuidando de mim, mesmo que eu não</p><p>soubesse quem era.</p><p>Muita gente já experimentou esse mesmo sentimento. Anos depois</p><p>de meus pais se mudarem para a Índia, a irmã mais nova de meu pai,</p><p>Belle Taylor, inspirada por minha mãe, ingressou na escola de</p><p>medicina osteopática. Como não era casada, tia Belle era chamada de</p><p>“solteirona”. Apesar disso, e do fato de que aqueles eram os anos</p><p>1920, ela foi para a Índia a �m de iniciar o próprio trabalho</p><p>missionário. Com o tempo, deixou a missão e acabou se instalando a</p><p>algumas horas de distância de meus pais, onde fundou e administrou</p><p>um orfanato independente.</p><p>Fiz uma viagem para visitar meus pais em 1969 e fui ver tia Belle no</p><p>orfanato. Muitas crianças estavam trabalhando num projeto grande,</p><p>fazendo tijolos de barro e pondo-os ao sol para secar. Perguntei para</p><p>que eram os tijolos, e ela explicou que o objetivo era construir um</p><p>novo estábulo. O orfanato estava sempre com pouca comida para</p><p>alimentar muitas bocas famintas, e tia Belle decidira que uma boa</p><p>vaca leiteira poderia ser a resposta para o problema.</p><p>— Mas vocês não têm uma vaca — falei devagar, olhando em volta</p><p>para ter certeza de que não estava errada.</p><p>— Ainda não, não temos. Mas é assim que a fé funciona. Pode</p><p>apostar, se construirmos um estábulo, o Senhor vai ver que é preciso</p><p>enviar uma vaca para as crianças.</p><p>Ao longo de várias semanas, as crianças �zeram tijolos e</p><p>construíram o galpão. Quando a argamassa secou ao sol, ainda não</p><p>havia nenhuma vaca. Então elas criaram um comedouro, encheram-</p><p>no de feno e esperaram.</p><p>Alguns dias depois, uma vaca apareceu passeando no quintal com</p><p>as tetas pesadas de leite. Ela farejou o feno e foi direto para o galpão!</p><p>Tia Belle caiu de joelhos para agradecer ao Senhor por enviar um</p><p>milagre como aquele. Minutos depois, ela se levantou e voltou ao</p><p>trabalho. Estava grata por a vaca ter aparecido, mas nem um pouco</p><p>surpresa.</p><p>Quando desenvolvemos uma relação de dar e receber com o</p><p>mundo, começamos a encontrar apoio em quase todo lugar para</p><p>onde olhamos. Emanamos energia boa e logo a recebemos de volta.</p><p>Assim como tia Belle, podemos passar a contar com isso. Ao criar e</p><p>fortalecer uma comunidade, podemos con�ar que ela vai estar</p><p>presente em nossos momentos difíceis. Isso exige fé — mas não</p><p>necessariamente do tipo espiritual ou religioso. Quer ponhamos a fé</p><p>em algo mais elevado, como tia Belle fez por toda a vida, quer em nós</p><p>mesmos e em nossa capacidade de criar uma estrutura social de</p><p>apoio, nossos esforços para criar uma comunidade contribuem para a</p><p>força vital coletiva, o que permite que o universo se manifeste para</p><p>nos apoiar como resposta.</p><p>A fé inabalável de tia Belle de que o Senhor a apoiava teve um</p><p>efeito enorme sobre mim — assim como a fé de minha mãe e meu</p><p>pai. Fui criada por adultos que davam sua energia à comunidade e</p><p>esperavam o mesmo em troca. Esses exemplos me tornaram uma</p><p>pessoa que vê o mundo como algo do qual sou parte integrante e no</p><p>qual, portanto, posso con�ar por completo.</p><p>Quando Bill e eu estávamos na escola de medicina, não tínhamos</p><p>um tostão. Mas queríamos receber as pessoas em nossa casa de recém-</p><p>casados no Dia de Ação de Graças, então convidamos amigos do</p><p>hospital.</p><p>No Dia de Ação de Graças, fomos todos assistir a uma partida de</p><p>futebol americano. Depois, planejávamos levar os amigos para casa</p><p>para a refeição do feriado. No intervalo, confessei à minha amiga</p><p>Alice: eu não havia cozinhado nada! Não tínhamos dinheiro para</p><p>fazer uma compra de mercado a mais, então falei para Bill fazer uma</p><p>prece e torcer pelo melhor. Ele balançou a cabeça, mas con�ou em</p><p>mim: quando eu tinha um pressentimento de que as coisas se</p><p>resolveriam, quase sempre estava certa. Como último recurso,</p><p>planejei servir sanduíches de manteiga de amendoim.</p><p>Quando terminei de explicar, Alice me olhou horrorizada.</p><p>— Sanduíches de manteiga de amendoim? — repetiu ela.</p><p>Mas eu sorri porque achava que não chegaria a esse ponto. No</p><p>fundo, acreditava �rmemente que algo aconteceria.</p><p>Quando voltamos para casa, ainda estávamos à espera de um</p><p>milagre. Ao abrir a porta da sala de jantar, vi uma refeição inteira de</p><p>Ação de Graças posta sobre a mesa: recheios, purê de batatas, molhos</p><p>e um peru assado no centro, tudo em minhas melhores louças. Alice</p><p>olhou e riu.</p><p>— Eu sabia que você estava brincando, Gladys! — disse ela.</p><p>— Eu não estava. Não sei de onde veio isso! Estou falando sério!</p><p>Foi quando notei um bilhete sobre a bancada. Era de nossos</p><p>vizinhos do andar de cima. Eles haviam preparado o jantar e estavam</p><p>prestes a comer quando foram informados sobre uma emergência</p><p>familiar, então tiveram que ir às pressas para o aeroporto. Não</p><p>queriam desperdiçar a comida, então a haviam trazido para nós.</p><p>Embora a emergência familiar que os levou para o aeroporto fosse</p><p>uma coincidência, o fato de terem escolhido nos doar a refeição não</p><p>era. Conhecíamos os vizinhos e éramos amigos. Eles sabiam que</p><p>éramos recém-casados com di�culdades e sem muitos parentes por</p><p>perto, e suponho que gostavam de nós. A fé foi o que me permitiu</p><p>assistir àquele jogo de futebol americano sem nenhuma preocupação:</p><p>não apenas fé que o universo cuidaria de mim, mas fé que eu criara as</p><p>condições certas para que o universo �zesse isso. A verdade é que eu</p><p>teria me orgulhado em servir sanduíches de manteiga de amendoim:</p><p>era o que tínhamos e seria o bastante. Mas, ao me conectar com o</p><p>poder da comunidade em todos os níveis, abri espaço para que um</p><p>milagre acontecesse — e aconteceu.</p><p>Se você sente que não tem apoio das pessoas à sua volta, talvez</p><p>valha a pena perguntar a si mesmo: você as está apoiando de verdade?</p><p>Está contribuindo para a força vital coletiva ou apenas se</p><p>bene�ciando dela? Consegue manter limites em relação a onde põe</p><p>sua atenção e ainda encontrar um amigo em todos? Está oferecendo</p><p>alegria e positividade ao mundo? A comunidade pode con�ar em</p><p>você?</p><p>Se a resposta a qualquer uma dessas perguntas for “não”, como</p><p>pode esperar que a força vital coletiva apoie você em troca?</p><p>A comunidade envolve uma relação de dar e receber. Por meio das</p><p>conexões individuais, criamos nossa rede de apoio — que funciona</p><p>em todos os níveis. Atestei muitas vezes que, quando nos</p><p>comprometemos com nossa própria força vital e a nutrimos por meio</p><p>da comunidade, anjos aparecem para nos auxiliar ao longo do</p><p>caminho. É como se a própria vida se manifestasse para nos apoiar.</p><p>O que aconteceu foi que um desses anjos estava reorganizando os</p><p>nomes na escala do Deaconess Hospital. Não pensei muito sobre as</p><p>mudanças na lousa; só sabia que devia ter tratado bem uma pessoa e</p><p>ela estava me tratando bem em troca (ou, assim como tia Belle, eu</p><p>podia considerar aquilo uma bênção do Senhor). Honestamente,</p><p>estava cansada e sobrecarregada demais para dar muita atenção</p><p>àquilo, então pensei apenas obrigada e tentei usar o sono extra para</p><p>me ajudar a atender melhor os pacientes.</p><p>Até que, uma noite, já era tarde quando fui chamada para assistir</p><p>um paciente. Levantei-me da mesa de raio X, tirei o travesseiro e a</p><p>coberta dali e abri hesitante a porta para o corredor. Foi quando me</p><p>deparei com Lucille em pé em cima de cadeira, ao lado da lousa. Ela</p><p>estava cuidadosamente apagando meu nome escrito ao lado da</p><p>cirurgia das 7h30 e substituindo-o pelo de outro interno.</p><p>Voltei de mansinho para a sala de raio X sem que ninguém me</p><p>visse — era óbvio que ela queria fazer aquilo em segredo, pois, se</p><p>fosse apanhada, provavelmente seria demitida por justa causa. Em</p><p>silêncio, �z uma pequena prece para que alguém lhe demonstrasse a</p><p>mesma bondade. Um minuto ou dois depois, abri a porta de novo e a</p><p>vi empurrando o carrinho de limpeza no �m</p><p>do corredor como se</p><p>nada tivesse acontecido.</p><p>Daquele dia em diante, passei a tratar Lucille ainda melhor, com</p><p>toda a bondade e respeito que ela merecia, e prometi a mim mesma</p><p>que, se houvesse alguém que eu pudesse ajudar da mesma maneira,</p><p>eu o faria.</p><p>Quando contribuímos positivamente para a força vital coletiva,</p><p>nossa força vital individual se bene�cia. Encontramos um propósito e</p><p>um sentido maiores nos dias. Entendemos não apenas que somos</p><p>parte de um todo maior, mas como somos parte desse todo. Nós nos</p><p>alinhamos com nosso propósito de vida.</p><p>Prática: Tecendo a vida juntos</p><p>1. Pense em amigos, colegas de trabalho, família e vizinhos — as pessoas com quem você tem</p><p>bastante contato. Reflita: Como minha comunidade está funcionando? O que não está</p><p>funcionando? Você sente que há um senso de conexão? Vocês realmente contam uns com os</p><p>outros?</p><p>2. Tente se lembrar dos momentos em que se sentiu respaldado pela comunidade. Pode ser em</p><p>algo simples, como ter sido ajudado em uma tarefa doméstica, ter tido um ombro amigo para</p><p>chorar ou ter recebido uma carona até o mecânico. Como você se sentiu?</p><p>3. Agora permita-se recordar os momentos em que você ofereceu seu tempo e apoio aos outros.</p><p>Pense em uma pequena ação que levou alegria para alguém. Lembre-se de como você se</p><p>sentiu ao ver o sorriso dessa pessoa.</p><p>4. Em seguida, pergunte a si mesmo: quais são as relações que precisam de meu amor e cuidado?</p><p>Você pode pensar no amor como círculos concêntricos que irradiam de seu coração. Quem</p><p>você poderia chamar ou com quem poderia se conectar? Quem poderia perdoar? Quais são as</p><p>relações que merecem limites mais bem estabelecidos? Como fazer para encontrar um amigo</p><p>em todos — mesmo em alguém de quem você não goste? Como enriquecer as relações e</p><p>tecer a vida em comunidade de modo mais coeso?</p><p>5. Entrelace os dedos das mãos diante de si, como algumas pessoas fazem ao rezar, e lembre-se</p><p>que seu amor é sua prece mais profunda e a expressão mais verdadeira da vida. Permita que</p><p>suas mãos se conectem. Você pode entrelaçar os dedos assim sempre que precisar lembrar a si</p><p>mesmo do amor daqueles à sua volta.</p><p>QUINTO SEGREDO</p><p>Tudo é uma lição</p><p>O</p><p>25</p><p>SEMPRE HÁ UMA LIÇÃO</p><p>lhar para a vida é um processo. Pode levar anos, até décadas,</p><p>para entendermos por completo a nós mesmos e nosso papel</p><p>no mundo. Trata-se de um caminho trilhado passo a passo — escolhas</p><p>minúsculas para nos renovarmos a cada dia. Podemos perguntar a nós</p><p>mesmos: como vou lidar com isto? E com aquilo? Onde está a oportunidade</p><p>de aceitar o que a vida me deu e fazer o melhor com isso? Como posso me abrir</p><p>a essa oportunidade, mesmo que me assuste e me leve ao limite?</p><p>Vivemos o melhor da vida quando a abordamos com curiosidade e</p><p>desejo de aprender com tudo. Acredito que isso faz parte do objetivo</p><p>da vida — aprender, crescer, evoluir por meio de experiências. Sem</p><p>dúvida, tiramos maior proveito da vida quando extraímos lições ao</p><p>longo do caminho. Quando temos coragem de procurar, a vida</p><p>sempre nos presenteia com novos ensinamentos.</p><p>Mas ter coragem é, muitas vezes, o maior desa�o.</p><p>Décadas atrás, aos 69 anos, estava no quintal tarde da noite.</p><p>Morava a mais de uma hora de Phoenix, e as estrelas iluminavam o</p><p>céu de horizonte a horizonte, destacando o relevo dos cactos. Os</p><p>saguaros se erguiam, �rmes, com os braços espinhosos estendidos em</p><p>ângulos retos, enquanto ocotillos delgados lançavam seus muitos ramos</p><p>ao céu estrelado. De robe, com um par de chinelos surrados e os</p><p>braços erguidos, eu meio que demonstrava minha desaprovação em</p><p>relação ao destino. Eu me sentia abandonada, traída e esquecida,</p><p>como um casaco antigo largado no guarda-roupa. Fiquei ali me</p><p>lamentando, incrédula, com a cabeça inclinada para trás enquanto</p><p>uivava para o céu.</p><p>Passara o dia inteiro com os chinelos de Bill, grandes demais para</p><p>mim. Embora sempre tenha tido pés grandes, eles matraqueavam</p><p>como jogos de �iperamas naquelas velharias. Mesmo assim, eu os</p><p>arrastava de um lado para o outro pela casa, batendo as solas contra o</p><p>piso ladrilhado. Queria saber como era andar com os chinelos dele.</p><p>Queria entender o que estava acontecendo em sua alma para levá-lo</p><p>às escolhas que �zera, revirando minha vida e me causando uma dor</p><p>tão agonizante.</p><p>Essa foi sem dúvida a fase mais difícil de minha vida. Vou contar</p><p>mais daqui a pouco. Primeiro, quero ter certeza de que você entende:</p><p>não tenho a ilusão de que o quinto segredo seja fácil. Não acho que</p><p>procurar lições na vida — em especial quando nos sentimos</p><p>injustiçados, sem sorte ou totalmente irados — seja algo simples de se</p><p>fazer. É um compromisso. Exige disciplina. É óbvio que vamos vacilar,</p><p>cair e errar ao longo do caminho.</p><p>No entanto, essa é uma das atitudes mais importantes que</p><p>podemos tomar em nossa jornada de alma. Quando se torna um</p><p>hábito, pode até ser prazeroso; os momentos mais difíceis da vida</p><p>ainda vão doer, mas tentar aprender algo nos ajuda a processar com</p><p>mais facilidade os desa�os menores. Quando olhamos para a vida,</p><p>percebemos que, em troca, ela está olhando para nós. Está sempre</p><p>tentando nos mostrar algo. Está se comunicando por meio de</p><p>eventos, pessoas e ideias que aparecem, oferecendo-nos uma</p><p>oportunidade de gratidão.</p><p>Você está escutando?</p><p>Vamos começar com um exemplo desa�ador, mas menos</p><p>arrasador. Alguns anos atrás, décadas depois de eu me arrastar pela</p><p>casa com os chinelos de Bill, tomei a difícil decisão de parar de</p><p>dirigir. Sempre gostara de conduzir; para mim, simbolizava a</p><p>independência, isso desde meu primeiro Model A Ford, que eu dirigi</p><p>durante os anos da faculdade (já era furreca na época, mas eu o</p><p>adorava). Mas, à medida que me aproximei da marca do centenário,</p><p>minha visão começou a deteriorar. Tenho estes olhos há mais tempo</p><p>do que a maioria das pessoas, e eles simplesmente não foram feitos</p><p>para durar para sempre.</p><p>Parei de dirigir porque a vida me sinalizou que era o momento</p><p>certo. Um dia, quando estava dirigindo por um caminho conhecido,</p><p>em Scottsdale, subi num meio-�o. Era uma motorista cuidadosa,</p><p>então aquele tipo de erro era incomum. Eu simplesmente não tinha</p><p>enxergado. Naquele momento, soube que era hora de tomar uma</p><p>decisão. A opção A era �ngir que nada tinha acontecido ou que não</p><p>importava. A opção B era entregar as chaves. Pensei em meus bisnetos</p><p>andando de bicicleta e brincando na rua, nos vizinhos e amigos</p><p>passeando com seus cães e nos milhares de outros motoristas que eu</p><p>não conhecia, mas que tinham tanto direito quanto eu de estar vivos.</p><p>Entreguei as chaves.</p><p>Se não fosse aquele meio-�o, talvez eu não tivesse parado de</p><p>dirigir. Aquilo foi um sinal de que eu precisava fazer uma mudança.</p><p>Subir no meio-�o foi uma lição de vida, e tive sorte de dar ouvidos e</p><p>entender.</p><p>Ando à procura de lições de vida pelo mundo durante quase toda</p><p>minha vida. É por esse motivo que meu quinto segredo é: Tudo é uma</p><p>lição. Quando as procuramos, paramos de focar o sofrimento e</p><p>prestamos atenção na vida. Tudo se torna um professor. Encarar a</p><p>vida por essas lentes nos ajuda a torná-la orgânica. Essa postura nos</p><p>chama a nos envolver e interagir com tudo — tudo mesmo — que</p><p>aparece pelo caminho.</p><p>Digo que tive sorte de entender a lição que o meio-�o estava me</p><p>dando porque, caso contrário, uma lição com consequências muito</p><p>maiores poderia ter aparecido, talvez com danos a mim ou a outra</p><p>pessoa. Deb, uma de minhas pacientes, teve uma experiência</p><p>semelhante com sua saúde. Estava tendo um dia normal, quando de</p><p>repente perdeu a audição de um lado. Horas depois, ainda não</p><p>conseguia ouvir. Ela �cou assustada e foi a um pronto-socorro. Os</p><p>médicos não souberam explicar o que havia acontecido, então</p><p>pediram uma ressonância magnética.</p><p>Quando Deb saiu da máquina de ressonância magnética, os</p><p>médicos pareciam preocupados. Ela estava tendo um aneurisma. Teve</p><p>uma sorte incrível por já estar no hospital, cercada de especialistas. Se</p><p>não fosse a perda de audição repentina, ela poderia não ter</p><p>sobrevivido. Foi o que permitiu a ela encontrar gratidão pela surdez</p><p>momentânea — aquele sintoma indicara que algo estava errado e</p><p>provavelmente</p><p>salvara sua vida. Deb estava agradecida por a vida tê-la</p><p>enviado ao hospital, assim como eu �quei grata por ter subido no</p><p>meio-�o.</p><p>Ultimamente, soube de algumas problematizações a respeito da</p><p>gratidão. Em alguns casos, a ideia de focar o positivo pode ter um</p><p>efeito negativo, o que é hoje chamado de positividade tóxica. Soa como</p><p>uma negação. Embora a expressão positividade tóxica seja</p><p>relativamente nova, a ideia é antiga.</p><p>Um dia, não muito tempo antes de eu calçar seus chinelos, Bill e</p><p>eu conversávamos na cozinha, quando ele �cou chateado comigo por</p><p>eu dizer que algo era “maravilhoso” (talvez tenha sido um sinal do</p><p>rumo que a vida tomaria).</p><p>Ele me olhou e jogou as mãos para o alto exasperado.</p><p>— Por que você diz que tudo é maravilhoso? “Isso é maravilhoso,</p><p>aquilo é maravilhoso.” Como tudo pode ser maravilhoso o tempo</p><p>todo? As pessoas �cam incomodadas ouvindo você dizer isso. Talvez</p><p>não achem que essas coisas são tão maravilhosas assim. Talvez você</p><p>esteja negando o que as coisas realmente são.</p><p>Fiquei surpresa com o comentário, então demorei um instante</p><p>para responder. Há muito tempo considero o otimismo uma de</p><p>minhas melhores características.</p><p>É</p><p>— Bem — comecei devagar —, porque tudo é maravilhoso. É a</p><p>parte em que eu foco. Tento achar o que há de maravilhoso, então é</p><p>isso que acabo enxergando.</p><p>Bill balançou a cabeça contrariado.</p><p>Pensei muito nessa conversa e, se eu pudesse voltar, responderia</p><p>diferente:</p><p>O verdadeiro otimismo não é tóxico porque focar o positivo não</p><p>signi�ca negar o negativo. Não quer dizer que nos dissociamos da</p><p>dor, seja física, seja emocional, nem que �ngimos que tudo está bem</p><p>quando não está. Apenas, mesmo na di�culdade, procuramos o que é</p><p>maravilhoso. Sentimos a dor enquanto continuamos a procurar a</p><p>lição e a ser gratos pelo ensinamento.</p><p>Procurar a lição nos permite acessar a gratidão mesmo nos</p><p>momentos difíceis, como perder a audição ou renunciar à liberdade</p><p>de dirigir. Na verdade, quase sempre são os momentos em que somos</p><p>mais desa�ados — pela dor, pela perda, pela decepção ou pela mágoa</p><p>— que nos confrontam com os ensinamentos da vida.</p><p>Embora procurar lições nos permita nos conectar com o otimismo</p><p>e acessar a gratidão, não deixa de ser uma tarefa desa�adora. Mas,</p><p>mesmo que não possamos tornar isso fácil, será que existe um jeito de</p><p>deixar menos difícil?</p><p>Podemos começar resistindo ao desejo de lutar.</p><p>Q</p><p>26</p><p>PARE DE BRIGAR</p><p>uando a vida se torna desa�adora, é fácil achar que o mundo</p><p>inteiro está contra nós. Para aqueles que não se conectam</p><p>pessoalmente com a ideia de uma ordem mística, pode parecer que</p><p>eventos, pessoas e circunstâncias são provas de que não temos sorte —</p><p>ou pior, para aqueles que veem a vida como divinamente planejada,</p><p>são punições que provam nosso desmerecimento. Esses desa�os</p><p>incitam a resistência em nós.</p><p>No entanto, eles continuam a surgir durante toda a vida. Embora o</p><p>que nos desa�a e o quanto somos desa�ados varie muito de pessoa para</p><p>pessoa, e de comunidade para comunidade, ninguém — ninguém</p><p>mesmo — escapa do fato de que a vida é dura. Precisamos apenas de</p><p>uma pequena, mas fundamental, mudança de perspectiva: temos que</p><p>parar de lutar para manter a vida de fora e passar a recebê-la de</p><p>braços abertos.</p><p>Na infância, eu era uma lutadora. Era boa de briga e, depois que</p><p>repeti o primeiro ano, tive muitas oportunidades de praticar. Meus</p><p>irmãos mais velhos haviam me ensinado a lutar, enquanto Margaret e</p><p>Gordon assistiam de olhos arregalados, e usei minhas novas</p><p>habilidades para proteger a mim e a minha família ferozmente. As</p><p>outras crianças reagiram me hostilizando por quase tudo relacionado</p><p>à vida da família Taylor, como as temporadas empoeiradas no campo</p><p>e o compromisso de meus pais de trabalhar com pessoas que a</p><p>sociedade desprezava. Mesmo na Índia, tivemos experiências de vida</p><p>que não eram nada comuns e, por mais que eu adorasse minha</p><p>infância, toda criança quer se sentir incluída.</p><p>Um dia, a �lha de um diplomata implicou comigo porque minha</p><p>mãe trabalhava com meu pai. Claudia Knowles, com o cabelo loiro e</p><p>�no amarrado em laços perfeitos e o sotaque britânico afetado,</p><p>insistia que não era possível que minha mãe fosse médica.</p><p>— Com certeza ela é enfermeira. Todas as mulheres que têm</p><p>empregos são enfermeiras — a�rmava.</p><p>Sua voz tinha adquirira um tom de desprezo ao pronunciar a</p><p>palavra empregos, como se ela estivesse descrevendo um rato ou uma</p><p>barata.</p><p>— E a maioria das mulheres não é nem isso… São mães decentes</p><p>que �cam em casa e recebem as pessoas para chás.</p><p>Não me lembro do que respondi, mas jamais vou me esquecer de</p><p>seu olhar de espanto quando eu a esmurrei em cheio no nariz.</p><p>Logo eu estava me atracando com meninos no parquinho,</p><p>revidando meninas depois da aula e acertando narizes britânicos</p><p>ainda mais pontudos com o sólido gancho de direita que meu irmão</p><p>Carl me ensinara. Uma menina, de cachinhos perfeitos, recebeu um</p><p>desses murros depois de zombar das roupas que eu escolhia para</p><p>vestir, para desgosto de minha mãe. Outras me chamavam de boba e</p><p>entoavam canções malvadas para reforçar sua rejeição.</p><p>Até que acordei um dia e percebi que, fora meus irmãos, eu não</p><p>tinha nenhum amigo. Isso foi em algum momento pouco antes da</p><p>puberdade, mais ou menos na época em que a maioria das crianças</p><p>passa a ter consciência de sua posição social. De repente, percebi</p><p>minha situação trágica. Fiquei deitada na cama pensando que, se não</p><p>mudasse, não teria amigos a vida inteira. Tenho que parar de brigar,</p><p>pensei comigo mesma. Mas como? Eu era tão obstinada quanto sou</p><p>hoje, e não queria ser uma maria-vai-com-as-outras.</p><p>Comecei pensando nas pessoas que conhecia e me perguntei qual</p><p>delas brigava menos. Talvez eu pudesse descobrir como ela fazia e</p><p>tentar um jeito diferente.</p><p>A resposta me veio depressa: minha mãe. Ela nunca brigava. Com</p><p>certeza não se atracava no chão; nem sequer discutia verbalmente. E</p><p>não era uma maria-vai-com-as-outras! Conseguia fazer o que queria, e</p><p>tudo sem brigar.</p><p>Pensei em como ela abordava cada situação com prazer e humor.</p><p>Mesmo quando discordava de algo que alguém dizia, continuava</p><p>curiosa em relação à pessoa e achava que talvez tivesse alguma outra</p><p>coisa de valor a oferecer. Era sábia daquele jeito particular que as</p><p>pessoas com profundo amor-próprio são: forte, mas �exível, como as</p><p>peças de seda suave que eu via nas idas de minha família ao mercado.</p><p>Percebi que, se quisesse aproveitar a vida e me conectar com as</p><p>pessoas ao redor, teria que parar de lutar com as crianças que</p><p>implicavam comigo e interagir com elas de modo mais positivo. Teria</p><p>que ser mais como minha mãe. Teria que me equipar com humor,</p><p>sabedoria, autoestima e todas as outras armas que pudesse encontrar</p><p>para enfrentar a animosidade das pessoas que me desa�avam, sem</p><p>brigar.</p><p>Esse momento foi fundamental para mim. Desde então, criei</p><p>conexões fortes, e a maioria das pessoas não acredita quando conto</p><p>que houve um tempo em que eu tinha di�culdade para fazer amigos.</p><p>Em retrospecto, mais de 90 anos depois, percebo que foi uma</p><p>mudança de perspectiva que me afetou profundamente. Aprendi a</p><p>parar de brigar não apenas com outras crianças, mas com a vida.</p><p>Deitada na cama, comecei a redirecionar minha energia para me</p><p>envolver com a vida, em vez de brigar com ela, principalmente</p><p>quando as coisas �cavam difíceis. Daquele momento em diante,</p><p>comecei a deixar a vida me ensinar, mesmo quando eu discordava e</p><p>até quando doía. Comecei a direcionar minha energia para encontrar</p><p>o que cada desa�o tinha a me ensinar, em vez de drenar a mim</p><p>mesma ao me esforçar para mudar a situação. Assim, tornei-me mais</p><p>forte, além de suave e �exível. Como seda. Como minha mãe.</p><p>Há muitas coisas na vida que não entendemos quando estão</p><p>acontecendo. Na cama, naquele dia, pensei que estava resolvendo</p><p>meu desa�o social; sabia que era uma mudança importante em como</p><p>pensar, mas não tinha a menor ideia do quanto. Aquela ideia simples</p><p>— parar de brigar — se tornaria um dos maiores lemas de minha vida.</p><p>Veio da dor. Veio da solidão, da rejeição e do medo de que nada fosse</p><p>mudar. O processo para que eu a entendesse</p><p>não foi alegre nem leve;</p><p>eu me sentia tensa e sombria. Mas foi o momento em que tudo</p><p>mudou para mim.</p><p>Essa é a verdade sobre muitos momentos na vida: são os desa�os</p><p>que nos impelem para a frente. Penso no dr. Milton Erickson, o</p><p>grande psiquiatra e psicoterapeuta cujas pequenas reuniões em</p><p>minha sala de estar se transformaram num orgulhoso consórcio de</p><p>pro�ssionais que aplicavam o hipnotismo terapêutico. O interesse de</p><p>Milton pela consciência — o consciente e o inconsciente, e como</p><p>estes atuam juntos — teve início nos longos meses que ele passou de</p><p>cama lutando contra a pólio na adolescência. Ele experimentou suas</p><p>teorias em si mesmo, usando a memória muscular armazenada no</p><p>inconsciente para ensinar suas pernas paralisadas e atro�adas a</p><p>caminhar de novo. Na década anterior àquela em que nos</p><p>conhecemos, ele lutou contra a síndrome pós-pólio e teve que voltar a</p><p>testar suas teorias para permanecer em pé. Na época, essas</p><p>experiências talvez não tivessem sido fáceis — sem dúvida, ele sofreu</p><p>—, mas as lições sobre a mente e o sistema nervoso que aprendeu em</p><p>sua investigação solitária o ajudaram a alcançar a grandeza. Levaram-</p><p>no a um campo pro�ssional que adorava, no qual ele criou um legado</p><p>que se perpetua até hoje.</p><p>Milton aprendeu a olhar para o vírus que habitava em seu sistema</p><p>nervoso e a perguntar o que ele tinha para ensinar sobre o poder da</p><p>mente. Tive que aprender a olhar para minha falta de amigos e</p><p>perguntar o que isso tinha para me ensinar. No �nal, era que eu</p><p>precisava parar de brigar com a vida. Nossas experiências foram</p><p>muito diferentes, mas a mudança de perspectiva que ocorreu foi a</p><p>mesma: ambos tivemos que redirecionar nossa resistência e nos</p><p>concentrar não no que havíamos perdido, mas no que tínhamos a</p><p>ganhar.</p><p>Sem desa�os, não estamos vivos de verdade. Eu me preocupo com</p><p>o quanto os pais tentam proteger os �lhos de obstáculos hoje em dia.</p><p>Quando não deixamos as crianças se arriscarem e enfrentarem coisas</p><p>que as assustam, nós as prejudicamos. Nós as isolamos do mundo real.</p><p>Essa postura as mantém perpetuamente crianças e força os pais a</p><p>desempenhar o papel de protetores para sempre. Claro que não</p><p>devemos expô-las a tudo; a vacina contra pólio foi muito boa para o</p><p>mundo, e mesmo minha mãe nos obrigava a usar sapatos para nos</p><p>proteger de escorpiões e cobras. Mas um pouco de perigo faz bem.</p><p>Inúmeros caminhos espirituais se referem à conexão entre</p><p>crescimento e sofrimento. Não podemos nos impedir de sofrer — e</p><p>também não devemos impedir o tempo todo que nossos �lhos</p><p>sofram. As crianças precisam saber que podem crescer e se curar, e,</p><p>para isso, precisam se machucar um pouco. O mesmo acontece com</p><p>os adultos. Temos que usar nosso crescimento como exemplo de</p><p>como redirecionar nossa energia de volta à vida depois de um</p><p>período de dor.</p><p>Esse movimento é uma escolha que exige trazer à tona nosso eu</p><p>mais superior — em especial nos momentos de sofrimento. Isso tem</p><p>um efeito imenso sobre como experimentamos a vida, pois nos ajuda</p><p>a voltar a nos envolver com o mundo, a dar o melhor de nós e a</p><p>receber o melhor em troca.</p><p>Às vezes, essa escolha requer um grande esforço de nossa mente</p><p>consciente. Então o que fazer quando a vida nos impõe um desa�o</p><p>tão grande que �camos sem sumo para enfrentá-lo? É aí que</p><p>deixamos outras partes de nossa consciência nos darem uma mão.</p><p>Q</p><p>27</p><p>O PAPEL DOS SONHOS</p><p>uando nos aliamos à mente consciente, ela se torna uma</p><p>colaboradora valiosa. O pensamento positivo tem o poder de</p><p>operar mudanças radicais em nossa vida e saúde. Mas, por mais que</p><p>tentemos, nem sempre conseguimos vencer a resistência a desa�os de</p><p>imediato. É preciso tempo para que esse esforço vire um hábito e,</p><p>mesmo então, os eventos repentinos e as circunstâncias repetidas que</p><p>nos a�igem às vezes tornam difícil lidar com nossa mente.</p><p>É por isso que os momentos em que enfrentamos os maiores</p><p>desa�os são alguns dos mais importantes para investigarmos nossos</p><p>sonhos. Mesmo que você não possa fazer nada sobre os pensamentos</p><p>conscientes, ainda pode ir dormir e ver o que acontece.</p><p>Os sonhos são importantes ao longo da vida. São o modo como o</p><p>subconsciente, e muitas vezes até o inconsciente, fala conosco. Às</p><p>vezes, seres poderosos, como guias e ancestrais que talvez tenhamos</p><p>conhecido em vidas passadas, aparecem nos sonhos. Outras vezes, os</p><p>sonhos nos mostram as respostas para problemas ou, pelo menos, nos</p><p>ajudam a vê-los sob uma nova luz. Isso também vale no caso de você</p><p>acreditar que os sonhos vêm de algum lugar ou de alguém.</p><p>Independentemente de signi�carem ajuda do além ou simplesmente</p><p>de recantos obscuros de nós mesmos, os sonhos podem ser de</p><p>enorme auxílio.</p><p>Os sonhos servem como orientação há milhares de anos. No</p><p>Antigo Testamento (ou Torá), José, �lho de Jacó, é conhecido por ter</p><p>sido guiado por sonhos. Eles ajudam xamãs de muitas culturas</p><p>diferentes, e sua interpretação é uma parte dos fundamentos das</p><p>vertentes freudiana e junguiana da psicanálise e da psicologia. Muita</p><p>gente já teve sonhos sobre eventos futuros, inclusive o presidente</p><p>Abraham Lincoln, que, de acordo com as histórias, sonhou com o</p><p>próprio assassinato noites antes de acontecer. O uso de sonhos como</p><p>fonte de sabedoria atravessa culturas, religiões e o tempo.</p><p>Sempre usei os sonhos para orientar minhas escolhas e decisões.</p><p>Incentivo meus pacientes a fazer o mesmo. Isso não signi�ca que</p><p>devemos sempre interpretar os sonhos literalmente. É comum que os</p><p>sonhos usem simbolismos para expressar ideias. Se você não é uma</p><p>pessoa atraída por simbolismos quando está acordado, pode se sentir</p><p>vulnerável ao tentar interpretar os sonhos. Talvez se pergunte “O que</p><p>eu sei sobre interpretar sonhos?”. O fundamental é entender que,</p><p>como o sonho vem de sua mente (ou de seu guia, seu ser superior,</p><p>seus ancestrais ou vidas passadas), você é a pessoa mais apropriada</p><p>para interpretá-lo. Seus sonhos são criados para você, o que signi�ca</p><p>que os símbolos contidos neles muito provavelmente transmitem os</p><p>signi�cados pretendidos para você. Se você pensa que seu sonho</p><p>signi�ca algo, então deve estar certo.</p><p>Uma mulher assistiu a alguns workshops sobre saúde holística que</p><p>�z por algum tempo nos anos 1970. A história dela era dolorosa:</p><p>�agrara o marido abusando de um de seus dois �lhos. Ela divorciou-</p><p>se de imediato, e o homem foi preso pelo crime, porém, um tempo</p><p>depois, foi solto sem que ela soubesse e sequestrou os meninos.</p><p>Quando nos conhecemos, fazia vários anos que ela não via os �lhos.</p><p>Não tinha a menor ideia de onde estavam. Na época, havia</p><p>pouquíssimas maneiras de localizar pessoas que haviam fugido, então</p><p>ela mais ou menos se resignara à ideia de que nunca mais veria os</p><p>�lhos.</p><p>Ela estava em uma situação extrema. Eu não estava disposta a</p><p>sugerir que ela perdoasse o marido, “superasse” o sofrimento, tentasse</p><p>se curar nem nada do tipo. Alguns acontecimentos são simplesmente</p><p>tragédias, e não há como escapar.</p><p>Mas eu podia ajudá-la a vencer um dia de cada vez. Um dos</p><p>sintomas mais preocupantes de seu sofrimento era que ela não</p><p>conseguia dormir, uma vez que �cava tendo o mesmo pesadelo. Noite</p><p>após noite, deparava-se com o ex-marido na cozinha em cima dos</p><p>meninos. No sonho, ela pegava uma faca de carne para atacá-lo. Mas,</p><p>no último momento, ele sempre segurava um dos �lhos, e ela acabava</p><p>esfaqueando a criança em vez do marido. O pesadelo a atormentava</p><p>havia anos.</p><p>À medida que trabalhávamos a dor do que acontecera a ela e a seus</p><p>�lhos, a mulher percebeu que o sonho tentava lhe mostrar o que o</p><p>ato de direcionar sua energia ao ex-marido estava fazendo: criando</p><p>um ciclo de ódio, quando, na verdade, os meninos precisavam de</p><p>amor. Ela passou a perceber que o ódio pelo ex-marido a estava</p><p>consumindo. Tomava uma quantidade enorme de energia — que</p><p>seria mais bem gasta em enviar amor aos �lhos, que provavelmente</p><p>também estavam enfrentando uma situação extrema. O ódio dela não</p><p>podia ajudá-los, mas o amor, sim.</p><p>Não estou sugerindo que encontrei uma solução para ela; não foi o</p><p>que aconteceu. Se eu pudesse ter mudado alguma outra coisa e</p><p>trazido aqueles meninos para casa, sem</p><p>dúvida o teria feito. Mas �z a</p><p>única coisa que tinha o poder de fazer: dei algum signi�cado àquilo</p><p>para a jornada de alma daquela mulher. Eu a ajudei a extrair uma</p><p>lição de amor do que, visto por outro ângulo, era pura dor. Ela teve</p><p>que procurar a lição; mas, quando o fez, encontrou, e isso a ergueu.</p><p>Em parte, foi assim que conseguiu focar o amor que sentia pelos</p><p>�lhos. Isso não mudou o que ela sentia em relação ao que acontecera,</p><p>mas mudou como ela dispendia sua força vital, que era exatamente o</p><p>que seus sonhos estavam lhe pedindo para fazer. Ela direcionou sua</p><p>energia para algo construtivo.</p><p>Muitos de meus pacientes receberam orientações desse tipo por</p><p>meio de sonhos. Pessoas recebem orientação para seus propósitos, sua</p><p>saúde e suas decisões. Os sonhos trazem clareza para questões que</p><p>parecem grandes demais para a mente consciente lidar.</p><p>Então qual é o melhor caminho a seguir para receber orientação</p><p>por meio dos sonhos?</p><p>Comece pedindo. Peça um sonho, e esteja pronto para recebê-lo.</p><p>Lembre-se: não precisa ser algo espiritual ou sobrenatural se isso não</p><p>funciona para você — pode ser simplesmente psicológico, como pedir</p><p>a seu eu adormecido para lhe mostrar o que você ainda não entende.</p><p>Ao receber um sonho, procure os símbolos. O que signi�cam para</p><p>você? Alguém visitou você no sonho? Se sim, o que essa pessoa</p><p>representa em sua vida? Com frequência, é a atmosfera do sonho que</p><p>tem mais a nos mostrar — o conteúdo real do sonho pode não fazer</p><p>nenhum sentido, mas o sentimento subjacente que o acompanha</p><p>pode responder às nossas perguntas e nos ajudar a encontrar a</p><p>perspectiva que buscamos.</p><p>Com o passar do tempo, essa perspectiva vai mudar. Isso é bom!</p><p>Registrar os sonhos pode nos ajudar a encontrar o sentido deles mais</p><p>tarde, e quanto maior for a frequência com que os registrarmos, mais</p><p>nos lembramos deles; o simples ato de registrar os sonhos envia um</p><p>sinal ao subconsciente de que vale a pena se lembrar deles. Use um</p><p>diário ou gravador, ou mesmo faça uma arte, mas tente registrar os</p><p>sonhos importantes que você tem. Esses métodos vão ajudar você a</p><p>extrair mais signi�cados das mensagens que recebe.</p><p>É uma boa prática a longo prazo. À medida que envelheço,</p><p>constato que meus sonhos se tornam mais ricos. Mas é</p><p>particularmente bom manter um registro quando nos deparamos</p><p>com questões que nos afetam de forma repetitiva. Quer sejam</p><p>questões físicas, quer sejam emocionais ou espirituais — ou, muitas</p><p>vezes, as três —, todos nós enfrentamos desa�os crônicos de algum</p><p>tipo.</p><p>Q</p><p>28</p><p>QUANDO INSISTIMOS NA</p><p>DOR</p><p>uando escolhemos procurar uma lição em tudo, aprendemos a</p><p>con�ar no processo, mesmo quando as circunstâncias parecem</p><p>extremas. É um esforço que vale a pena. Se tivermos sorte,</p><p>aprendemos aos poucos a mudar de perspectiva automaticamente,</p><p>sem pensar, o que é muito útil quando enfrentamos um desa�o que</p><p>se repete.</p><p>Há uma ciência para como isso funciona. Estudos constataram uma</p><p>correlação entre padrões de pensamento e a administração de dores</p><p>crônicas.[18] É por isso que a terapia cognitivo-comportamental</p><p>(TCC) é recomendada com tanta frequência a pessoas com distúrbios</p><p>permanentes, como artrite reumatoide e enxaqueca, ambas formas de</p><p>dor crônica graves, episódicas e, muitas vezes, debilitantes. Essas</p><p>condições incluem sintomas repetitivos que com frequência seguem o</p><p>mesmo padrão. Mas mudar o modo como encaramos a dor pode</p><p>interrompê-lo aos poucos, o que tem um efeito importante.</p><p>Algumas pessoas que sofrem de dor crônica conseguem até</p><p>incorporá-la a alguma atividade que lhe dê signi�cado. Minha amiga</p><p>eternamente positiva Evelyn, que percorreu o Caminho de Santiago,</p><p>como contei no capítulo 18, viveu anos com uma dor crônica.</p><p>Aprendeu a pintar em meio às crises, fazendo traços coloridos</p><p>quando a dor era forte demais. Ela �ca pintando até sentir algo que</p><p>interpreta como o “tinido” — a alegria, a felicidade, a liberação —, e</p><p>então guarda as tintas e segue em frente. Ela chama suas obras de</p><p>pinta-dores. A postura de Evelyn demonstra o que é possível quando</p><p>nos abrimos para uma mudança de ângulo. Acredito que uma das</p><p>principais lições que a dor crônica tem a nos ensinar é: o poder da</p><p>perspectiva.</p><p>Outra paciente, que ainda hoje atendo, está passando por uma</p><p>degeneração macular. A perda gradual da visão é algo que a maioria</p><p>das pessoas acharia assustador. Mas, na ausência de imagens do</p><p>mundo real, ela relata que sua percepção se aguçou. Certa vez, me</p><p>disse: “Posso estar perdendo a vista, mas não estou perdendo a visão.”</p><p>Ela aprendeu a aceitar o processo e entrou em sintonia com os</p><p>estímulos que os outros sentidos podem proporcionar. Passou a</p><p>entender melhor o que gostaria de fazer com a visão que perdeu. Isso</p><p>não torna a situação menor, mas proporciona um contexto útil que</p><p>conecta desa�o a propósito. Além disso, inspira outras pessoas. Meus</p><p>olhos centenários pararam de funcionar bem o bastante para me</p><p>permitir dirigir, e agora estão tornando cada vez mais difícil a leitura.</p><p>Isso me dá um motivo para pensar muito no que minha paciente me</p><p>disse sobre vista e visão. Quando estou em casa, escuto audiolivros e</p><p>imagino o que vou fazer e criar em seguida. Tenho mais tempo para</p><p>visualizar meus próximos passos, e sou grata por isso.</p><p>Às vezes, os desa�os que se repetem nos mostram o que estamos</p><p>negligenciando ou as partes de nós que não conseguimos cultivar no</p><p>passado. Recentemente, trabalhei com uma paciente, Sarit, que veio</p><p>me ver em casa.</p><p>Sarit tinha uma carreira criativa para a qual ela dispunha de todos</p><p>os talentos, mas que exigia passar longas horas em frente ao</p><p>computador. Ela sentia dor e uma tensão permanentes no ombro</p><p>direito que estavam tornando cada vez mais difícil trabalhar, em</p><p>especial porque seu tempo em frente à tela aumentara durante a</p><p>pandemia. Ela se sentou na cadeira ao lado da minha, cercada de</p><p>relíquias de minha vida, e perguntou quais eram suas opções.</p><p>Em resposta, eu tinha perguntas. Perguntei se usara o ombro</p><p>direito com frequência na infância ou adolescência, e ela explicou</p><p>que passara muitos anos arremessando bolas de softbol quando era</p><p>criança, sempre com o braço direito. Seu rosto se contraiu durante a</p><p>fala, então eu pedi para que ela continuasse me contando sobre o</p><p>softbol. Ela gostava das companheiras no time? Gostava de jogar?</p><p>Ela olhou por sobre meu ombro para uma planta no peitoril da</p><p>janela, como se estivesse tentando se lembrar. De início, foi rápida ao</p><p>enfatizar que gostava do jogo, mas em seguida amoleceu.</p><p>— Acho que tinha a ver mais com meu pai do que comigo. Ele</p><p>queria que eu jogasse e eu queria agradá-lo. Fiquei cada vez melhor</p><p>naquilo, é verdade, mas não sei se teria escolhido esse esporte em</p><p>particular para praticar.</p><p>Achei a a�rmação estranha.</p><p>— O que você teria escolhido?</p><p>O rosto de Sarit se iluminou, mas em seguida sua expressão</p><p>murchou um pouco.</p><p>— Ah, com certeza eu teria sido dançarina. Sempre sonhei com</p><p>isso — disse ela, e continuou explicando.</p><p>Havia um estúdio de dança famoso perto de sua escola, e muitas de</p><p>suas amigas o frequentavam. Mas seus pais achavam que o lugar</p><p>incentivava mensagens a respeito de um tipo de corpo, e não queriam</p><p>que a �lha pequena as internalizasse. Eles passaram a estimulá-la a</p><p>jogar softbol e, sem querer, haviam levado Sarit a internalizar uma</p><p>mensagem diferente.</p><p>— Acho que pensei que, como eles queriam que eu jogasse softbol,</p><p>eu não era boa o bastante para dançar. Provavelmente essa não era a</p><p>mensagem que eles queriam passar e, como mãe, percebo isso agora.</p><p>Mas foi o que entendi na época.</p><p>Ela olhou para mim e apertou os lábios com força.</p><p>Sugeri a Sarit acrescentar a dança à sua rotina — não praticando</p><p>para se apresentar, mas sem nenhum motivo especí�co. Ela começou</p><p>integrando intervalos de cinco minutos para dançar aos dias de</p><p>trabalho em casa e, aos poucos, seu ombro começou a relaxar. Sua</p><p>falsa identidade — de jogadora de softbol que “não era boa o</p><p>bastante” para dançar — era a causa da dor. Na verdade, a dor estava</p><p>tentando lhe mostrar que ela podia dançar. Como adulta, Sarit era</p><p>completamente responsável por sua rotina.</p><p>A única pessoa que a</p><p>impedia de dançar na maturidade era ela própria.</p><p>Naquele dia, em minha casa, Sarit aprendeu que podia escolher se</p><p>levantar e dançar sempre que sentisse a tensão no ombro</p><p>aumentando. O desconforto era um convite, que ela escolheu aceitar.</p><p>Problemas crônicos funcionam assim e nos dão uma chance de</p><p>encontrar saídas e fazer novas escolhas.</p><p>Ao longo dos anos, recebi muitos pacientes com doenças crônicas</p><p>em meu consultório. Essas enfermidades — difíceis de avaliar e, com</p><p>frequência, ainda mais difíceis de tratar — são aquelas para as quais a</p><p>comunidade médica em geral, na maioria das vezes, sugere um</p><p>tratamento holístico, uma vez que é óbvio que envolvem um</p><p>complexo conjunto de fatores individual para cada paciente. (Eu</p><p>tendo a acreditar que quase todas as doenças funcionam assim, mas</p><p>nem todo mundo concorda comigo.)</p><p>Adoro trabalhar com pacientes que têm sintomas crônicos porque,</p><p>em muitos casos, �ca mais fácil para eles fazer a conexão entre os</p><p>sintomas e a vida. Depois de tentarem inúmeras “soluções rápidas”</p><p>que não funcionaram, estão dispostos a considerar a situação de uma</p><p>perspectiva mais ampla.</p><p>Durante vários anos, trabalhei com duas mulheres de meia-idade</p><p>que tinham sintomas crônicos de lúpus. Tratar os casos em paralelo</p><p>me permitiu avaliar os sintomas e as abordagens para resolvê-los ao</p><p>mesmo tempo, notando que o que ajudava uma delas não</p><p>necessariamente produzia o mesmo efeito na outra.</p><p>Uma dessas pacientes, Janet, parecia estar apresentando alguma</p><p>melhora. Com o passar do tempo, ela progrediu no modo como</p><p>lidava com os sintomas. O lúpus a levou a tentar diferentes dietas, a</p><p>adotar novas rotinas de sono e de exercícios, e a ajustar a vida social a</p><p>um ritmo mais tranquilo. Ela estava aprendendo com o lúpus a ter</p><p>uma vida mais equilibrada. Com frequência, chegava a meu</p><p>consultório tão radiante e alegre que eu �cava surpresa quando ela</p><p>começava a relatar seus sintomas — dores de cabeça terríveis, dor nas</p><p>articulações, in�amação. Era difícil imaginar que enfrentasse aquelas</p><p>di�culdades todos os dias e ainda conseguisse manter uma postura</p><p>tão positiva.</p><p>A outra paciente, Laura, sentia-se presa, e não era a única a</p><p>perceber — eu também sentia uma energia estagnada à sua volta,</p><p>como se houvesse algo que ela não conseguia ou não queria liberar.</p><p>Não é minha intenção desdenhar de tudo o que ela estava passando;</p><p>o lúpus é uma doença muito desa�adora que afeta profundamente a</p><p>vida das pessoas. Mas Laura parecia estar olhando mais para o lúpus</p><p>do que para sua vida. Consequentemente, embora eu tentasse as</p><p>mesmas abordagens que usava com Janet, os sintomas de Laura nunca</p><p>pareciam ceder.</p><p>À medida que eu prosseguia com o tratamento das duas, desejava</p><p>desesperadamente que Laura adotasse um pouco da atitude de Janet.</p><p>Ambas tinham dores e eram desa�adas pelo padrão in�amatório em</p><p>seus corpos. Mas Laura parecia estar sofrendo, enquanto Janet não,</p><p>pelo menos na maior parte do tempo. O lúpus de Janet parecia se</p><p>integrar à sua força vital, e não drená-la. Ela aprendia lições de vida</p><p>com seu corpo, como encontrar propósito e �uxo, dizer “Kutch par wa</p><p>nay” para alimentos e atividades que não funcionavam, praticar o</p><p>autocuidado e contar com sua comunidade. Ela permitia que a</p><p>doença lhe ensinasse a viver melhor.</p><p>Eu me perguntei como poderia ensinar a Laura o que Janet</p><p>parecia saber por instinto.</p><p>Para entender como essas duas mulheres abordavam a experiência</p><p>da doença de modos tão diferentes, vamos examinar o que passamos</p><p>quando sofremos o impacto de uma dor. Há momentos em que</p><p>somos pegos de surpresa pela vida. Recebemos um diagnóstico</p><p>assustador, as �nanças entram em colapso, ou um relacionamento</p><p>desmorona de repente. Como encontrar o ensinamento nos</p><p>momentos de maior dor? Como nos convencer a procurar as lições</p><p>quando nosso coração, nosso corpo e nossa esperança parecem</p><p>irreparavelmente aos pedaços?</p><p>É</p><p>29</p><p>NOS MOMENTOS EXTREMOS</p><p>hora de contar sobre meu momento mais extremo. Estava com</p><p>quase 70 anos quando tive meu quinto segredo testado do modo</p><p>mais difícil que já experimentara até então.</p><p>Certa vez, quando eu tinha 80 e poucos anos, uma pessoa que</p><p>conheci enquanto viajava disse que, como eu era muito feliz, devia</p><p>“ter tudo fácil”. Ri e respondi: “Meu bem, se você soubesse!” Acabara</p><p>de sair da década mais difícil de minha vida, mas não só isso: minha</p><p>dor havia sido pública. Parecia que todos de minha comunidade</p><p>sabiam em detalhes o que acontecera: Bill deixara nossa parceria —</p><p>tanto nosso casamento quanto nosso negócio — para �car com uma</p><p>enfermeira da clínica.</p><p>O que as pessoas não sabiam era que não era a primeira vez que</p><p>ele pensara em terminar nosso casamento; a�nal, eu não havia</p><p>contado a quase ninguém. Existira outra enfermeira em Ohio,</p><p>embora ele nunca tivesse confessado, e, apesar das suspeitas, eu</p><p>acreditara nele. Tudo que eu sabia era que, do nada, ele anunciara</p><p>que os papéis do divórcio estavam em sua maleta havia 6 meses e que</p><p>queria que eu os assinasse o mais rápido possível. Na época, tínhamos</p><p>quatro �lhos menores de 10 anos, e o divórcio era muito menos</p><p>comum. Eu �quei em choque — não �zera nada de errado. Passara</p><p>longos anos criando as crianças e administrando a clínica sozinha,</p><p>enquanto ele ocupava um cargo fora do estado. Isso tinha sido</p><p>particularmente difícil porque nossa enfermeira tinha uma mãe</p><p>doente, também fora do estado, e viajava muito para visitá-la — um</p><p>enredo que, de repente, eu estava começando a questionar. Expliquei</p><p>a Bill o meu lado: havíamos nos comprometido um com o outro no</p><p>altar, honrado aquele compromisso durante 12 anos até então,</p><p>construído uma vida juntos, tido �lhos juntos, e eu queria que</p><p>�cássemos juntos. Nós daríamos um jeito no que estivesse errado.</p><p>Viajamos até o Kansas para uma semana de aconselhamento</p><p>matrimonial, e tentei, como recomendou o terapeuta, ser mais dócil</p><p>ou alguma outra palavra que não entendi. Recebi a mensagem de</p><p>que, para Bill, eu era cabeça dura demais. Minha ambição era sentida</p><p>como dominadora. O modo como Bill e eu sempre havíamos</p><p>interagido — compartilhando ideias, tendo longas discussões</p><p>�losó�cas, trabalhando lado a lado como parceiros de um negócio e</p><p>como cônjuges — não era saudável porque não era como maridos e</p><p>especialmente esposas deveriam se comportar um com o outro.</p><p>Estávamos nos anos 1950, e eu internalizara muitas ideias sobre o</p><p>papel da mulher e submissão. Pensara, ao me casar com Bill, que ele</p><p>era um tipo de homem diferente, que queria um tipo de esposa</p><p>diferente, mas talvez eu estivesse errada. Era uma constatação</p><p>decepcionante e confusa, mas levei a sério. Recuei um pouco e o</p><p>deixei liderar o caminho.</p><p>Pouco depois, ele nos levou para o Arizona e foi o começo de</p><p>nosso interesse por modalidades de cura alternativas. Ahá!, pensei.</p><p>Então ele quer mesmo uma parceira, e não apenas uma esposa! Nossa</p><p>relação no trabalho se tornou mais forte, assim como nossa amizade.</p><p>Ambos crescemos muito durante as décadas que se seguiram. Juntos,</p><p>organizamos centenas de workshops, conferências e simpósios,</p><p>tirando fotocópias de boletins de notícias para enviá-las mundo afora</p><p>e selando cada envelope à mão. A clínica que dirigíamos era</p><p>conhecida e bem-sucedida, e tínhamos muitos amigos na comunidade</p><p>que viam nosso casamento como um pilar do que era possível quando</p><p>duas grandes mentes se uniam. Nossas conversas pessoais iam até</p><p>tarde da noite, e nelas estimulávamos um ao outro a ter novas ideias e</p><p>se abrir para as possibilidades. Éramos um ótimo time na criação dos</p><p>�lhos e, com alegria, trouxemos mais dois ao mundo no Arizona. A</p><p>mim parecia que os conselhos do terapeuta haviam nos impulsionado</p><p>para o passo seguinte em nossa maravilhosa vida juntos; desde que eu</p><p>o deixasse vencer a maioria das discussões e assumir o papel principal</p><p>em nossa vida pública, minha natureza impetuosa e curiosa era bem-</p><p>vinda. Nossos �lhos cresceram, casaram-se e nos tornamos avós. A</p><p>vida seguiu.</p><p>Até que um dia, 35 anos depois da primeira petição de divórcio,</p><p>Bill começou a pressionar para que uma enfermeira da clínica,</p><p>sempre muito movimentada,</p><p>se tornasse a gerente. Para isso, eu teria</p><p>que abdicar de meu papel de liderança. A ideia soava estranha —</p><p>embora fosse uma boa enfermeira, a mulher não era de modo algum</p><p>uma líder nata; na verdade, quase ninguém gostava dela. O único que</p><p>parecia gostar era Bill. Eles haviam feito viagens pro�ssionais juntos e</p><p>às vezes trabalhavam até tarde no consultório. Eu perguntara várias</p><p>vezes ao meu marido sobre sua amizade com nossa funcionária, que</p><p>havia crescido consideravelmente ao longo dos anos em que ela</p><p>trabalhara conosco, mas ele sempre rira de minhas preocupações.</p><p>Recusei a proposta de mudança administrativa e sugeri que ele</p><p>fosse a Oak Creek Canyon, nosso local favorito para exames de</p><p>consciência, e pensasse se seria eu ou ela — quer dizer, no</p><p>consultório.</p><p>Durante todo aquele �m de semana, rezei para que o Bill McGarey</p><p>que eu conhecia caísse em si. Tive muitas boas conversas entre Gladys</p><p>— a pequena parte de mim que ainda quer brigar — e a dra. Gladys,</p><p>a conselheira sábia que aponta a direção certa a seguir. Gladys estava</p><p>com medo, mas a dra. Gladys tinha certeza de que ela superaria fosse</p><p>lá o que acontecesse em seguida.</p><p>O que aconteceu em seguida foi praticamente a pior possibilidade,</p><p>ou foi o que achei na época. Bill chegou em casa e, de repente, me</p><p>entregou uma carta — que já entregara a todos os nossos seis �lhos</p><p>adultos, bem como ao conselho de diretores da clínica. Ali, explicava</p><p>que sua alma precisava �car sozinha e que, como resultado, ele e eu</p><p>estávamos nos divorciando. Eu havia acabado de �car sabendo, mas</p><p>àquela altura todo mundo já tinha ciência. Era a coisa certa para ele,</p><p>explicava Bill, uma parte integral do caminho de sua alma. O</p><p>caminho de minha alma não foi considerado, suponho. Estávamos</p><p>casados havia 46 anos.</p><p>Ele se mudou para o quarto de hóspedes naquela noite e, pouco</p><p>depois, saiu de casa.</p><p>Levou quase tudo o que tinha quando se foi, talvez para provar que</p><p>não voltaria. Um dos poucos itens que deixou foi seu velho par de</p><p>chinelos. Enquanto eu vagava pela casa nos dias seguintes à sua</p><p>partida, lastimando e chorando, tentando manter meu corpo em</p><p>movimento para não me trancar no medo, encarava aqueles chinelos,</p><p>que pareciam me encarar de volta.</p><p>Por �m, a dra. Gladys levantou a voz:</p><p>— Olha, Gladee, a mamãe sempre disse que, para entender uma</p><p>pessoa, você tem que se colocar no lugar dela. Coloque os chinelos de</p><p>Bill. Tente entender.</p><p>Precisei de quase toda a força vital que havia em mim para seguir o</p><p>conselho.</p><p>Caminhei naqueles chinelos o dia inteiro e noite adentro, dando</p><p>voltas na casa e sem rumo pelo quintal, onde acabei em prantos.</p><p>Vários meses depois, Bill me enviou outra carta. Chegou pelo</p><p>correio. Era um convite para seu casamento com a mesma enfermeira</p><p>que ele tornara administradora — aquela que passara a ser</p><p>responsável pela clínica que havia sido nossa, a clínica da qual eu</p><p>havia sido forçada a sair para que eles pudessem gerenciá-la juntos.</p><p>Pelo jeito, a alma dele não precisara �car sozinha por muito tempo.</p><p>Eu sempre me dispusera a acreditar na história de que, apesar de</p><p>minhas suspeitas, eles eram apenas bons amigos. Achava que, de</p><p>qualquer forma, tínhamos um casamento forte, em que éramos</p><p>verdadeiramente parceiros em todos os aspectos. A escolha de Bill de</p><p>ir embora havia me destruído, e o envio daquele convite tornou claro</p><p>o que o motivara. As décadas durante as quais havíamos sido casados</p><p>pareciam uma farsa. Nunca me sentira tão magoada ou humilhada.</p><p>Ainda por cima, ele havia enviado o convite para minha nova</p><p>clínica. Cerrei os dentes e �nalizei o dia. Mas no longo caminho para</p><p>casa — com as mãos agarradas ao volante, enquanto eu metia o pé no</p><p>acelerador —, comecei a gritar. Não era o lamento agoniado que saíra</p><p>de mim no quintal; era algo ainda mais profundo, que começou</p><p>como um gemido, virou um rosnado e se tornou um urro. Era raiva,</p><p>pura e simples — a mesma que eu pusera em meu gancho de direita</p><p>no parquinho, a mesma que exigia que eu lutasse para sobreviver.</p><p>Gritei para Deus, gritei para Bill, gritei para o universo, gritei para a</p><p>própria vida. Gritei por quase dez minutos sem parar. Achei que não</p><p>conseguiria parar. Percebi que não queria.</p><p>E então, tão de repente quanto eu começara, parei.</p><p>Naquele momento, percebi que algo desconhecido estava vindo à</p><p>tona. A dra. Gladys apareceu e assumiu o controle. Até então, até</p><p>onde eu sabia, meu futuro era estar casada com Bill, mas, naquele</p><p>momento, um futuro que eu nunca imaginara se abria diante de</p><p>meus olhos. E, nesse futuro, havia algo digno de gratidão. Eu tinha</p><p>uma oportunidade pela frente. A experiência tinha uma lição a me</p><p>ensinar — mesmo que eu ainda não tivesse a menor ideia do que</p><p>seria essa “lição”.</p><p>Eu me lembrei de minha mãe, suave e forte como seda. Eu me</p><p>lembrei de como as meninas haviam me chamado na faculdade:</p><p>“Happy Bottom” — um eufemismo para uma brincadeira menos</p><p>educada com meu nome, “Glad-ass”.* Eu não podia mudar a decisão</p><p>de Bill, mas podia mudar minha reação e me alegrar mesmo assim.</p><p>Há algo pelo qual ser grata, mesmo agora, aconselhou a dra. Gladys. E</p><p>Gladys dirigiu o carro de volta à estrada. Alguns dias depois,</p><p>encomendei uma nova placa de automóvel, que �caria anos em meu</p><p>carro. Dizia: “BE GLAD.”**</p><p>Continuei dirigindo. Cruzei a região da grande Phoenix com a</p><p>dissolução pública de meu casamento sob holofotes, mas grata apesar</p><p>de tudo. Estacionei o carro no estacionamento da clínica novinha em</p><p>folha que abrira com minha �lha Helene, e para a qual havíamos</p><p>conseguido obter um empréstimo privado, apesar de eu estar acima</p><p>da idade comum para a aposentadoria. Escutei a parte de mim que</p><p>sabia o que fazer, encontrei as lições e descobri que a vida continuava.</p><p>Não importa o quanto estejamos destruídos, não importa o quanto</p><p>achemos que não sabemos lidar com o que está acontecendo, há uma</p><p>parte de nós que sabe exatamente o que fazer. Há sempre uma</p><p>vozinha que podemos escutar para lidarmos com o que a vida põe em</p><p>nosso caminho. Chamo meu eu mais sábio de “dra. Gladys”, mas você</p><p>pode chamar o seu como quiser — juro que ele existe. Todo mundo</p><p>tem sabedoria o su�ciente para atravessar momentos extremos.</p><p>Precisamos acreditar nisso.</p><p>Quando enfrentamos os desa�os mais difíceis, é um momento</p><p>como o que aconteceu em meu carro — quando escolhemos buscar</p><p>sabedoria e procurar as lições sem nos importar com o quanto doa —</p><p>que reacende a força vital. Sabemos quando acontece. Sentimos um</p><p>impulso, um puxão, temos uma sensação repentina de liberdade no</p><p>movimento. Parece algo poderoso porque é.</p><p>E então a vida continua, assim como era antes da situação extrema.</p><p>Novos desa�os surgem, e continuamos a nos esforçar para escolher a</p><p>luz. A cura não se dá de uma vez só, no momento da escolha; é um</p><p>processo contínuo. Mas, à medida que avançamos, a mágica acontece:</p><p>começamos a extrair cada vez mais da dor do passado. Percebemos</p><p>que podemos continuar aprendendo lições de mágoas antigas, e isso</p><p>pode nos ajudar a lidar com o que o futuro nos reserva.</p><p>* “Happy Bottom” (“Traseiro Feliz”) em analogia a “Glad-ass” (“Bunda Alegre”), que soa</p><p>como Gladys. (N. do T.)</p><p>** “Be Glad”, ou “Seja grata”, mas a expressão também faz uma brincadeira com o nome</p><p>da autora, podendo signi�car “Seja a Glad”. (N. da E.)</p><p>E</p><p>30</p><p>LIÇÃO APÓS LIÇÃO</p><p>ncarar a vida como uma aprendizagem signi�ca que, enquanto</p><p>estamos vivos, há mais lições para receber. Não tenha pressa; tudo</p><p>tem um tempo.</p><p>Pouco depois de Bill me deixar, minha nora, Bobbie, que é</p><p>pastora, me disse:</p><p>— Isso faz parte da tapeçaria de sua vida. Se você olhar muito de</p><p>perto, vai ver apenas os �os e nós… esse é o lado de trás. Mas, à</p><p>medida que você seguir em frente, vai começar a ver a imagem</p><p>inteira.</p><p>Ela estava certa.</p><p>Demorei anos para extrair todas as lições do divórcio. Embora</p><p>minha postura em relação a encontrar os ensinamentos tenha</p><p>mudado em determinado momento, não os recebi todos em meu</p><p>carro naquele dia. Longe disso.</p><p>Nos anos que se seguiram, passei a ver que a vontade de Bill de</p><p>estar com outra pessoa era motivo su�ciente para não �carmos</p><p>juntos, mesmo que</p><p>eu quisesse continuar casada com ele. Entendi</p><p>que os anos em que me forçara a ser a esposa recatada que pensei de</p><p>que ele precisasse haviam ajudado no início. Na verdade, isso pode</p><p>ter sido parte do motivo maior do primeiro abalo no casamento:</p><p>precisei recuar, o que abriu caminho para Bill nos guiar para a</p><p>próxima fase de nossa vida e carreira. Se ele não tivesse sido</p><p>dominante, será que eu teria me aberto a todas as pessoas e ideias que</p><p>ele trouxe para casa? Se não tivesse me pressionado a mudar para o</p><p>oeste, será que eu teria concordado em ir?</p><p>Mas, com o passar do tempo, pôr minhas necessidades depois das</p><p>dele cobrou um preço da missão de minha alma. Isso, somado às</p><p>antigas crenças que eu ainda guardava sobre não ser inteligente,</p><p>levara-me a mantê-lo no papel principal em nosso trabalho juntos</p><p>muito depois de isso deixar de ser útil. Eu o deixava escrever os</p><p>boletins de notícias, lhe pedia para revisar meus discursos e eu era “e</p><p>Gladys” em “Doutores Bill e Gladys McGarey”.</p><p>Minha alma teve muito o que aprender sendo a dra. Gladys</p><p>sozinha. E, embora meu divórcio parecesse ser o �m da linha, estou</p><p>aqui, 34 anos depois, para contar que não foi. Na verdade, minha vida</p><p>melhorou muito a partir daí. Comecei a escrever livros com base no</p><p>que achava certo e me tornei quem eu sempre quisera ser.</p><p>Administrei uma nova clínica com minha �lha Helene por mais um</p><p>quarto de século.</p><p>Na época, enfrentei outros inúmeros desa�os. O maior, de longe,</p><p>foi a morte de Analea, nossa �lha obstinada e brilhante, minha</p><p>querida Annie Lou, que morreu de câncer na casa dos 50 anos. Todos</p><p>meus quatro irmãos se foram a seu tempo também. Perder pessoas é</p><p>uma das maiores tragédias pelas quais passamos. A morte em si é um</p><p>desa�o, quer seja a perda de alguém muito próximo de nós, quer seja</p><p>a morte de um animal de estimação, ou mesmo uma pequena tristeza</p><p>que sentimos quando encontramos um pássaro morto sob o vidro da</p><p>janela. Mas devemos aprender a dar espaço à morte de outros e ainda</p><p>encontrar gratidão porque todos nós vamos passar por isso mais cedo</p><p>ou mais tarde. A morte faz parte da vida; está sempre presente. Temos</p><p>que experimentar o sofrimento que advém dela, senão nos isolamos</p><p>da vida. Temos que deixar nossos �lhos experimentá-lo, temos que</p><p>olhar para isso durante toda a vida, senão nos isolamos da realidade</p><p>de estar vivo.</p><p>Meu divórcio foi um tipo de morte, e as lições que aprendi me</p><p>guiaram nos períodos de sofrimento que se seguiram. “BE GLAD”</p><p>permaneceu comigo — não apenas na placa do carro, mas como uma</p><p>�loso�a de vida. Aquele momento no carro não mudou tudo, mas foi,</p><p>sem dúvida, o início de uma mudança maior. Foi uma espécie de</p><p>aprofundamento da lição que eu aprendera na infância, mostrando-</p><p>me a extensão do que é possível quando escolhemos não brigar.</p><p>Mas ainda demorei uma boa década para trabalhar as últimas gotas</p><p>de raiva e traição. Com o tempo, percebi que ainda amava meu</p><p>marido — na verdade, ainda o amo. Ainda amo o Bill McGarey com o</p><p>qual me casei. Ele foi meu primeiro parceiro e amigo. Nossas almas</p><p>foram feitas para caminhar juntas, e completamos essa jornada.</p><p>À medida que processei melhor a separação, comecei a receber</p><p>novas lições. Durante anos, eu me via como a esposa de Bill. Nos</p><p>primeiros anos depois que ele foi embora, ainda mantive essa</p><p>identidade — eu era a primeira esposa de Bill, a esposa divorciada de</p><p>Bill, aquela que ele deixara. Trabalhar essa nova identidade levou</p><p>tempo. Quando aconteceu, adotei um papel que sempre estivera</p><p>disponível a mim: a amiga de Bill. É o que nos considero hoje,</p><p>embora ele tenha falecido anos atrás. Somos amigos. Somos duas</p><p>pessoas cujas vidas se entrelaçaram e que, sem dúvida, vão se</p><p>encontrar de novo de algum outro jeito nas vidas por vir. Aprendemos</p><p>muito juntos. Certamente ainda não acabamos.</p><p>Na vida, com frequência, são as identidades obsoletas que nos</p><p>causam dor. Buscar lições na vida também é importante nesse quesito</p><p>porque transforma cada um de nós em alunos. Essa talvez seja uma</p><p>das identidades mais importantes na vida. Podemos ser �lha ou �lho,</p><p>pai ou mãe, irmão ou irmã, amigo ou amiga; podemos ser religiosos,</p><p>espirituais ou ateus; podemos ter nascido neste ou naquele país, ou</p><p>ter uma identidade política que é importante para nós. Mas nos</p><p>entendermos como alunos da vida é o mais importante. Dá contexto a</p><p>nossos esforços e nossas alegrias.</p><p>Permite que pelo menos alguns de nossos esforços se tornem nossas</p><p>alegrias.</p><p>Aprendi essa lição mais uma vez com Janet e Laura, as duas</p><p>pacientes com lúpus que mencionei no capítulo 28. Ambas tinham</p><p>jeitos muito diferentes de se identi�car com seus lúpus. Um dia, tive</p><p>uma sessão de tratamento com Janet algumas horas depois de uma</p><p>sessão desa�adora com Laura, cujos sintomas permaneciam</p><p>inalterados. Pensando em Laura e testemunhando o êxito de Janet,</p><p>perguntei a Janet se ela se identi�cava com sua dor de alguma forma.</p><p>— Ah, não — respondeu ela. — Eu tenho dor e tenho lúpus, mas</p><p>dor e lúpus não são eu.</p><p>Ela descreveu que lidava com as crises colocando seu “amigo”</p><p>numa cadeira do outro lado do quarto. Era professora e sempre</p><p>mantinha uma cadeira vazia na sala de aula. Sempre que a dor</p><p>aumentava, ela olhava para a cadeira e pensava: Senta aqui, dor. E não</p><p>ouse se levantar. Eu vou �car aqui. As duas habitavam o mesmo recinto,</p><p>juntas, mas separadas.</p><p>Achei a abordagem de Janet tão incrível que, quando voltei a ver</p><p>Laura, perguntei se ela se identi�cava com sua dor. Laura respondeu</p><p>depressa que tinha orgulho de viver com lúpus, pois superara muitos</p><p>desa�os.</p><p>— Na verdade — começou ela, gesticulando para a janela —, até</p><p>comprei uma placa de carro nova, como você, dra. Gladys. Está</p><p>vendo?</p><p>Eu olhei para o estacionamento da clínica. Seu carro estava</p><p>estacionado a poucas vagas do meu. A placa de Laura dizia: “LÚPUS.”</p><p>Fiquei parada, em choque. Ela não entendera nada do objetivo da</p><p>placa: eu me identi�cara com o que queria alcançar, enquanto ela se</p><p>identi�cara com aquilo que estava se esforçando para superar. Não</p><p>queria sugerir que ela era culpada pela dor que sentia por causa do</p><p>lúpus, mas de repente entendi por que seu sofrimento era tão</p><p>profundo.</p><p>Com delicadeza, tentei incentivá-la a separar sua identidade dos</p><p>sintomas. Queria que Laura entendesse que, embora tivesse lúpus, era</p><p>importante ela não se tornar o lúpus. Gostaria de dizer que Laura</p><p>melhorou em resposta àquela sessão, mas não melhorou. Enquanto</p><p>foi minha paciente, continuou a sofrer muito com a doença e a dirigir</p><p>o carro que a fazia se lembrar desse fato.</p><p>Se você está em uma situação extrema ou gritando para o universo,</p><p>como eu �z depois que Bill foi embora, é importante reconhecer a</p><p>di�culdade do desa�o. Primeiro, permita-se sentir a força disso. Em</p><p>seguida, deixe que a intensidade ajude você a perceber a potência do</p><p>momento. Você está diante de uma oportunidade importante, e é um</p><p>bom momento para começar a fazer algumas perguntas. O que eu</p><p>tenho a aprender? O que esta experiência tem para me ensinar? De que outro</p><p>modo eu poderia encarar o que está acontecendo? Em seguida, se puder,</p><p>alegre-se! Tudo bem se ainda não consegue se sentir grato pela</p><p>situação; seja grato por sua decisão de tentar. Tente abrir um sorriso</p><p>e, se possível, force uma risada alta. Mexa a barriga. Use a voz. Faça</p><p>isso mesmo que não tenha nada de engraçado e que você não tenha a</p><p>menor ideia se vai funcionar. Lembre a si mesmo que isso não</p><p>signi�ca que a culpa é sua; signi�ca que você é o único que pode</p><p>reverter a situação.</p><p>O que também pode ajudar é perguntar a si mesmo, como Janet</p><p>fez: O que mais existe aí? Olhe ao redor — é apenas dor, raiva e</p><p>sofrimento, ou há algo mais? Há uma cadeira onde seu desa�o possa</p><p>se sentar? Há algum outro móvel ou sensação, como alegria,</p><p>curiosidade ou admiração? O que mais existe aí com você — e onde</p><p>está você nisso tudo? Você é apenas essa coisa terrível que aconteceu</p><p>ou, de algum modo, é algo mais?</p><p>Realizar uma mudança de perspectiva assim exige prática. Nas</p><p>primeiras vezes, é estranho, e pode até parecer forçado. Mas, quanto</p><p>mais se tenta, mais automático</p><p>seu ser. Ele se ergueu para continuar a caminhada</p><p>e olhou para a multidão atrás. Não havia apenas pessoas no chão e</p><p>nos telhados, mas muitos outros como eu com os rostos pressionados</p><p>contra as grades das janelas. E eu juro que, por um segundo, ele</p><p>olhou diretamente para mim.</p><p>Conheci o amor muitas vezes ao longo da vida. Mas o amor</p><p>daquele homem jamais vai me deixar. Senti como se ele tivesse visto</p><p>minha tristeza ao deixar a Índia, meu medo e minha esperança, e</p><p>aceitado tudo isso. Ele olhou para mim com um amor inesquecível —</p><p>que reconheceu minha alma.</p><p>Ele se virou e seguiu com a marcha.</p><p>Eu estava testemunhando a histórica Marcha do Sal, ou Salt</p><p>Satyagraha, de Gandhi, em que ele liderou um protesto não violento</p><p>contra a taxação abusiva sobre o sal britânico.</p><p>Se eu pudesse dar algo a você neste momento, seria esse mesmo</p><p>amor inesquecível, do tipo que reconhece e aceita tudo o que você é.</p><p>Esse amor carrega a esperança no futuro. Carrega o signi�cado de</p><p>muitas lições, dando propósito a lutas impossíveis e sinalizando o</p><p>momento de virada em que a força vital cresce e nos impele para um</p><p>novo paradigma.</p><p>Seja lá quem você for, saiba que tenho profundo respeito pelo que</p><p>veio fazer aqui. Considero amorosamente tudo pelo que passou e</p><p>tenho uma profunda esperança no que está por vir. Posso guiar você</p><p>com meus seis segredos e lhe oferecer todo o amor do mundo.</p><p>O resto cabe a você.</p><p>PRIMEIRO SEGREDO</p><p>Você está aqui por um</p><p>motivo</p><p>E</p><p>1</p><p>O SUMO</p><p>u me lembro do exato momento em que encontrei meu sumo.</p><p>Meus pais eram missionários perto de Mussoorie, na Índia, a</p><p>meio caminho para os Himalaias. Aos 5 anos, fui enviada com meus</p><p>irmãos mais velhos para a única escola de língua inglesa na região,</p><p>que atendia em grande parte a �lhos de missionários, funcionários do</p><p>governo e o�ciais do exército britânico. Eu era uma criança meio</p><p>sujinha — minha mãe e minha babá, Ayah, faziam o possível para</p><p>garantir que eu permanecesse limpa e vestida de modo apropriado,</p><p>mas eu fazia de tudo para desfazer o trabalho delas. Preferia brincar</p><p>na terra e subir em árvores do que brincar de boneca e ler livros.</p><p>Gostava de ouvir histórias, mas não gostava de lê-las — toda vez que</p><p>olhava as letras, elas nadavam nas páginas, então eu não conseguia</p><p>entender o que as palavras impressas signi�cavam.</p><p>Na época, não tínhamos uma palavra para esse desa�o, que hoje é</p><p>chamado de dislexia. Passei os primeiros anos na escola pensando</p><p>que era burra, uma ideia incentivada por minha professora do</p><p>primeiro ano, que com frequência me distinguia por meus erros. Eu</p><p>me saí tão mal em suas aulas que tive de repeti-las, e sua opinião sobre</p><p>mim afetou profundamente minha autoestima.</p><p>Olhando para trás, minhas di�culdades parecem até amáveis. O</p><p>fato de que segui em frente e tive a carreira que tive deixa claro, em</p><p>retrospecto, que aquilo foi apenas um breve capítulo do início de</p><p>minha vida. Mas, ao mesmo tempo, na época essas di�culdades</p><p>pareciam enormes. Acreditava mesmo que era burra. Quer dizer, é</p><p>claro que eu pensava que a professora era ainda mais idiota do que</p><p>eu, mas �cava preocupada ao pensar em como poderia vencer no</p><p>mundo se não conseguia aprender algo tão simples quanto ler.</p><p>Sobretudo, �cava preocupada com minha capacidade de seguir meus</p><p>pais na prática da medicina, o que era meu maior sonho.</p><p>Também tinha uma di�culdade enorme de fazer amigos. Era muito</p><p>sozinha e contava os passos ao subir o morro para casa todos os dias</p><p>depois da escola, só querendo poder me enroscar sob o xale de Ayah</p><p>para chorar.</p><p>Passei aqueles dois longos anos da primeira série esperando o</p><p>inverno, quando arrumávamos a bagagem no trailer e partíamos para</p><p>as planícies a trabalho. O que eu mais gostava era do tempo que a</p><p>gente passava nos acampamentos móveis onde meus pais tratavam</p><p>pacientes. Nossas viagens eram agitadas. Pessoas de todo o interior —</p><p>a maioria das castas mais baixas do opressivo sistema indiano — nos</p><p>abordavam para receber assistência médica. O sistema de castas as</p><p>rotulara de “intocáveis”, o que meus pais achavam impreciso e</p><p>trágico. Eu também nunca entendi — como Ayah podia ser</p><p>“intocável” se um abraço dela era a coisa mais maravilhosa do</p><p>mundo? Aliás, como Dar, ou qualquer outra pessoa, podia ser</p><p>intocável — qualquer pessoa? Meus pais também trabalhavam com</p><p>indivíduos com lepra, conhecida hoje como hanseníase, e com</p><p>mulheres, que com frequência não conseguiam receber assistência</p><p>em nenhum outro lugar. A maioria dos pacientes que eles tratavam</p><p>nunca havia visto um médico antes, e muito poucos tinham dinheiro.</p><p>Esse compromisso tornava nosso acampamento um local</p><p>movimentado para onde as pessoas podiam ir não apenas para</p><p>receber tratamento, mas amor, bondade e um sentimento de</p><p>comunidade. Trabalhávamos do amanhecer até as horas mais quentes</p><p>do dia, descansávamos e, então, voltávamos a trabalhar até o cair da</p><p>noite. Depois nos sentávamos todos juntos em volta da fogueira,</p><p>contando histórias sob o manto de estrelas.</p><p>Parecia que todo mundo sabia quando estávamos por perto e que</p><p>meus pais aceitavam qualquer paciente que precisasse de ajuda. Um</p><p>dia, meu pai levou meus irmãos mais velhos para caçar, o que</p><p>signi�cava que cabia a mim, a Margareth e ao nosso irmão mais novo,</p><p>Gordon, ajudar nossa mãe na tenda médica. Adorei ser assistente e</p><p>socorrer pessoas com feridas infeccionadas, doenças crônicas e ossos</p><p>quebrados. Eu me orgulhava de minha mãe ser médica. Também</p><p>achava que já tinha visto de quase tudo em meus primeiros 8 anos de</p><p>vida. Mas, naquele dia, recebemos um paciente que jamais</p><p>esperaríamos.</p><p>Por volta do meio-dia, teve início uma comoção. Então um homem</p><p>jovem entrou no acampamento conduzindo um elefante ferido!</p><p>Minha mãe foi recebê-lo e tentou explicar que não era veterinária.</p><p>Mas o homem disse que aquele elefante era muito especial, o favorito</p><p>do rajá para montar numa caçada. O elefante pisara num toco de</p><p>bambu e machucara a pata. A ferida simplesmente não curava.</p><p>Embora, em geral, os animais do rajá fossem tratados por cuidadores</p><p>especializados, ele sabia que meus pais estavam na área e instruíra o</p><p>homem, que era o treinador do elefante, a não retornar até que meus</p><p>pais tivessem tratado o elefante pessoalmente.</p><p>Minha mãe nunca trabalhara com um elefante, mas não era</p><p>alguém que se esquivava de um desa�o. Num tom amável, mas</p><p>con�ante, ela começou a falar com o elefante como se ele fosse um</p><p>paciente humano nervoso. “Vamos dar uma olhada aqui”, disse ela</p><p>com uma voz suave. “Vou ser delicada. Dá para ver que dói um</p><p>bocado.” Ela olhou com atenção a pata dianteira esquerda do</p><p>elefante, tocando com cuidado a região mole. Estava, de fato, muito</p><p>infectada. Ela deduziu que deveria haver uma lasca de bambu ainda</p><p>ali dentro. Era empolgante, mas um pouco intimidante, estar perto</p><p>de um animal tão majestoso. Fiquei surpresa com sua energia amável</p><p>enquanto passava a mão na pele rugosa e nas presas lisas.</p><p>Percebendo que eu queria ajudar, minha mãe me pediu para pegar</p><p>uma pinça, permanganato de potássio e uma seringa de cobre</p><p>grande. Eu trouxe primeiro a pinça e a maior seringa que havia no</p><p>estoque de suprimentos. Minha mãe ainda estava falando em seu tom</p><p>suave — “Muito bem, muito bem, você está se saindo muito bem” —,</p><p>enquanto o elefante permanecia parado, paciente e piscando.</p><p>Voltei à tenda médica para preparar a solução antisséptica. Peguei</p><p>um frasco grande de permanganato de potássio numa prateleira — a</p><p>tenda médica estava sempre meticulosamente organizada — e o pus</p><p>ao lado do jarro de água que mantínhamos a postos. Medi a</p><p>quantidade de solução com cuidado, enchendo uma bacia inteira</p><p>com o líquido roxo enquanto evitava contato com a substância</p><p>química forte, que eu sabia que escaldaria minha pele se não fosse</p><p>diluída. Ergui a bacia pesada e larga nas mãos e saí da tenda devagar,</p><p>tomando cuidado para não respingar o líquido no chão irregular.</p><p>Quando retornei, encontrei o elefante em pé e quieto, enquanto</p><p>observava minha mãe examinar o pedaço de bambu alojado no fundo</p><p>da parte cinzenta e macia da pata dianteira. Ele permitiu que ela</p><p>removesse a lasca comprida</p><p>se torna. Com o tempo, esse conceito</p><p>simples tem o poder de mudar sua vida, proporcionando a você uma</p><p>experiência muito mais agradável e propositada.</p><p>Quando entendemos que tudo é uma escolha e que cada momento</p><p>é uma oportunidade de aprender, paramos de nos conter.</p><p>Entendemos que a vida é feita para ser vivida, repleta de momentos</p><p>bons e ruins, até o último.</p><p>Prática: Encontrando a lição</p><p>Este exercício nem sempre é fácil. É mais uma prática que repetimos na esperança de que um dia</p><p>tenhamos êxito. Seja delicado e gentil com você, sempre.</p><p>1. Para facilitar, vamos começar com uma lembrança mais confortável. Pense num evento que</p><p>ensinou muito a você. Pode ter sido uma lição fácil ou moderada, mas não escolha um desafio</p><p>difícil: pense em algo que não ative uma reação emocional forte.</p><p>2. Em seguida, deixe sua mente percorrer as lições que você aprendeu a partir desse evento e</p><p>tudo de positivo que veio daí. Sinta de verdade a positividade dessa experiência; deixe-a se</p><p>derramar sobre você como a luz do sol. Você está ganhando força para a parte seguinte do</p><p>exercício, então permita-se banhar-se na positividade primeiro.</p><p>3. Quando estiver pronto, permita que sua mente viaje para uma situação complicada pela qual</p><p>você está passando neste momento. Pode estar relacionada a saúde física, emoções,</p><p>relacionamentos, finanças, o mundo ou qualquer outra coisa. Escolha algo difícil para você —</p><p>algo que pareça injusto ou imerecido.</p><p>4. Em seguida, pense nessa situação de todos os ângulos. Comece fazendo a si mesmo perguntas</p><p>como: o que isso significa para minha alma numa escala mais ampla? O que eu posso aprender</p><p>com isso? Qual é a sabedoria escondida nessa experiência? Como isso pode mudar minha relação</p><p>com o passado, o futuro e o presente? Qual é a lição? Imagine-se daqui a alguns anos lembrando</p><p>desse desafio — o que você pode ter aprendido com isso e até mesmo como isso pode ter</p><p>ajudado você a crescer e mudar, levando a uma vida mais rica. Embora às vezes seja difícil</p><p>passar pela dor ou pela angústia, tente, pois há presentes escondidos na dor.</p><p>5. Peça um sonho que ajude a lhe mostrar o que você não está vendo. Vá dormir, deixe seu</p><p>subconsciente informar o processo e, depois que sonhar, prossiga para o passo 6. Registre seu</p><p>sonho assim que acordar para ter todos os detalhes — mesmo aqueles que não fazem sentido.</p><p>6. Pense naquilo que você registrou sobre seu sonho. Quais são as possíveis interpretações?</p><p>Como os diferentes personagens, locais, frases, ações e/ou eventos do sonho podem ajudar</p><p>você a entender seu desafio?</p><p>7. Quaisquer que sejam as respostas, seja grato por todas. Não significa que você é grato pelo que</p><p>está acontecendo, mas que o fato de poder encontrar mesmo um pequeno ponto positivo é</p><p>um milagre. Não importa o quanto possa parecer insignificante, seja grato por qualquer lição</p><p>que encontrar e seja grato a si mesmo por ter coragem para procurar.</p><p>8. Ao terminar, junte as mãos com as palmas se tocando e os polegares contra o coração. Essa</p><p>versão de mãos em prece ou, como alguns chamam, “mãos de namastê”, é um símbolo</p><p>universal da gratidão. Em hindustani, namastê significa literalmente “eu me curvo a você”.</p><p>Neste exercício, estamos nos curvando à vida e reconhecendo-a como professora.</p><p>SEXTO SEGREDO</p><p>Gaste sua energia</p><p>amp�amente</p><p>D</p><p>31</p><p>ENERGIA COMO</p><p>INVESTIMENTO</p><p>esde o momento em minha infância em que aprendi a não</p><p>brigar, passei cada dia direcionando minha energia para o que</p><p>parece feliz e bom. Isso resultou numa vida longa e incrivelmente</p><p>feliz — feliz o bastante, pelo menos, para muitas pessoas me</p><p>perguntarem o que estou fazendo de diferente. É difícil responder.</p><p>Precisei de quase 102 anos para explicar.</p><p>O motivo pelo qual é difícil pôr a resposta em palavras é que, no</p><p>fundo, ela envolve energia.</p><p>A vida em si é energia.</p><p>Atravessei muitos anos, tratei muitos pacientes e passei por muitas</p><p>fases na tentativa de explicar sem fazer a resposta parecer “louca”</p><p>demais. A verdade é que não tem nada de louco. A primeira lei da</p><p>termodinâmica a�rma que a energia não é criada ou destruída,</p><p>simplesmente muda de forma. O mundo que conhecemos é energia.</p><p>Ela está em toda parte, está em nós. Assim como uma �or, uma</p><p>lagarta ou um elefante são feitos de energia, nós também somos. A</p><p>força vital é o aspecto direcional dessa energia; é como ela se move</p><p>através de nós. É de onde ela vem e para onde está indo.</p><p>Viver bem, portanto, é simplesmente um jogo de aprender a</p><p>direcionar nossa energia para a vida. Requer dirigir a atenção</p><p>afetuosa para o pulso que vai e vem dentro de nós, encontrar o ritmo</p><p>preciso em que essa energia se move e entrar em sincronia. Quando</p><p>conseguimos, a vida ganha ânimo. Torna-se uma interação cheia de</p><p>alegria. Encontramos a felicidade dia após dia, momento após</p><p>momento, no �uxo do amor. Sou uma prova viva.</p><p>Para entrar no �uxo de energia, temos que repensar tudo o que</p><p>nos foi ensinado sobre o que é vida. Vida é o que procura mais vida.</p><p>Assim, somos chamados a abraçar o ritmo implacável de nossas almas</p><p>e a descobrir, a cada momento, o motivo pelo qual estamos aqui,</p><p>encontrando cada vez mais sumo — e investindo nossa força vital</p><p>nisso.</p><p>Ao longo destas páginas, talvez você tenha notado que me re�ro à</p><p>força vital, energia e amor como termos bastante intercambiáveis. Isso</p><p>porque, para mim, esses conceitos são quase a mesma coisa. Meu</p><p>primeiro segredo ensina a encontrar a força vital dentro de nós</p><p>mesmos; o segundo segredo explora por que é tão importante</p><p>descobrir onde essa força vital está �uindo; o terceiro segredo explica</p><p>que a força vital é ativada pelo amor porque, em certo nível, ela é</p><p>amor; o quarto segredo nos ajuda a descobrir como ampli�car o amor</p><p>e a força vital por meio da comunidade; e o quinto segredo nos</p><p>estimula a nos lembrar disso mesmo nos momentos mais difíceis para</p><p>que seja possível receber lições que nos ajudem a seguir em frente.</p><p>Meu sexto e último segredo é: gaste sua energia amplamente. Quando</p><p>assimilamos por completo os cinco primeiros segredos, conseguimos</p><p>investir conscientemente nossa força vital naquilo que a devolve para</p><p>nós, entrando num �uxo contínuo de positividade e luz. De modo</p><p>mais conciso, quando alinhamos nossa energia com a vida, criamos</p><p>um movimento de dar e receber e uma relação com a fonte. Já não</p><p>precisamos tentar produzir nossa própria energia — o que, de</p><p>qualquer forma, é uma batalha perdida porque ela não é criada ou</p><p>destruída —, mas investimos nossa energia em viver. Então, quando</p><p>estamos �cando sem aquilo de que precisamos, simplesmente</p><p>tomamos emprestado de volta.</p><p>A razão pela qual guardei esse segredo para o �nal é que é o mais</p><p>difícil de explicar. Não é tanto algo que entendemos, mas algo que</p><p>sentimos. Requer que façamos uso de nosso conhecimento mais</p><p>profundo, aquele que dribla a mente pensante e vai direto para o</p><p>corpo e a alma. Tive o cuidado de designar esse segredo como “Gaste</p><p>sua energia amplamente”, e não “Gaste sua energia sabiamente”,</p><p>porque, embora a sabedoria seja um objetivo bonito, muita gente</p><p>associa esse antigo princípio a um tipo de sabedoria excessivamente</p><p>cognitivo. O sexto segredo não se refere a esse tipo de sabedoria, mas</p><p>à sabedoria de nossa amplidão, de nosso corpo, a sabedoria dos ciclos</p><p>do universo. Quando focamos olhar para o que aumenta nossa</p><p>energia, nos afastamos por instinto do que a drena sem que</p><p>prestemos muita atenção.</p><p>Vivemos numa era em que o individualismo é celebrado. A cultura</p><p>moderna promove a autoimportância e a independência. Podemos</p><p>nos perguntar: quem sou eu para estar conectado a algo maior e mais</p><p>importante do que eu mesmo? Isso signi�ca que não sou grande ou que não</p><p>sou importante? Esse modo de pensar nos incentiva a acumular</p><p>recursos. Dizem-nos para conservarmos o que temos, para</p><p>compartilhar de modo ordenado e nos assegurarmos de que teremos</p><p>o su�ciente.</p><p>Mas olhar para o mundo por essa perspectiva cria uma rigidez e</p><p>uma contenção que resistem ao próprio �uxo da vida. Juro que,</p><p>enquanto você está lendo isto, seu coração está batendo, seu sangue</p><p>está �uindo e sua respiração</p><p>está continuando — isso signi�ca que</p><p>você ainda tem energia para gastar. Quando �camos trancados no</p><p>medo e paramos de usar a energia que temos, bloqueamos não</p><p>apenas a força vital que se move em nós e para o mundo, mas</p><p>também a força vital que deve voltar para nós.</p><p>Nosso medo de não ter o bastante remonta a gerações. Estudos</p><p>recentes sobre epigenética — ou seja, como os genes são “ligados” e</p><p>“desligados” em resposta às experiências vividas e depois transmitidos</p><p>em tal estado — mostram-nos que ainda estamos respondendo a</p><p>desa�os que nossos ancestrais enfrentaram, mesmo que não sejam os</p><p>mesmos desa�os que enfrentamos hoje.[19]</p><p>Muitos de nossos ancestrais realmente não tinham o bastante para</p><p>viver. Nossos pais e antepassados podem ter transmitido sua ansiedade</p><p>para nós durante a infância. Seus temores se tornaram os nossos.</p><p>Esse medo está no cerne da pergunta que muitos pacientes me</p><p>fazem: querem saber o que �z para chegar a esta idade porque</p><p>temem que o tempo esteja acabando. Trata-se da mesma preocupação</p><p>que muita gente tem com comida, atenção e dinheiro: e se não houver</p><p>o bastante? Mas ser movido por esse medo simplesmente o reforça.</p><p>Se queremos utilizar nossa força vital, o objetivo deve ser inverter</p><p>esse pensamento. Precisamos nos perguntar: o que eu tenho que é o</p><p>bastante? De que posso dispor? O que posso dar para receber? Esses</p><p>questionamentos podem soar contraintuitivos e tentar respondê-los</p><p>exaustivo. Mas quando encaramos nossa energia como um</p><p>investimento, algo novo se torna possível. Em vez de nos depararmos</p><p>com um pote vazio e nos perguntarmos o que aconteceu, podemos</p><p>nos perguntar: bem, o que pus em meu pote recentemente?</p><p>Muitos de nós já ouvimos falar que, quando damos amor,</p><p>recebemos mais em troca. Alguns de nós até dissemos isso para nossos</p><p>�lhos e netos quando eram pequenos. Mas, como a maioria dos</p><p>ensinamentos que passamos para as crianças, é fácil esquecer que esse</p><p>mesmo princípio se aplica a nós, adultos. E, uma vez que força vital,</p><p>amor e energia são intercambiáveis, isso funciona para todos os três.</p><p>Quer dizer, funciona quando começamos a entender onde e como</p><p>gastar nossa energia.</p><p>P</p><p>32</p><p>O QUE VALE SUA ENERGIA?</p><p>ara superar o temor de �car sem energia, podemos olhar para</p><p>onde nosso amor �ui livremente sem medo.</p><p>Temos de olhar para o que mais amamos no mundo — o que nos</p><p>faz bem e nos ajuda a crescer. Só então podemos deixar o amor nos</p><p>mostrar a energia disponível para nós.</p><p>Alguns meses atrás, ofereceram-me acesso a um arquivo de cartas</p><p>de minha mãe para líderes da igreja da época de meus pais na Índia.</p><p>As cartas compreendiam quase 50 anos de relatórios mensais e</p><p>relatavam quem meus pais haviam tratado e por quê, detalhando para</p><p>onde fora o dinheiro e, respeitosamente, pedindo mais. Em 1916,</p><p>depois de alguns anos de trabalho duro, meus pais conseguiram abrir</p><p>um hospital para mulheres no que é hoje a província de Utaracanda.</p><p>Foi o primeiro da região; até então, as mulheres só podiam receber</p><p>assistência médica nos acampamentos porque os hospitais locais não</p><p>as aceitavam. Meus pais administraram a instituição por quase 4 anos,</p><p>até que receberam uma carta da sede missionária dizendo que, com a</p><p>crise econômica, não havia dinheiro su�ciente para fazer tudo o que</p><p>era necessário. Eles teriam que escolher: encerrar o trabalho de</p><p>campo ou fechar o hospital de mulheres.</p><p>A parte seguinte da história eu me lembro da infância. Uma vez,</p><p>minha mãe me contou que ela e meu pai haviam ido às montanhas,</p><p>subiram picos cobertos de neve com apenas uma mula para carregar</p><p>os suprimentos e um menino jovem para cuidar do animal. Haviam</p><p>deixado os �lhos com Ayah e outro missionário durante um mês</p><p>inteiro. Quando ela me contou essa história, achei que eu havia sido</p><p>deixada para trás com os outros. Mas, com base nas datas das cartas,</p><p>percebo hoje que a excursão aconteceu quando ela estava grávida de</p><p>mim, no início da gestação.</p><p>Na ocasião, meus pais deviam saber que minha mãe estava grávida</p><p>— a�nal, eles eram médicos, e ela já tivera três �lhos. Sem dúvida</p><p>conheciam os perigos associados aos altos Himalaias. Com certeza</p><p>estavam cansados; ela provavelmente se sentia enjoada, como</p><p>acontece com frequência com mulheres no início da gravidez; e havia</p><p>muitas tensões com que lidar, considerando a provável perda do</p><p>hospital e as condições climáticas que enfrentariam. Mas eles</p><p>continuaram, carregando a mim e retirando-se tranquilamente para a</p><p>natureza a �m de enfrentar uma das decisões mais difíceis que teriam</p><p>de tomar na vida.</p><p>Meus pais amavam aventuras. Amavam o desconhecido. Amavam</p><p>os Himalaias. Foi nesse amor que investiram sua energia quando</p><p>tomaram uma decisão. Para muitos, aquele seria um momento</p><p>inoportuno para uma subida nos Himalaias — para a maioria das</p><p>pessoas com a formação deles, qualquer momento seria inoportuno para</p><p>uma subida nos Himalaias! Mas, para meus pais, tratava-se do melhor</p><p>jeito de encontrar a força de que precisavam para decidir. Um mês</p><p>depois de partirem, voltaram das montanhas com sua resolução:</p><p>continuariam o trabalho de campo e fechariam o hospital.</p><p>Meus pais tiveram vidas extremas e incríveis. Nunca paravam. Não</p><p>armazenavam energia. Pelo contrário, gastavam cada gotinha que</p><p>tinham naquilo que amavam — e em nada mais.</p><p>Minha mãe ligava pouco para as coisas que eram importantes para</p><p>outras mulheres de sua cultura: cuidava das roupas e da aparência, e</p><p>estava sempre apresentável, mas dava muito mais atenção à �ta da</p><p>máquina de escrever do que a qualquer �ta no cabelo. Continuou a</p><p>valorizar o humor até o dia em que morreu. Pouco antes de fazer a</p><p>passagem, teve uma queda feia. Nós a levamos às pressas para o</p><p>hospital e, na maca, contorcendo-se de dor, ela mesmo assim fez uma</p><p>piada para nos animar. “A velha égua cinza já não é como antes”,*</p><p>disse ela, sorrindo para mim e meu pai. Fez isso porque entendia algo</p><p>importante: enquanto ainda tivesse energia, cabia a ela continuar</p><p>gastando-a no que lhe dava alegria. Ver nós dois rindo valia a pena.</p><p>Gastar energia no que amamos é importante. Ajuda a olharmos</p><p>para a vida e receber a energia que espera por nós. Mas isso não</p><p>signi�ca que devemos nos esgotar o tempo todo. Precisamos</p><p>encontrar o ritmo que funciona para nós e nos adaptar quando há</p><p>mudanças.</p><p>O �uxo da vida se baseia em ritmo. As �orestas têm um ritmo:</p><p>queimam inteiras e crescem de novo. Os corpos têm um ritmo:</p><p>nascem, aprendem uma série de lições e depois morrem. A</p><p>agricultura tem um ritmo: nós preparamos o solo, plantamos</p><p>sementes, cuidamos, colhemos e deixamos a terra descansar.</p><p>Escrituras antigas com frequência fazem referência à natureza</p><p>espiritual de aceitar esses ritmos naturais, como a ideia do sétimo dia</p><p>de descanso presente no Gênesis. Ninguém além de você pode</p><p>encontrar seu ritmo. Assim como minha mãe, subindo as montanhas</p><p>grávida, e assim como eu, vivendo bem aos 102 anos, você tem seu</p><p>próprio ritmo.</p><p>Descansar é uma parte natural do ritmo da vida. As fases em que</p><p>nosso corpo mais cresce — a infância e a adolescência — são aquelas</p><p>em que mais precisamos dormir. Muitas plantas crescem mais à noite.</p><p>[20]</p><p>Descansar, muitas vezes, também é uma parte importante da cura.</p><p>Aconselhei muitas mulheres prestes a dar à luz a descansar e relaxar</p><p>entre as contrações. Isso torna as contrações mais e�cazes e dá a</p><p>energia de que elas precisam para continuar o trabalho de parto. Por</p><p>esse ângulo, é fácil entender como o descanso nos dá sumo.</p><p>Isso acontece mesmo quando o descanso muda com o passar do</p><p>tempo, o que é natural. Muitos de nós dormimos menos quando</p><p>envelhecemos. É comum que designem esse hábito como</p><p>“di�culdade para dormir”, mas eu pre�ro perguntar às pessoas se</p><p>consideram isso um “problema” antes de rotulá-lo como tal. Algumas</p><p>pessoas realmente lutam contra a insônia, e há muitos tipos de</p><p>remédio pensados para lidar com essa questão especí�ca. Mas outras</p><p>estão apenas seguindo seu ritmo natural e, nesse caso, não dormir</p><p>tanto não é necessariamente um problema.</p><p>No meu caso, não encaro a diminuição do tempo de sono como</p><p>uma di�culdade. Em vez de sucumbir à</p><p>ansiedade por não dormir,</p><p>uso o tempo de modo produtivo, focando o que me dá alegria e</p><p>felicidade. Trabalho as coisas que me desa�am, penso em meus</p><p>objetivos e planos, e me permito passear pela estrada da memória,</p><p>lembrando-me de todas as pessoas e momentos encantadores de meu</p><p>passado. Isso não é tempo de sono perdido; se eu precisasse dormir,</p><p>meu corpo acalmaria. Trata-se de um tipo de descanso que</p><p>rejuvenesce meu sumo e me ajuda a investir a maior parte de minha</p><p>energia no dia que tenho pela frente.</p><p>Quando durmo, tenho sonhos espetaculares, que se tornam muito</p><p>mais bonitos e mais intensos à medida que envelheço — viajo para</p><p>novos mundos e tenho novas percepções sem deixar a cama. Mesmo</p><p>quando estou dormindo, estou ativa. Meu corpo inteiro vibra de vida.</p><p>Esse é o modo natural como meu corpo quer descansar.</p><p>O verdadeiro descanso é uma ação. Deve ser algo que fazemos; não é</p><p>apenas a ausência de atividade. Quando estamos descansando,</p><p>devemos ter pensamentos bons, suaves e regenerativos sobre nosso</p><p>corpo. Devemos nos nutrir, aproveitando o ritmo mais lento e estando</p><p>presente.</p><p>É muito diferente da preguiça. Entendo que preguiça é quando</p><p>retemos nossa força vital e a privamos do coletivo; é quando nos</p><p>contemos, recusando-nos a participar. Essa postura drena o nosso</p><p>sumo. O propósito de descansar é o oposto. Quando descansamos,</p><p>estamos conscientemente dedicando nossa energia ao que há de mais</p><p>importante para nós. Estamos lembrando a nós mesmos que devemos</p><p>nos voltar para o que é positivo e bom, e isso vai nos ajudar a dar</p><p>nosso melhor aos outros. O verdadeiro descanso cumpre a maior</p><p>missão do corpo e da alma na encarnação. Rejuvenescermos assim</p><p>nos permite dar nosso “tudo” à vida.</p><p>Dar nosso “tudo” à vida pode gerar mais medo porque muitos de</p><p>nós tememos não ter o bastante. Mas é nesses momentos que coisas</p><p>maravilhosas podem acontecer. Assim como anjos aparecem quando</p><p>mais precisamos, às vezes é nos momentos que sentimos que estamos</p><p>prestes a �car sem algo que esse algo volta para nós.</p><p>* Verso de uma canção tradicional do folclore norte-americano, também cantiga infantil,</p><p>The Old Gray Mare. (N. do T.)</p><p>N</p><p>33</p><p>ABRA ESPAÇO PARA OS</p><p>MILAGRES</p><p>o �m dos anos 1930, tia Belle voltou da Índia de carona. Ela</p><p>cruzou o Oriente Médio, a Ásia e a Europa, até que entrou num</p><p>barco e chegou à Costa Leste dos Estados Unidos. A outra irmã de</p><p>meu pai, tia Mary, uma pessoa �rme e decente, dirigiu até Nova York</p><p>para buscá-la; acho que estava farta das peripécias de tia Belle e</p><p>simplesmente queria colocá-la dentro de casa. Quando tia Belle</p><p>chegou à doca com apenas uma trouxinha de roupas, pois havia</p><p>doado o resto, estava tão desgrenhada que tia Mary mal a</p><p>reconheceu.</p><p>Tia Mary levou tia Belle para casa, limpou-a e comprou roupas</p><p>adequadas para uma senhora de sua posição. Mas, durante aquela</p><p>visita, tia Belle se recusava a entrar nos padrões aceitos — como</p><p>sempre. Tia Mary, exasperada, não sabia mais o que fazer. Estava</p><p>tentando ajudar a irmã a levantar dinheiro para seu orfanato, mas tia</p><p>Belle não estava conseguindo causar uma boa impressão nos</p><p>membros da alta sociedade, como tia Mary esperava. Ela liderava</p><p>grupos de orações, testemunhava sua fé e explicava o importante</p><p>trabalho que as pessoas do orfanato estavam fazendo pelos órfãos,</p><p>mas não se comportava do modo que os amigos de tia Mary estavam</p><p>acostumados a ver uma “senhora decente” se comportar.</p><p>Um dia, tia Belle saiu por algumas horas e voltou para casa com</p><p>um par de sapatos velhos e surrados sobre as meias novas.</p><p>— Belle, o que aconteceu? — perguntou tia Mary, jogando as mãos</p><p>para o alto. — Eu acabei de comprar aqueles sapatos para você! Onde</p><p>estão?</p><p>Tia Belle sorriu.</p><p>— Ah, estes aqui vão me servir bem. Eu �z uma nova amiga, e ela</p><p>precisava deles. Estava morando na rua e passando di�culdade. Além</p><p>disso, nossos pés eram do mesmo tamanho.</p><p>— Belle! Você trocou de sapatos com ela? Mas estes estão cheios de</p><p>furos. Você não pode passar o inverno assim. Como você vai arranjar</p><p>sapatos novos?</p><p>Minutos depois, tia Mary pegou a irmã e foi, mais uma vez,</p><p>comprar sapatos para ela, como tia Belle suspeitara que faria.</p><p>Todo mundo riu quando elas contaram isso — inclusive tia Mary. A</p><p>história era parte integral do repertório familiar. Era apenas mais um</p><p>exemplo de como tia Belle levava a vida: com uma fé inabalável de</p><p>que qualquer coisa que desse com o coração aberto voltaria para ela.</p><p>Essa predisposição era apenas uma parte do que todos nós</p><p>adorávamos em tia Belle: ela nos inspirava a nos lembrarmos da</p><p>magia que está à nossa espera quando entendemos que nossa energia</p><p>�ui com a energia do mundo. Às vezes, temos que nos despir de tudo</p><p>para obter algo em troca — e é só quando conseguimos dar tudo o</p><p>que temos, que a vida começa a nos recompensar. É como se o grande</p><p>“banco” do universo perguntasse: “Você realmente precisa desse</p><p>empréstimo?” Quando nossa resposta é “Preciso”, nosso desejo é</p><p>realizado.</p><p>Isso não nos livra da responsabilidade sobre nossos atos. Tia Belle</p><p>estava disposta e teria vivido bem com os sapatos furados. Correu um</p><p>risco calculado, o que é necessário para uma vida bem vivida. Se não</p><p>nos dispomos a arriscar nossa energia, começamos a armazená-la. Nós</p><p>nos desconectamos de nossa própria amplidão. No �m, não importa o</p><p>quanto sejamos cuidadosos, acabamos arriscando e perdendo tudo</p><p>para o medo.</p><p>Então como saber quais são os riscos que vale a pena correr?</p><p>Quando vale a pena gastar nossa energia na esperança de que esse</p><p>seja um investimento que vai nos trazer uma recompensa?</p><p>As respostas para essas perguntas quase sempre são únicas para</p><p>cada pessoa porque têm tudo a ver com o propósito particular de</p><p>cada alma. Nunca sabemos quais são as tragédias ou os milagres que</p><p>vão surgir em nosso caminho. Todos passamos por eventos incríveis, e</p><p>todos são parte da jornada de nossa alma. É por isso que, ao longo</p><p>deste livro, incentivei você a entender quem é e o que veio fazer aqui.</p><p>É um passo necessário para entrar em contato com o médico interior</p><p>e responder a muitas perguntas.</p><p>Mas também tenho um pequeno conselho para dar. Há certas</p><p>coisas que quase nunca valem a energia de ninguém. Espero que a</p><p>esta altura eu tenha deixado claro que lamentar o passado, esconder-</p><p>se na autopiedade e alimentar a negatividade raramente são úteis — e</p><p>apenas quando nos ajudam a mudar nosso presente e futuro. Os</p><p>outros cinco segredos podem ajudar você a discernir quando é o caso.</p><p>Por outro lado, as coisas que lhe dão sumo sempre valem sua</p><p>energia. Meu irmão Carl adorava trabalhar com saúde internacional.</p><p>Continuou a dar palestras até alcançar mais de 90 anos, quando</p><p>convivia com um tumor doloroso. Sua última palestra foi quatro dias</p><p>antes de sua morte, em 2010.</p><p>Entender onde a vida está em movimento e onde está bloqueada é</p><p>essencial para saber onde gastar a energia. Se algo parece estagnado,</p><p>ponha sua energia naquilo que está se movendo. Não desperdice-a</p><p>com o que está preso.</p><p>O amor sempre vale sua energia. Sempre. Invista no que você ama,</p><p>em quem você ama, em como você ama. O amor é uma fonte</p><p>inesgotável de força vital, e está sempre disponível.</p><p>Uma boa comunidade também vale sua energia. Minha irmã</p><p>Margaret �cou bem decepcionada quando percebeu que passaria</p><p>seus últimos anos de vida numa comunidade de aposentados. Mas</p><p>então decidiu tirar o máximo proveito da situação. Fez amigos</p><p>queridos, ingressou numa banda e tocou tambor como Ayah lhe</p><p>ensinara na infância. Encontrou felicidade nas novas circunstâncias</p><p>porque acolheu a comunidade que se abriu para ela e, no �m, se</p><p>deitou no leito de morte cantando, a�rmando que Ayah estava a seu</p><p>lado.</p><p>Procurar as lições escondidas na vida também guia nossa energia.</p><p>Em 80 anos de prática de medicina, o que percebi é que os pacientes</p><p>que tentam aprender com as circunstâncias são aqueles que sofrem</p><p>menos. Minha amiga e paciente Bobbie Woolf (não confundir com</p><p>minha nora, também chamada Bobbie) é um exemplo.</p><p>Décadas antes de nos conhecermos, quando era uma criança</p><p>pequena, Bobbie caiu num balde de alcatrão e foi levada às pressas</p><p>para o hospital.</p><p>Os médicos da emergência conseguiram salvá-la, mas</p><p>ela perdeu um dos rins e mais da metade do outro. Bobbie passou a</p><p>maior parte da primeira infância num hospital, presa a uma máquina</p><p>de diálise, com um quarto de rim. Com o passar do tempo, foi</p><p>autorizada a passar os �ns de semana em casa e depois dias inteiros na</p><p>escola, mas tinha que usar um aparelho especial que a deixava com</p><p>tubos pingando em absorventes higiênicos. Para ela, era difícil fazer</p><p>amigos por causa de seu estado e devido à falta de contato com outras</p><p>crianças por que passara. Repetidas vezes, a comunidade médica lhe</p><p>a�rmara que era quase impossível que ela tivesse uma vida plena.</p><p>Por sorte, ela não acreditou.</p><p>Bobbie se tornou atleta no ensino médio. Àquela altura, seu corpo</p><p>compensara o espaço vazio de um lado ao curvar a coluna vertebral</p><p>para alcançá-lo, provocando escoliose. Mesmo assim, ela procurou</p><p>praticar vários esportes. Sua conexão com as outras meninas nos</p><p>times de que participava lhe permitiu romper o estigma social de sua</p><p>condição e ensinar o que ela própria acreditava: sua diferença não era</p><p>motivo de escárnio, mas uma prova de que sua vida era um milagre.</p><p>Seus esforços precoces a tornaram uma pessoa incrivelmente</p><p>autocon�ante. Ela aprendeu cedo o que vale sua energia e o que não</p><p>vale. Dá pouca atenção ao que os outros pensam dela ou ao que a</p><p>comunidade médica diz, e dedica sua força vital a explorar o que é</p><p>possível com o corpo que tem. Bobbie põe seu amor nos amigos que</p><p>fez e no �lho que criou.</p><p>Susan, do capítulo 18, que reconstituiu sua coluna vertebral,</p><p>também parou de dar atenção ao que a maioria das outras pessoas</p><p>pensava; as ideias delas não a haviam ajudado a se curar, mas suas</p><p>próprias ideias, sim. Essa percepção deu origem a uma profunda</p><p>con�ança na intuição. Em seus últimos anos de vida, muito depois de</p><p>se aposentar como professora, ela dedicou sua força vital a acabar</p><p>com a violência nas escolas. Continuou a encontrar sumo porque</p><p>continuou a pôr seu amor no que trazia signi�cado para sua vida e,</p><p>quando por �m faleceu, doou seu corpo à ciência para que o milagre</p><p>que acontecera dentro dele pudesse ser estudado.</p><p>Essas duas mulheres usaram as di�culdades da vida para ajudá-las a</p><p>identi�car o que importava para suas almas únicas. Ambas investiram</p><p>toda sua energia amplamente nisso. Em troca, foram presenteadas</p><p>com vidas ricas e incríveis.</p><p>Entender o que vale nossa energia varia de indivíduo para</p><p>indivíduo e de momento para momento. Aprender a escutar sua voz</p><p>interna é a chave para discernir como e onde investir sua força vital. E</p><p>é preciso verdadeiramente viver para entender isso. Fomos feitos para</p><p>interagir com a vida. O trabalho dela é simples: devemos tentar e</p><p>falhar até termos êxito.</p><p>A verdade é que não posso apontar exatamente o que vale sua</p><p>energia, mas sua vida pode.</p><p>Quando vivemos assim, cada momento se torna uma oportunidade</p><p>de responder a perguntas importantes: quanta força vital devo colocar</p><p>nisso? E naquilo? Nós nos tornamos cada vez mais aptos a dizer “Kutch</p><p>par wa nay” para tudo que não importa, como minha mãe ensinou</p><p>meus irmãos e eu a fazer muitos anos atrás. O processo em si se torna</p><p>bonito e nos dá vida.</p><p>Quando praticamos isso, é inevitável nos depararmos com</p><p>pensamentos e coisas que percebemos que estão drenando nossa</p><p>força vital. Em alguns casos, é fácil de lidar; simplesmente deixamos</p><p>esses elementos desaparecerem e seguimos em frente. Mas o que</p><p>fazer quando identi�camos atividades, lugares ou até pessoas que</p><p>estão drenando nossa força vital, mas não conseguimos ou não</p><p>queremos eliminá-los? Como encontrar um jeito de mudar nossa</p><p>relação com os elementos que queremos manter sem excluí-los?</p><p>A</p><p>34</p><p>ALIMENTE O QUE É POSITIVO</p><p>ssim como em muitas verdades que compartilhei com você, tudo</p><p>é uma questão de perspectiva.</p><p>Quando tento explicar a meus pacientes o conceito de como</p><p>gastamos nossa energia, muitos adotam de imediato a interpretação</p><p>inversa e começam a pensar em como conservar sua energia, o que</p><p>está completamente equivocado. Baseia-se numa visão negativa. Muita</p><p>gente está tão acostumada a essa visão negativa que nem sequer a</p><p>percebe. Mas eu noto porque vejo tudo — tudo mesmo — pelo ângulo</p><p>positivo.</p><p>Isso quer dizer que, quando percebemos que algo, algum lugar ou</p><p>alguém está drenando nossa energia, não precisamos cortá-lo de</p><p>nossa vida por completo. É possível conscientemente oferecer-lhe um</p><p>tipo de energia diferente. Precisamos assumir as rédeas e decidir</p><p>como vamos mudar essa interação de negativa para positiva.</p><p>Passar pelo divórcio foi provavelmente a situação mais difícil que</p><p>vivi. Muito depois de me decidir e mudar a placa do carro, eu tinha</p><p>que me esforçar para pôr energia positiva no que acontecera. Claro,</p><p>eu podia pôr energia positiva no resto da minha vida e ser grata por</p><p>tudo que ainda não entendia, mas sentir-me bem em relação ao</p><p>divórcio em si foi muito mais difícil.</p><p>Durante aquele período, Bill e sua nova esposa em grande medida</p><p>não faziam parte de minha vida no sentido concreto. Quase nunca</p><p>nos víamos. Mas, no que dizia respeito à minha vida emocional e</p><p>mental, eles estavam muito presentes. Percebi cedo que pensar na</p><p>nova esposa de Bill drenava minha energia e que, no �m das contas,</p><p>eu não devia nada a ela. Eu a liberei, kutch par wa nay, como �ores na</p><p>água. Não lhe desejo o mal, mas também não gasto uma gota de</p><p>energia com ela. Essa decisão por si só liberou uma boa parte de</p><p>minha força vital para outras coisas.</p><p>Mas eu não queria cortar Bill de minha vida. No dia em que nos</p><p>casamos, prometi amá-lo para sempre, e essa promessa não terminou</p><p>com o �m de nosso casamento.</p><p>Eu perdoara sua decisão. Mas sentia que minha força vital ainda</p><p>estava indo para ele de modo negativo e percebia que eu estava</p><p>menos vibrante e viva por causa disso.</p><p>O Bill que me deixara estava comigo quando eu ia para a clínica</p><p>toda manhã. Estava comigo quando eu me sentava para ver o pôr do</p><p>sol na maioria das tardes, o brilho laranja e rosa contra a silhueta dos</p><p>cactos no deserto. O triste é que esse não era sequer o Bill que eu</p><p>conhecia. Eu havia conseguido fazer as pazes com o universo e</p><p>encontrar alegria em tudo o que aprendera, mas não deixara a dor ir</p><p>embora. Minha energia estava sendo drenada pela ideia do divórcio, e</p><p>por mais que eu tentasse me encher de sumo, este voltava a se esvair</p><p>de mim. Eu �cava arrasada ao pensar que o que eu me lembraria de</p><p>nosso casamento era o modo como terminara e a mágoa que viera</p><p>junto.</p><p>Até que aprendi mais uma lição de Bill e do divórcio. Na noite de</p><p>meu aniversário de 79 anos, eu tive um sonho.</p><p>No sonho, toda a família estava reunida à grande mesa de carvalho</p><p>da casa onde havíamos vivido durante a maioria dos anos que</p><p>passamos juntos com nossos �lhos. Todos eles estavam presentes,</p><p>assim como Bill. Minha mãe estava ali também. Ela se aproximou de</p><p>mim, beijou-me no rosto e disse: “Diga a Bill que agora ele precisa ir.”</p><p>Eu me virei para Bill e disse: “Você tem que ir embora.”</p><p>Ele se levantou, deu-me um beijo de despedida e se encaminhou</p><p>para a porta. Foi quando percebi que ele segurava uma centena de</p><p>cordas prateadas, que estavam amarradas em torno de mim. Fui</p><p>forçada a me levantar e acompanhá-lo contra minha vontade. Eu</p><p>lutava, mas não conseguia me libertar.</p><p>Então toda a família se levantou também, e vi que cada um deles</p><p>estava segurando uma tesoura.</p><p>Um a um, eles cortaram as cordas prateadas até eu me libertar. Bill</p><p>não prestou atenção, como se não soubesse das cordas, e continuou</p><p>seu caminho. Entrou no carro e foi embora.</p><p>Quando acordei, entendi que as cordas simbolizavam a</p><p>negatividade, e não nossa conexão.</p><p>Nos anos que se seguiram, enviei muito amor ao Bill que se casara</p><p>comigo. Eu lhe dei a força vital que queria dar. Ofereci amor às</p><p>lembranças de nosso casamento, aos bons tempos que havíamos tido</p><p>juntos, às coisas engraçadas que nossos �lhos haviam dito, aos triunfos</p><p>e surpresas ao longo da carreira compartilhada. Ao mesmo tempo,</p><p>parei de dar minha força vital ao Bill que me deixara porque este era</p><p>um homem que eu mal conhecia. Pus</p><p>energia naquilo que funcionara</p><p>e me recusei a dar energia ao que não dera certo. Conscientemente,</p><p>investi energia em Bill — mas era a energia positiva que alimentaria</p><p>minha força vital, não a energia negativa que a drenaria.</p><p>Hoje, quando penso em Bill McGarey, esse amor é minha melhor</p><p>lembrança.</p><p>É o que sugiro que você faça ao perceber as mudanças sutis em</p><p>como gasta sua energia. Se não gosta de uma parte de certa atividade,</p><p>mas quer mantê-la, ajuste a energia que está dando a isso. Se não</p><p>gosta de parte de uma pessoa, mas quer que ela permaneça, mude o</p><p>modo como se relaciona com essa pessoa — tanto em suas interações</p><p>quanto em sua mente e seu coração. Encontre aquilo de que você</p><p>gosta. Dê a isso seu melhor. Ofereça tudo. Invista sua força vital.</p><p>Há muitos jeitos de fazer isso. Uma amiga querida, depois de anos</p><p>abençoada com um grande quintal, teve que ir morar num</p><p>apartamento pequeno. No início, estar em casa a incomodava. Ela</p><p>sentia falta de um jardim para cuidar. Sentia falta de olhar pela janela</p><p>o quintal do vizinho e se incomodava porque sua nova vista era um</p><p>mar de tijolos e concreto. Então comprou uma planta para a casa,</p><p>depois outra, e depois outra. Fez um pequeno canteiro na varanda e</p><p>plantou tomate-cereja. Deu tudo o que tinha a seu pequeno jardim,</p><p>encheu sua vista de verde e passou a amar seu novo lar, assim como</p><p>amara o anterior.</p><p>Um paciente meu, Eric, precisou reavaliar a carreira depois da</p><p>pandemia de Covid. Acabara gostando de trabalhar em casa e não</p><p>queria voltar para o escritório. Mas seu gerente pensava diferente e,</p><p>quando o home of�ce foi suspenso, Eric teve que voltar ao escritório</p><p>em horário integral. Da perspectiva �nanceira, ele não podia largar o</p><p>emprego, então perguntou a si mesmo o que mais gostara ao</p><p>trabalhar em casa. Constatou que havia adorado as relações que</p><p>desenvolvera com os vizinhos, conectando-se com eles de pequenas</p><p>maneiras no decorrer dos dias, e que gostara de passar mais tempo</p><p>com seu cachorro. Também detestava a reunião da manhã no</p><p>escritório, que achava sem sentido.</p><p>Eric argumentou com o gerente, e juntos eles organizaram alguns</p><p>eventos sociais no horário do almoço para que colegas de diferentes</p><p>departamentos pudessem se conectar fora do trabalho. As conexões</p><p>sociais que criaram tornaram mais signi�cativos os momentos em que</p><p>se esbarravam no escritório e inspiraram uma reunião da manhã bem</p><p>mais animada. Eric constatou que, quando punha sua energia na</p><p>conexão com os colegas, a reunião era menos chata; em vez de �car</p><p>esperando que a reunião acabasse, ele começou a ansiar por ela. E,</p><p>mais importante, o gerente concordou em deixá-lo levar o cachorro</p><p>para o trabalho algumas vezes por semana, o que trouxe alegria e</p><p>prazer para todos no escritório.</p><p>Esses exemplos nos lembram que, com frequência, não é o que</p><p>está fora que precisa mudar para que sejamos felizes; normalmente, é</p><p>uma mudança interna na intenção o que nos liberta.</p><p>Q</p><p>35</p><p>MUDE O FOCO</p><p>uando algo prende sua atenção negativa, é necessário fazer uma</p><p>escolha: você vai se afastar dessa atividade, pessoa, pensamento</p><p>ou lugar, ou vai �car preso ali? Se decidir �car, a única atitude a se</p><p>tomar em seguida é encontrar o que há de positivo e alimentar isso.</p><p>Preste atenção ao que importa. Não continue enfrentando sua vida</p><p>com negatividade — em vez disso, dê o seu melhor.</p><p>Alguns anos antes de nos conhecermos, Barry recebeu um</p><p>diagnóstico de síndrome da fadiga crônica. Nessa época, ele tinha</p><p>mais de 70 anos e se tornara avô havia pouco tempo. A fadiga crônica</p><p>é causada por um vírus latente, como o Epstein-Barr, ou por uma</p><p>bactéria transmitida pela picada do carrapato, como aquela que causa</p><p>a doença de Lyme. Mas muita gente tem esses vírus e bactérias no</p><p>organismo e não sofre no longo prazo; de algum modo, a energia</p><p>dessas pessoas é direcionada de modo diferente. É por isso que,</p><p>quando trato essas doenças, não olho apenas o patógeno, mas como e</p><p>para onde o paciente direciona sua energia.</p><p>No consultório, Barry afundou na cadeira. Ele me parecia mais</p><p>velho do que alguém na casa dos 70 anos — não �sicamente, embora</p><p>a maior parte de seu cabelo fosse branco e sua pele estivesse mais</p><p>�ácida.</p><p>Ele me descreveu os sintomas. Por mais que dormisse, sua energia</p><p>parecia não retornar. Ficava na cadeira reclinável da sala com mais</p><p>frequência, assistindo aos noticiários diurnos. Enquanto isso, sua</p><p>esposa dava conta sozinha de tudo que antes os dois costumavam</p><p>fazer juntos: cuidar do jardim e encontrar amigos para o jogo de</p><p>bridge semanal.</p><p>— Ela está um pouco mais lenta do que 30 anos atrás, mas ainda</p><p>está ativa — explicou ele. — Quer dizer, está ativa de um jeito que eu</p><p>com certeza já não estou. Ela acorda de manhã e vai fazendo isso,</p><p>fazendo aquilo, telefonando para os amigos e conversando. E eu �co</p><p>pensando: será que é isso? São esses os “anos dourados”? Eu tenho que me</p><p>perguntar: será que estou velho?</p><p>Seus olhos se arregalaram quando ele disse isso, como se de</p><p>repente se sentisse constrangido por fazer essa pergunta a alguém 20</p><p>anos mais velho.</p><p>Notei sua postura ao caminhar quando entrara no consultório: ele</p><p>arrastara os pés de leve, com os ombros um pouco curvados. Com</p><p>certeza havia algum problema. Era como se sua força vital o estivesse</p><p>contornando; a vida acontecia à sua volta, mas ele não participava</p><p>dela, e não só porque estava perdendo os jogos de cartas semanais.</p><p>— Bem, como você está gastando sua energia? — perguntei.</p><p>Barry bufou, e seu rosto se contorceu um pouco.</p><p>— Que energia? — perguntou secamente. Mas, em seguida, ele</p><p>sorriu e perguntou: — Mas, sério, o que você quer dizer com gastar?</p><p>O médico disse que eu devia descansar.</p><p>— Bem, sim, é verdade, mas quando não está descansando, você</p><p>gosta do que faz? Gosta de como gasta seu tempo? As coisas nas quais</p><p>você põe energia deixam você mais energizado?</p><p>— Acho que nunca pensei nisso assim — respondeu ele,</p><p>esfregando as mãos juntas sobre o colo. — Achei que eu deveria</p><p>poupar energia.</p><p>Ele parecia nervoso e desconfortável.</p><p>Como faço com muitos pacientes, comecei a perguntar sobre sua</p><p>infância. Queria entender as lentes através das quais ele via a vida. Por</p><p>que estava tão preocupado em arriscar sua energia?</p><p>Barry me contou que sua mãe era muito avessa a riscos. Embora,</p><p>mais velho, ele entendesse que ela sofria de ansiedade e não a</p><p>culpasse por isso, sua infância não havia sido muito diferente daquela</p><p>do amiguinho de meu �lho Carl que ia brincar de luvas. A mãe de</p><p>Barry gritava para ele não subir alto demais nos brinquedos do</p><p>parquinho, e raramente ele tinha permissão para sair de casa sozinho</p><p>— mesmo para o jardim da frente. Ele me contou uma lembrança</p><p>particularmente forte de sua mãe lhe dizendo para não andar de</p><p>bicicleta na rua sem saída onde moravam por temer que um carro o</p><p>atropelasse. Desde então, ele havia parado de pedalar. Enquanto os</p><p>outros meninos corriam pela cidade de bicicleta, ele �cava a maior</p><p>parte do tempo dentro de casa.</p><p>— Mas eu gostava de �car sozinho — explicou, sorrindo. Parecia</p><p>genuíno. — Só não gostava de me sentir deixado de lado. Quando me</p><p>lembro, acho que eu queria explorar mais.</p><p>Na adolescência, Barry passara mais tempo com outros jovens.</p><p>Embora gostasse da companhia, ele se sentia compelido a fazer tudo</p><p>o que os outros faziam. Um amigo estava no time de basquete, então</p><p>ele entrou para o time de basquete. Outro amigo ingressara numa</p><p>certa universidade, então ele também foi atrás.</p><p>— Acho que para mim é difícil saber do que realmente gosto, dra.</p><p>Gladys. Sei do que as outras pessoas gostam, e sei do que devo gostar,</p><p>mas não sei do que eu gosto. Além disso, não quero decepcionar</p><p>ninguém, em especial minha esposa.</p><p>Juntos, Barry e eu decidimos que ele precisava descobrir, mesmo</p><p>que sua esposa se decepcionasse com a resposta.</p><p>Começamos a discutir como ele poderia mudar o que pensava</p><p>sobre como gastava sua energia, em vez de tentar não gastá-la. De</p><p>imediato, ele observou que assistir aos noticiários não estava</p><p>ajudando, então começou a usar o tempo que passava sentado para</p><p>escrever histórias de sua vida. Depois de redigir</p><p>tudo de que</p><p>conseguia se lembrar, passou a inventar histórias, imaginando os</p><p>lugares onde poderia ter ido se tivesse explorado mais, e o que</p><p>poderia ter feito. Gostou de ler essas histórias em voz alta para os</p><p>�lhos adultos e os netos jovens.</p><p>Como sua agenda de aposentado permitia, Barry passou meses</p><p>inteiros fora, indo sozinho a uma cabana no bosque ou de férias na</p><p>praia. Fez passeios a partes do estado onde nunca havia estado e</p><p>chegou a programar uma viagem internacional. Até que sua esposa se</p><p>cansou de cuidar do jardim sozinha e, juntos, os dois tomaram a</p><p>decisão de morar numa casa menor para que ela pudesse cuidar de</p><p>um jardim menor enquanto ele viajava.</p><p>Mais ou menos um ano depois, Barry voltou a meu consultório e</p><p>contou que tinha muito mais energia. Durante as viagens, voltara a</p><p>pedalar pela primeira vez em mais de 60 anos. Gostava de trabalhar</p><p>em seus textos e aprimorá-los. Ainda descansava mais do que quando</p><p>tinha 40 anos, mas já não se sentia fatigado. Sua vida parecia plena, e</p><p>ele estava usando o tempo ocioso para se preparar para o resto dela.</p><p>Além disso, ele estava empolgado ao perceber que a esposa estava</p><p>muito mais feliz também. Durante os anos que ele passara sentado,</p><p>ela assumira cada vez mais as responsabilidades conjuntas que tinham</p><p>e também se cansara da rotina. Ela estava feliz com a casa e o jardim</p><p>menores. Gostava de ter tempo para si mesma. E estava aliviada por</p><p>não ter que usar sua força vital para fazer Barry feliz porque ele</p><p>�nalmente estava assumindo a responsabilidade por isso. O</p><p>casamento estava passando por um pequeno renascimento, explicou</p><p>Barry, e até os �lhos haviam notado o quanto ambos pareciam mais</p><p>animados.</p><p>Com mais de 70 anos, Barry começou a gastar sua energia no que</p><p>lhe dava alegria e fazia sentido, e, no processo, constatou que sua</p><p>energia começou a retornar. Voltou a gostar de viver, e seu corpo</p><p>parecia cada vez melhor. Nunca voltou a jogar cartas, porém. Acabou</p><p>que, para ele, o bridge simplesmente não era divertido. Sua esposa</p><p>adotou a irmã como nova parceira de jogo e, enquanto elas jogavam,</p><p>Barry saía para longos passeios de bicicleta ao sol.</p><p>Se você está lutando para encontrar energia para cumprir as</p><p>tarefas diárias, talvez seguir o exemplo de Barry e perguntar a si</p><p>mesmo se realmente quer realizar essas atividades ajude. Elas lhe dão</p><p>alegria? Drenam sua energia ou a ampli�cam? Aumentam seu amor,</p><p>dão sumo e vitalidade, e fazem você se envolver com as pessoas à sua</p><p>volta? Se as respostas a essas perguntas não vierem com facilidade,</p><p>pense em meus outros cinco segredos. Permita que lhe ajudem a</p><p>identi�car o sentimento da força vital que �ui dentro de você. Então</p><p>refaça as perguntas e veja se algo mudou.</p><p>Depois, é hora de começar a fazer escolhas: o que você quer fazer?</p><p>Como pode conseguir isso? O que ainda quer ser, explorar, aprender</p><p>ou descobrir?</p><p>Talvez também ajude mexer um pouco em sua rotina. Procure o</p><p>ritmo da vida e o acompanhe. É provável que note que fazer</p><p>pequenas mudanças em seus dias pode ajudar na percepção de que</p><p>você é a fonte de sua energia e de que as atividades e relações estão aí</p><p>para aumentar a força vital que já tem. Identi�que as falsas crenças a</p><p>respeito de evitar riscos ou de não ter o bastante que talvez estejam</p><p>sendo alimentadas. Essas ideias estão ajudando você? Que mudança</p><p>de perspectiva pode ajudar a ajustá-las?</p><p>Quando fazemos isso, retornamos ao �uxo do mundo natural.</p><p>Percebemos que o sol nasce toda manhã sem se preocupar se vai �car</p><p>sem energia porque ele sabe que é a fonte e sabe que ela nunca</p><p>termina. Enquanto há vida, há energia. Cabe a nós investir no que é</p><p>importante.</p><p>Prática: Abraçando a vida</p><p>1. Pense nas atividades, pessoas e lugares onde você pôs energia ao longo da vida. O que a</p><p>drenou? Onde você pode investi-la e ter um retorno?</p><p>2. Agora tente sair de sua mente pensante por um instante e sentir. Deixe seus pensamentos</p><p>vagarem por essas mesmas atividades, pessoas e lugares, mas agora, em vez de pensar, sinta.</p><p>Sua energia flui livre ou se contrai? Você sente um aumento ou uma redução de força vital? A</p><p>mudança é sutil, mas a prática dos outros exercícios deste livro preparou você para responder a</p><p>essas perguntas. O que seu conhecimento mais profundo diz?</p><p>3. Com base no que sentiu, escolha conscientemente uma atividade, pessoa ou lugar que lhe traz</p><p>mais energia. Como seria possível convidar mais disso para sua vida? Você pode praticar essa</p><p>atividade com mais frequência, telefonar para essa pessoa ou passar mais tempo nesse lugar?</p><p>Pense em uma pequena mudança e coloque-a em prática.</p><p>4. Ainda com o passo 2 em mente, pense nas pessoas, nos lugares e nas atividades que drenam</p><p>sua energia. Escolha pelo menos um que você possa interromper por completo, assim como</p><p>Barry parou de jogar bridge. Escolha algo pequeno para começar. Seu conhecimento mais</p><p>profundo vai guiar você. O que é preciso para desistir? Você pode fazer isso com gratidão e</p><p>amor?</p><p>5. Em seguida, pense em tudo que está drenando sua energia, mas que você não quer ou não</p><p>consegue liberar. Como seria possível investir sua força vital de um jeito diferente? Você pode</p><p>mudar o modo como pensa nessa pessoa, como gasta tempo nesse lugar ou o tipo de energia</p><p>que põe nessa atividade?</p><p>6. Depois de refletir sobre essas questões e talvez até fazer algumas anotações, abra bem os</p><p>braços e imagine-se abraçando a força vital. Sinta a energia ilimitada da vida emanando de seu</p><p>coração e das pontas dos dedos. Abrace a vida com todas as alegrias e tristezas, os desafios e</p><p>aprendizados, os triunfos e surpresas, e alegre-se por ter recebido o precioso dom da vida.</p><p>Você pode realizar esta prática assim que acordar ou antes de dormir, permitindo-se abraçar a</p><p>amplitude da vida à sua volta.</p><p>U</p><p>Conclusão</p><p>O MOMENTO CERTO É AGORA</p><p>ma noite, no início de 1960, Bill e eu assistimos a uma palestra</p><p>sobre parto com participação do marido. Na época, a ideia era</p><p>quase revolucionária na comunidade médica, e eu estava empolgada</p><p>por estar com outros médicos e pro�ssionais que constituíam a</p><p>vanguarda das práticas de parto autorizadas que punham o</p><p>nascimento de volta nas mãos das mulheres, de seus parceiros e dos</p><p>pro�ssionais escolhidos por eles. Na época, eu estava mais ou menos</p><p>na 38ª semana de gestação de meu sexto �lho. Já tivera sorte o</p><p>bastante de dar à luz meu quinto �lho em casa, sem intervenções, e</p><p>pretendia fazer o mesmo com o bebê que estava residindo em meu</p><p>ventre na época.</p><p>Olhei com carinho para ele. Foi quando percebi que algo estava</p><p>errado.</p><p>Pus as mãos na barriga por instinto, sentindo o volume criado por</p><p>seu corpinho dentro do meu. Minhas mãos eram treinadas pelas</p><p>assistências em centenas de gestações e con�rmaram minhas suspeitas</p><p>na hora. Meu �lho, que em questão de semanas precisaria sair pela</p><p>cabeça, estava sentado sobre o bumbum. Senti sua cabecinha perto de</p><p>minha caixa torácica — o exato oposto de onde precisava estar.</p><p>Eu já havia virado bebês no útero muitas vezes, mas em geral não</p><p>numa fase tão avançada do processo, e nunca um bebê meu. Sabia</p><p>que muitos bebês de culatra nascem saudáveis. Também sabia que a</p><p>posição do bebê inevitavelmente complicaria o trabalho de parto.</p><p>Enquanto o palestrante falava, comecei a lidar com a situação antes</p><p>que a preocupação se transformasse em alarme. Fiz o que sempre</p><p>fazia quando virava um bebê antes do nascimento: comecei a falar</p><p>com ele.</p><p>Ouça aqui, pequenino, comuniquei-me internamente com meu �lho.</p><p>Repousei uma das mãos suavemente sobre sua cabeça e a outra sobre</p><p>seu bumbum. Você tem que nascer daqui a algumas semanas. Vai ser um</p><p>pouco difícil para você e um pouco difícil para mim, mas eu sei que vamos</p><p>conseguir e, no �m, vai ser maravilhoso. Mas, para isso acontecer, você tem</p><p>que dar uma viradinha. Precisamos de sua cabeça embaixo quando as</p><p>contrações vierem. Precisamos que você se vire para olhar para a vida.</p><p>Ao mesmo tempo, eu falava comigo mesma. A Gladys mãe estava</p><p>preocupada. Mas a dra. Gladys era mais esperta. Não se preocupe. Não</p><p>precisa ter medo de nada. O que está acontecendo está acontecendo</p><p>e, se está</p><p>acontecendo agora, está acontecendo no momento certo.</p><p>O medo nos diz que é tarde demais. Que não �zemos o su�ciente,</p><p>que não fomos o su�ciente, que não vimos o su�ciente, que não</p><p>aprendemos o su�ciente e que não ganhamos o su�ciente. Que</p><p>estamos muito atrás, que há outros à nossa frente e que estamos</p><p>�cando sem tempo. Mas o amor está sempre no momento certo. A</p><p>vida está sempre no momento certo. Esse momento merece respeito.</p><p>Percebemos o poder do tempo nos momentos mais importantes da</p><p>vida: no nascimento, na morte, no sofrimento e na cura.</p><p>Espero que você leve as lições que compartilhei para o resto da</p><p>vida. Talvez se sinta mais identi�cado com um segredo do que com os</p><p>outros. Talvez queira ver como cada um funciona para mudar sua</p><p>perspectiva ao longo da vida. No processo, talvez se depare com</p><p>algumas perguntas comuns baseadas no medo: será que é tarde demais?</p><p>Será que estou atrasado demais?</p><p>E a pergunta que sempre me faz rir hoje em dia por causa de</p><p>minha idade: será que estou velha demais?</p><p>Quanto mais vivemos para relembrar a vida, mais cômica essa</p><p>pergunta se torna.</p><p>Maggie Mae, minha bisneta esperta e atrevida, fez 5 anos há pouco</p><p>mais de um ano. Ela queria uma festa de aniversário de princesa, com</p><p>�tas e balões pela casa, e disse a todos na família o que precisavam</p><p>fazer para ajudá-la a comemorar, dando a cada pessoa uma tarefa</p><p>especial ou um papel para representar. Seu pai iria limpar a casa, seu</p><p>irmão de 2 anos não podia ir à pré-escola, sua avó iria cuidar de seu</p><p>novo irmão bebê, e sua mãe iria assar e decorar o bolo. Depois que os</p><p>presentes haviam sido abertos, que o bolo bonito havia sido devorado</p><p>e seu dia feliz e cuidadosamente orquestrado estava chegando ao �m,</p><p>Maggie Mae adquiriu um olhar triste. A família perguntou qual era o</p><p>problema.</p><p>— Agora eu tenho 5 anos. Todos meus dias de 4 anos acabaram.</p><p>Agora eu tenho que crescer — respondeu ela.</p><p>Maggie Mae levou muito a sério o negócio de crescer. À mesa do</p><p>café da manhã, no dia seguinte, quando seu pai lhe passou a geleia</p><p>para a torrada, ela disse:</p><p>— Estou humildemente honrada com sua generosidade.</p><p>Ninguém havia ensinado a ela essa frase nem a instruído a dizê-la.</p><p>Tratava-se de sua própria adaptação à circunstância de ter 5 anos —</p><p>ou de �car mais velha.</p><p>Acho que muitos de nós olhamos para a vida e o envelhecimento</p><p>assim: cada ano que passa um toque de clarim anuncia que a diversão</p><p>acabou, que é hora de crescer e �car sério. Ou chegamos a uma certa</p><p>idade ou fase da vida e sentimos que paramos de crescer, que a cura é</p><p>impossível ou que nunca vamos mudar. O engraçado na juventude é</p><p>que ela sempre parece estar fugindo de nós. Até mesmo Maggie</p><p>pensou que estava velha demais! Mas nós nunca paramos de crescer.</p><p>E a cura nunca é impossível. É sempre o momento certo de fazer uma</p><p>mudança.</p><p>É</p><p>É por isso que, quando pacientes me procuram com a</p><p>preocupação de que estão velhos demais, eu as dispenso. “Ninguém é</p><p>velho demais”, digo. Imagino que, em minha idade, ganhei o direito</p><p>de fazer essa declaração.</p><p>Como espécie, somos um pouco confusos em relação à idade em</p><p>geral. Temos consciência de que um dia todos vamos morrer,</p><p>portanto, de certa forma, cada dia é um a mais em direção ao �m.</p><p>Mas, com o passar do tempo, começamos a perceber que a ideia de</p><p>que alguém é “velho demais” para algo é simplesmente absurda.</p><p>Torna-se risível, como a séria admissão da doce Maggie Mae de que</p><p>fazer 5 anos signi�cava que era hora de crescer.</p><p>Você consegue se lembrar da primeira vez que se tornou</p><p>consciente de sua idade? Para a maioria das pessoas, aconteceu muito</p><p>tempo atrás. Consegue se lembrar da primeira vez que pensou que</p><p>era “velho demais” para aprender a tocar um instrumento, “velho</p><p>demais” para voltar para a escola, “velho demais” para mudar de</p><p>carreira, ou “velho demais” para mudar uma relação?</p><p>Pensando agora, você era mesmo “velho demais” na época?</p><p>Se não era, por que tem tanta certeza de que é “velho demais”</p><p>agora?</p><p>Ao cuidar de mulheres grávidas e acompanhar seus partos, conheci</p><p>muitas que tinham ouvido que eram velhas demais para se tornarem</p><p>mães. Uma dessas mulheres foi minha colega na escola de medicina.</p><p>Depois de cinco abortos espontâneos e perto dos 50 anos, ela</p><p>engravidou e deu à luz um menino de 4,5 quilos. Vi tantos exemplos</p><p>como esse que já não os acho tão milagrosos. Aliás, há uma história</p><p>antiga em minha família de que uma de minhas tias-avós teve um</p><p>bebê aos 60 anos e outro aos 62! Encaro isso como mais um dos</p><p>mistérios do universo.</p><p>Isso não signi�ca que toda mulher vai dar à luz bebês depois de</p><p>uma certa idade — ou que algum dia vai dar à luz. Esses são mistérios</p><p>sobre os quais não temos poder. Não podemos controlá-los, podemos</p><p>simplesmente nos render com esperança e gratidão, e ver o que</p><p>acontece.</p><p>Em parte, o que torna acontecimentos misteriosos possíveis é a</p><p>crença de que não sabemos tudo, de que há coisas maiores que nós e</p><p>que não podem ser explicadas. Penso que é extremamente</p><p>importante manter o sentimento de admiração pelo mundo</p><p>conforme envelhecemos. É o que nos mantém jovens. Nossas almas se</p><p>bene�ciam de cultivarmos a ideia de que não sabemos o que vai</p><p>acontecer ao longo da vida.</p><p>Eu me pergunto o que aconteceria se invertêssemos a perspectiva</p><p>na expressão “velho demais”? Em vez de pensarmos que estamos</p><p>desperdiçando tempo não fazendo seja lá o que for que gostaríamos</p><p>de fazer, e se considerarmos que temos, na verdade, trabalhado nisso</p><p>sem parar?</p><p>Gosto de brincar que sempre informo Deus de minha</p><p>programação, mas ele não escuta. O universo não entende meu timing</p><p>mais do que posso entender o timing divino.</p><p>É assim que o tempo funciona.</p><p>Já aconselhei muitas mulheres grávidas com tornozelos inchados</p><p>que apontavam para a barriga gigante e reclamavam: “Eu quero que</p><p>ele saia! Agora!” Minha resposta é simples: “O bebê vai sair quando</p><p>estiver bem e pronto. Prometo.”</p><p>A verdade é que, embora às vezes seja necessário tirar o bebê antes</p><p>de estar pronto, isso geralmente não é o melhor para ele. Coisas</p><p>importantes estão acontecendo ali dentro, mesmo que não saibamos</p><p>o quê.</p><p>No mundo de hoje, estamos muito preocupados em manifestar.</p><p>Muito interessados no momento em que algo passa a existir — em</p><p>que publicamos um livro, compramos uma casa ou recebemos um</p><p>prêmio.</p><p>Mas esse é apenas um lado do que está acontecendo. No profundo</p><p>subterrâneo energético do universo, as coisas que vamos acabar</p><p>manifestando estão passando por uma gestação. Estamos reunindo</p><p>experiências para o livro. Estamos trabalhando para poupar dinheiro</p><p>para a casa. Estamos aprendendo e fazendo as coisas que vão inspirar</p><p>alguém a nos oferecer um prêmio.</p><p>Chamo esse processo de femifestar. É o que está acontecendo em</p><p>nosso útero e com nossa força vital ao longo dos anos. Estamos nos</p><p>abastecendo, nos preparando, aprendendo. Em grande parte, olhar</p><p>para a vida é aceitar o femifestar, mesmo quando não o entendemos.</p><p>Às vezes, estamos bem e prontos, mas alguém, algo ou mesmo o</p><p>próprio mundo está femifestando, preparando-se para receber o que</p><p>temos a oferecer.</p><p>Quando deixou a Índia para sempre, tia Belle ingressou em um</p><p>serviço religioso onde conheceu um pastor chamado Ed, que �cara</p><p>viúvo pouco tempo antes. Acho que tia Belle não estava nem sequer</p><p>pensando em casamento na época — já havia passado muito da idade</p><p>considerada “ideal” para se casar e nunca demonstrara muito</p><p>interesse por homens. Mas ela e Ed se apaixonaram, e um mês depois</p><p>tiveram um casamento muito feliz. Ambos iniciaram um capítulo</p><p>novo da vida juntos.</p><p>Se tivessem se conhecido antes, Ed estaria casado. Se Belle fosse</p><p>mais jovem, poderia não ter se interessado em se estabelecer na</p><p>periferia de Nova York. Nos anos anteriores ao encontro, ambos</p><p>haviam estado bastante ocupados, portanto, embora incomum, o</p><p>timing foi simplesmente perfeito.</p><p>Ouvi dizer que, nos trópicos, esse conceito às vezes é chamado de</p><p>hora do coco. O coco cai quando está pronto para cair. Não é possível</p><p>saber quando vai acontecer, mas sem dúvida podemos desperdiçar</p><p>bastante força vital na tentativa de descobrir. Às vezes o coco cai</p><p>e não</p><p>sabemos por que demorou tanto. Não é da nossa conta e não vai nos</p><p>ajudar em nada saber. A vida continua, e cabe a nós seguir seu �uxo.</p><p>Meu pai nos contava uma história que ilustrava muito bem essa</p><p>ideia. Um dia, ele e um querido amigo da família, Harry Dean, foram</p><p>enviados para matar um crocodilo. De vez em quando, pediam a eles</p><p>para matar o que chamávamos de “comedor de homem” — um</p><p>predador idoso que �cara lento demais para caçar como antes,</p><p>provara o gosto dos humanos e descobrira que eram presas fáceis.</p><p>Esses animais espreitavam vilas, às vezes matando famílias inteiras, um</p><p>a um. Harry e meu pai eram conhecidos como pessoas corajosas,</p><p>fortes e boas de tiro; então, quando �cavam sabendo dos comemores</p><p>de homem, saíam para matá-los tão depressa e humanamente quanto</p><p>podiam.</p><p>Eles localizaram e mataram o crocodilo, depois começaram a</p><p>processar a carcaça para aproveitá-la ao máximo. Dentro do estômago</p><p>do crocodilo, encontraram primeiro um monte de joias. Ambos</p><p>�caram horrorizados e aliviados porque signi�cava que haviam</p><p>apanhado o animal certo: o crocodilo havia comido pelo menos uma</p><p>senhora bem de vida. Ao revirarem a sujeira do estômago,</p><p>encontraram algo mais: uma tartaruga. Havia �cado completamente</p><p>branca por causa do tempo que passara dentro do conteúdo ácido do</p><p>estômago do crocodilo. Meu pai e Harry �caram maravilhados com a</p><p>visão.</p><p>E então algo ainda mais chocante aconteceu: a tartaruga começou</p><p>a se mexer. Esticou a cabeça para fora do casco — devagar, como</p><p>todas de sua espécie — levantou-se e saiu andando.</p><p>Meu pai nos contou essa história várias vezes quando éramos</p><p>crianças. Nós a adorávamos, e ele jurava que era verdade.</p><p>— Imaginem isso da perspectiva da tartaruga! — Ele ria. — Ela</p><p>com certeza não sabia que seria salva! Quando as coisas parecerem</p><p>sombrias e você �car tentado a desistir, lembre-se da tartaruga e</p><p>aguente mais um pouco.</p><p>Quando crianças, aprendemos a aguentar mais um pouco. Pensei</p><p>naquela tartaruga muitas vezes enquanto atravessava momentos</p><p>extremamente difíceis, que pareciam tão sombrios quanto o interior</p><p>da barriga de um crocodilo. Pensei também naquela tartaruga</p><p>quando houve alguns aspectos do timing universal que eu</p><p>simplesmente não conseguia entender. Tudo tem seu tempo — e não</p><p>cabe a nós entender.</p><p>A cura também tem seu tempo. Com muita frequência, o tempo é</p><p>o ingrediente secreto que permite que a cura aconteça.</p><p>Às vezes, enquanto desejamos que as coisas sejam mais rápidas, elas</p><p>estão exatamente no ritmo que deveriam. Se não tendêssemos tanto à</p><p>velocidade, talvez fosse mais fácil aceitar o femifestar do universo.</p><p>Entender essa ideia nos abre para uma nova possibilidade que</p><p>talvez não tenhamos considerado antes. E se quanto mais as coisas</p><p>demoram, melhores são? O que isso signi�caria? E se, em vez de</p><p>correr atrás da juventude e do tempo perdido, aceitássemos o</p><p>processo de envelhecimento e abríssemos espaço para a ideia de que</p><p>a vida pode se tornar cada vez melhor com o passar do tempo?</p><p>Pense neste conceito radical: diferente do que nossa cultura</p><p>obcecada pela juventude nos faz acreditar, talvez nós possamos nos</p><p>tornar cada vez melhores à medida que nossos corpos envelhecem.</p><p>Aliás, devemos!</p><p>Por essa perspectiva, envelhecer não implica compensar as</p><p>capacidades perdidas ou enfraquecidas, mas estar mais propenso a</p><p>aceitar o que fomos feitos para ser. Cada ano que passa nos conecta</p><p>mais com nosso propósito.</p><p>Tive outra chance de aprender isso ao encontrar minha voz aos 93</p><p>anos.</p><p>Sonhei que era criança e havia saído escondida para cantar</p><p>canções não religiosas num domingo. Isso era malvisto em casa, então</p><p>estava com medo de me meter em problemas. Mas então Jesus em</p><p>pessoa apareceu e riu, incentivando-me a continuar cantando mesmo</p><p>assim. Acordei de supetão.</p><p>Na época, eu era médica e líder em medicina havia muitas</p><p>décadas. Também era mãe, avó e bisavó. Vinha usando minha voz</p><p>havia algum tempo. Tratara pacientes, falara em conferências, cantara</p><p>cantigas de ninar. Mas não havia aprendido a con�ar em minha voz.</p><p>Não aprendera a con�ar em minha intuição a respeito do que eu</p><p>sabia que era verdade: nesse caso, que cantar era sempre bom se fosse</p><p>com alegria! Depois de mais de nove décadas no planeta, eu ainda</p><p>duvidava de que minha mensagem era boa o bastante ou de que eu</p><p>tinha o que era necessário para expressá-la de modo adequado.</p><p>Se eu não tivesse tido aquele sonho e encontrado minha voz, talvez</p><p>não estivesse escrevendo este livro para você hoje. Esse foi o tempo de</p><p>que precisei para chegar a este momento.</p><p>Meu pai não sabia como seriam os últimos anos de sua vida. No</p><p>início, depois que minha mãe morreu, �camos todos preocupados</p><p>com sua reação. Os dois haviam sido um time e tanto por muito</p><p>tempo. Tiveram mais do que um casamento; eram colegas, amigos e</p><p>con�dentes. Haviam tido uma vida incomum, o que para ele poderia</p><p>di�cultar se relacionar com outros que haviam escolhido um caminho</p><p>mais convencional. Eu não queria que ele �casse solitário.</p><p>Até que meu pai surpreendeu a todos nós. Primeiro �cou amigo da</p><p>mãe de minha cunhada, que todos nós chamávamos de Mother</p><p>Daniels, e então de repente anunciou que iriam se casar. Achamos a</p><p>notícia maravilhosa. Meu sobrinho, que já estava na escola de</p><p>medicina, se divertiu muito; ele precisava obter permissão dos</p><p>professores para tirar um tempo livre e ir ao casamento, então disse</p><p>que iria ao casamento dos avós. Os professores responderam: “Bem, já</p><p>era hora, certo?”</p><p>Nos anos que meus pais viveram juntos, houve muita alegria, mas</p><p>também muito trabalho. Estavam numa missão, literalmente. O</p><p>primeiro casamento de Mother Daniels havia sido semelhante: forte,</p><p>seguro e sólido. Mas meu pai e Mother Daniels decidiram que o deles</p><p>seria diferente. Eram companheiros, mas focavam a diversão, sem</p><p>qualquer trabalho duro envolvido. Ambos sentiam que nunca haviam</p><p>realmente brincado. Nos últimos 2 anos de vida de meu pai, ela fazia</p><p>colchas, e ele jogava xadrez. Simplesmente se divertiram juntos.</p><p>Quando meu pai soube que estava perto do �m, disse a Mother</p><p>Daniels que queria ser enterrado com minha mãe, e ela entendeu. Os</p><p>dois tomaram um avião para o Arizona, e ele foi direto para o</p><p>hospital, onde permaneceu até morrer. Mother Daniels cantou hinos</p><p>religiosos enquanto ele fazia a passagem. Em seu último suspiro, meu</p><p>pai pronunciou palavras junto a ela. No caminho para casa naquele</p><p>dia, Mother Daniels e eu falamos sobre o Aleluia! que todos estavam</p><p>cantando do outro lado. Ficamos maravilhados com a atitude doce e</p><p>bela de Mother Daniels de liberar meu pai para ser enterrado com</p><p>minha mãe, que o receberia no reino seguinte. Depois de um longo e</p><p>feliz casamento com minha mãe, aqueles anos com Mother Daniels</p><p>foram a cereja do bolo.</p><p>Tenho o prazer de dizer que os últimos anos de minha vida têm</p><p>sido absolutamente maravilhosos. Minha família cresceu. Aprendi</p><p>mais sobre mim mesma. E ainda não terminei. Na verdade, ainda</p><p>acordo com o mesmo pensamento toda manhã: Tudo bem. O que você</p><p>vai aprender hoje?</p><p>Aprender nos ajuda seguir em frente — e seguir em frente nos</p><p>ajuda a viver.</p><p>Um dos jeitos de seguir adiante é criar um plano de 10 anos. Por</p><p>que um plano de dez anos? Bom, pensar em toda nossa vida é</p><p>simplesmente aterrador. Do mesmo modo, se focarmos por um</p><p>tempo curto demais, nos sentimos ineptos, como se não pudéssemos</p><p>concluir mais nada. Tente fazer isso agora. É simples: pegue papel e</p><p>caneta e escreva o que quer fazer na próxima década.</p><p>Um plano de 10 anos abre espaço para tudo. Assegura que vai</p><p>existir tempo para femifestar e para manifestar. É um período longo o</p><p>bastante para mantermos nossa força vital ativada, mas também curto</p><p>o su�ciente para conseguirmos alcançar o que almejamos, sacudir a</p><p>poeira e fazer um novo plano.</p><p>Meu plano de 10 anos atual envolve cumprir um sonho que tenho</p><p>há muito tempo. Desde os anos 1970, venho visualizando a Vila da</p><p>Medicina Viva, onde as pessoas vão poder se reunir para praticar o</p><p>bem-estar e estar plenamente vivas. Vai ser mais do que apenas um</p><p>centro de cura, vai ser uma verdadeira comunidade, onde os corpos</p><p>humanos vão ser reconhecidos como o santuário divino que são. As</p><p>pessoas dessa vila não vão estar em guerra com a vida, e sim</p><p>apaixonadas por ela. Ali, vamos buscar a vida juntos.</p><p>Ao traçar um plano, incentivo você a estabelecer objetivos claros e</p><p>deixar bastante espaço para o mistério. Porque nunca sabemos</p><p>quando tudo vai mudar de repente, quando algo persistente vai dar</p><p>lugar ao novo.</p><p>Nunca sabemos quando vamos estar espontaneamente curados.</p><p>Nunca sabemos quando vamos ser abençoados com o perdão ou</p><p>quando nosso sonho �nalmente vai se realizar, manifestando-se para</p><p>nós.</p><p>A única certeza é que algo está acontecendo, e somos parte</p><p>integral disso.</p><p>Na palestra sobre parto com a participação dos parceiros,</p><p>continuei a conversar com meu bebê em silêncio, enquanto Bill</p><p>permanecia quieto ao meu lado. Ele não tinha a menor ideia do que</p><p>estava acontecendo à medida que minhas mãos acariciavam a barriga.</p><p>Quando achei que havia chegado o momento certo, comecei a</p><p>pressionar o bumbum de meu �lho. Continuei a instruí-lo o tempo</p><p>todo durante o processo.</p><p>Olha, bebê, posso ajudar a guiar você, mas não posso fazer isso sozinha.</p><p>Você tem que se mover. Ponha seu bumbunzinho ali! Ponha a cabeça para</p><p>baixo; é hora de encarar a vida!</p><p>De repente, eu o senti se mover sob minha mão. Em um instante,</p><p>ele se virou em meu útero, atirando-se como um peixe pulando na</p><p>água. Um segundo depois, ele se acomodou com a cabeça para baixo</p><p>e o bumbum para cima. Enquanto meu corpo se ajustava à sua nova</p><p>posição, eu me inclinei para trás e sorri.</p><p>Duas semanas depois, essa criança e eu trabalhamos juntos no</p><p>parto. Cercada por minha família afetuosa, recebi meu �lho David</p><p>neste mundo formidável e maravilhoso.</p><p>Minha sincera esperança é de que, ao ler este livro, minhas</p><p>palavras tenham ressoado dentro você — ou, se não, que algum dia</p><p>venham a ressoar. Essas são as maiores lições que aprendi em meus</p><p>102 anos. Eu as ofereço como presentes. Que você as receba com</p><p>alegria.</p><p>Assim como �z meu �lho se virar para olhar para a vida, trabalhei</p><p>nestas páginas para ajudar você a olhar para ela. Mas trata-se de um</p><p>processo contínuo. É uma prática que devemos adotar todos os dias.</p><p>Por meio disso, somos chamados a mudar radicalmente, mas aos</p><p>poucos, com nossa compreensão deixando de pensar que estamos na</p><p>vida e passando a entender que a vida está em nós.</p><p>Talvez sua conexão com a vida tenha falhado um pouco. Talvez</p><p>você esteja lutando com a realidade do mundo como ele é. Ou talvez</p><p>seja como a maioria de nós, algo entre uma coisa e outra, alternando</p><p>entre momentos melhores e piores, mas tentando dar sentido a todos.</p><p>Qualquer que seja seu caso, não é tarde demais para olhar para a</p><p>força vital dentro de você.</p><p>Quer você nunca tenha sabido, quer tenha simplesmente</p><p>esquecido, juro que a vida está aí, pulsando em seu corpo e em sua</p><p>alma, à espera.</p><p>P</p><p>Agradecimentos</p><p>erto de terminar de escrever este livro, eu tive um sonho.</p><p>Estava numa cerimônia em que receberia um prêmio. Todos</p><p>estavam sentados a mesas redondas, e alguém estava no palco. Minha</p><p>mesa �cava mais para os fundos do salão. A pessoa no palco me</p><p>apresentou e me chamou para receber o prêmio. Eu me levantei, e</p><p>todos se viraram para me olhar e aplaudir.</p><p>Foi nesse momento que percebi que estava usando um vestido</p><p>longo com botões atrás que iam do pescoço à cintura. Foi também</p><p>nesse momento que percebi que a longa �leira de botões estava</p><p>aberta.</p><p>Fiquei estática, em choque. Como iria atravessar o salão com os</p><p>botões abertos? Não dava para abotoá-los e, mesmo que desse,</p><p>demoraria tempo demais. As pessoas estavam olhando, à espera de</p><p>que eu subisse ao palco para receber logo o prêmio.</p><p>Mas a fé me chamou. A esperança acenou. Algo profundo e</p><p>verdadeiro, algo além de mim, me compeliu a seguir em frente assim</p><p>mesmo. Então eu fui.</p><p>Quando me afastei da mesa, �quei surpresa ao sentir alguém</p><p>chegando por trás para fechar o botão de baixo.</p><p>Dei mais alguns passos e senti mais dedos fechando o botão</p><p>seguinte.</p><p>Continuei andando enquanto as pessoas no salão me aplaudiam, e</p><p>cada uma pela qual eu passava fechava mais um botão do vestido.</p><p>Quando cheguei à beira do palco, estavam todos abotoados de cima a</p><p>baixo. Eu estava aliviada e grata. Sabia que podia fazer o que fora</p><p>fazer na cerimônia: subir os degraus, dizer algumas palavras, sorrir e</p><p>aceitar o prêmio.</p><p>Mas, como o sonho me mostrou, eu não podia fazer isso sozinha.</p><p>Talvez nenhum de nós jamais faça nada sozinho. Talvez o maior</p><p>trabalho seja feito em união, em conexão com outras pessoas. Em</p><p>minha vida, pelo menos, foi assim. Não é maravilhoso?</p><p>Ofereço a mais profunda gratidão a cada um que fechou um botão</p><p>para que eu conseguisse concluir este livro. Foi com a ajuda dessas</p><p>pessoas que pude apresentar essas ideias ao mundo e este livro pôde</p><p>vir a existir.</p><p>Obrigada à minha mãe e meu pai, à dra. Beth Siehl Taylor e ao dr.</p><p>John C. Taylor, que me ensinaram não apenas sobre amor</p><p>incondicional, mas sobre seu papel sagrado na medicina. Sou grata</p><p>por ter sido criada junto a meus três irmãos maravilhosos, John, Carl</p><p>e Gordon, e à minha querida irmã, Margaret, que foi minha melhor</p><p>amiga até o dia em que morreu. À melhor aia do mundo e a seu</p><p>marido, Dar, que assaram todos os nossos bolos de aniversário em um</p><p>forno improvisado com uma bacia virada sobre o fogo, e que desde o</p><p>começo me ensinaram a adorar curry. Obrigada aos moradores das</p><p>vilas, às crianças e a todos que nos ajudaram nos acampamentos por</p><p>me mostrarem como uma vida simples pode ser uma vida boa. Sou</p><p>grata à minha tia Belle, que me lembrava de ser �rme e manter a fé, e</p><p>a Harry Dean, cujo espírito de aventura sempre admirei. Obrigada</p><p>também a srta. McGee, que me ensinou a ler e até me incentivou</p><p>durante minha adolescência e maturidade. Todos vocês me ajudaram</p><p>a ter uma infância maravilhosa que se tornou uma vida maravilhosa.</p><p>A Jadwiga Kushner, minha melhor amiga na faculdade, que cantava</p><p>como um anjo, e à dra. Jacqui Chavalle, minha colega de quarto na</p><p>França, cuja visão global da vida me ajudou a me sentir menos</p><p>sozinha. Sou grata às minhas tias Lou, Clara e Lydia e à família Siehl,</p><p>de Cincinnati, que deram grande apoio a mim e a Margaret quando</p><p>�zemos faculdade tão longe de nossos pais. Também sou grata a</p><p>Albert e Louise Hjerpe, sem os quais jamais teria conhecido Bill</p><p>McGarey, e que se tornaram maravilhosos tios para mim ao longo do</p><p>casamento.</p><p>Sou eternamente grata à melhor ajudante doméstica que conheci</p><p>desde Ayah, a sra. Cain, que chegou para nos salvar em Wellsville, e</p><p>cuja visão germânica para arrumar a casa, assar pães e educar</p><p>austeramente �lhos nos permitiu atravessar alguns dos anos mais</p><p>movimentados de minha vida. Obrigada a meus cunhados John e</p><p>Irma McGarey, que se tornaram amigos queridos. Eram donos do</p><p>Tastee Freez; mas, no que diz respeito a meus �lhos, o maior</p><p>divertimento de todos era o fato de que tinham uma televisão. Ao</p><p>�lho deles, John B. McGarey, mestre em medicina, que me apoiou</p><p>pessoal e pro�ssionalmente. A meus outros cunhado e cunhada, o</p><p>tenente-coronel Bob McGarey e Jane McGarey, que sempre estiveram</p><p>presentes quando precisei. E ao dr. Bill e à dr. Edith Gilmore, meus</p><p>colegas de Wellsville, que me apoiaram durante momentos muito</p><p>difíceis.</p><p>Lester e Billie Babcoke se tornaram amigos queridos depois que</p><p>nos mudamos para o Arizona, e foram eles que me apresentaram a</p><p>Edgar Cayce, cujos ensinamentos in�uenciaram muito minha</p><p>�loso�a. Tenho orgulho de dizer que seu �lho Hugh Lynn Cayce se</p><p>tornou um amigo querido ao qual também sou grata. Admiro a forma</p><p>como Charles Thomas Cayce e Kevin Todeschi continuaram o</p><p>trabalho de Hugh Lynn. Agradeço a Peter e Alice Riddle, que</p><p>passaram a fazer parte de nossa família estendida naqueles anos. E,</p><p>devo dizer, todos aqueles que participaram de meu grupo de estudo</p><p>“Search for God”, na Association for Research and Enlightenment</p><p>(ARE) ano após ano também se tornaram amigos de toda uma vida.</p><p>Aos doutores Norman Shealy, Evarts Loomis e Gerald Looney, que</p><p>fundaram a American Holistic Medical Association (AHMA) num �m</p><p>de semana em Hemet, Califórnia,</p><p>comigo e com Bill, e às pessoas</p><p>incríveis que chegaram e passaram pela AHMA ao longo das décadas,</p><p>obrigada. A todos aqueles que ajudaram a estabelecer, coordenar e</p><p>que participaram das conferências e outros eventos da Academy of</p><p>Parapsychology and Medicine; seria impossível listar todos eles, então</p><p>ofereço meu obrigada à multidão de médicos incríveis que aderiram à</p><p>nossa mudança de paradigma, que se tornou a medicina holística.</p><p>Vocês sabem quem são.</p><p>A ARE Clinic conseguiu tocar a vida de inúmeras pessoas, muitas</p><p>das quais chegaram para aprender e partiram para compartilhar o</p><p>que aprenderam com o mundo em geral. Às incontáveis pessoas que</p><p>passaram pela ARE Clinic — médicos, técnicos, enfermeiros,</p><p>terapeutas, funcionários, pacientes, voluntários e apoiadores</p><p>�nanceiros —, minha profunda e sincera gratidão.</p><p>A meu irmão Carl e à sua organização Future Generations, que me</p><p>permitiram realizar meu trabalho internacionalmente. E a todos</p><p>aqueles no mundo que me tocaram, me ensinaram, me moldaram e</p><p>me amaram ao longo de anos, muito obrigada.</p><p>À minha �el secretária voluntária por 40 anos, Grace Page, que</p><p>nunca falhou em sua �rme dedicação de manter minha visão viva,</p><p>envio um abraço para além do túmulo.</p><p>Àqueles que trabalharam para criar o Scottsdale Holistic Medical</p><p>Group, em especial George Andres, Reni Simon e Joe Kalish, que nos</p><p>ajudaram a pôr tudo nos eixos em duas semanas, e à minha �lha</p><p>Helene, que é o coração e a alma desse incrível lar de cura até hoje,</p><p>não é possível encontrar palavras adequadas para expressar meu</p><p>reconhecimento. E a todos aqueles que trabalharam ou passaram por</p><p>aquela porta, sou eternamente grata.</p><p>Àqueles que participaram da criação da Beth Taylor Foundation,</p><p>que se tornou Gladys Taylor McGarey Medical Foundation e hoje se</p><p>chama Foundation for Living Medicine, e àqueles que trabalharam na</p><p>diretoria dessa organização maravilhosa; são muitos para listar, mas</p><p>todos têm minha gratidão, em especial Bobbie Woolf, Jerome</p><p>Landau, Fern Stewart Welsh, Barbara Heinemann e Rose Winters,</p><p>sem a liderança dos quais a fundação não seria a organização incrível</p><p>que é hoje.</p><p>Àqueles que nos abençoaram com seu talento musical, curvo-me</p><p>em respeito — em especial Joyce Buekers, Steve Halpern e Steve</p><p>McCarty.</p><p>Àqueles que sempre tiveram uma visão para além do presente e</p><p>estiveram ao meu lado dando seu apoio emocional, prático,</p><p>pragmático, espiritual e �nanceiro — em especial Ann McCombs,</p><p>Dianne Schumacher, Mary Ann Weiss e Frances Tesner —, eu não</p><p>poderia ter feito isso sem vocês. Obrigada à dra. Katey Hauser, que</p><p>me ajudou a chegar a outros com minha mensagem por meio do</p><p>Instagram, e a John Marshall, que gentilmente me proporcionou</p><p>massagens durante décadas. E a todos aqueles pro�ssionais que</p><p>aprenderam comigo e levaram ao mundo o que aprendi: sem todos</p><p>seus esforços, o meu não signi�caria muita coisa.</p><p>A todos aqueles que lideraram e compareceram à miríade de</p><p>conferências de que participei ao longo dos anos — Council Grove e</p><p>ARE Clinic Symposia, conferências da Academy of Parapsychology</p><p>and Medicine, ARE Conferences da Asilomar, simpósios da AIHM,</p><p>simpósios do Therapeutic Touch Nurses Group e tantos outros —,</p><p>aprendi muito em cada uma delas. Rezo para que outros tenham</p><p>aprendido também.</p><p>A meus muitos amigos em Scottsdale e além, valorizo muito o amor</p><p>de vocês: Mantosh Devji, Doris Solbrig, Rita Davenport, James</p><p>McCready, Mimi Guineri, Marlene Summers, Linda Landau, Lindsey</p><p>Wagner e Dianne Ladd. E a todo os outros que não mencionei,</p><p>obrigada.</p><p>Tenho grande apreço pelo casamento que tive com o dr. Bill</p><p>McGarey e não me arrependo de nada. Sou profundamente grata por</p><p>nossos anos juntos, assim como sou grata pela liberdade que</p><p>reivindiquei depois que nossos caminhos se separaram. Nosso tempo</p><p>foi muito importante para mim, bem como para muitos outros; coube</p><p>perfeitamente no todo maior.</p><p>Parte do todo maior inclui a família que criamos. Na manhã</p><p>seguinte a meu aniversário de 102 anos, acordei ouvindo meus �lhos</p><p>no andar de baixo e me perguntei: será que morri e fui para o céu? Mas</p><p>acho que ainda estou viva, e esses �lhos maravilhosos com seus mais</p><p>de 70 anos são realmente meus. Sou grata a meus seis �lhos e seus</p><p>parceiros: dr. William “Carl” e Deedee McGarey, reverendo dr. John e</p><p>reverenda dra. Bobbie McGarey; Analea McGarey; Robert McGarey e</p><p>Lia Nelson; dra. Helene Wechsler e Nick Ligidakis; e dr. David e dra.</p><p>Lee McGarey. Obrigada a todos os meus netos: Gabriel Taylor, Julia</p><p>McGarey, Timothy McGarey, John McGarey, dra. Martha McGarey, dr.</p><p>Daniel Wechsler, dr. Andrew Wechsler, dra. Hannah Rabinovich,</p><p>Jessica McGeverly e David McGarey. Ainda estou aprendendo todos os</p><p>dias com meus 12 (sigo contando!) bisnetos, bem como com os</p><p>novíssimos tataranetos, que já começaram a chegar.</p><p>Este livro não teria nascido se não fosse a determinação de meu</p><p>agente, Douglas Abrams, que acreditou em mim desde o início.</p><p>Ofereço gratidão a ele e também a Rachel Neumann, Sarah Rainone</p><p>e todos da Idea Architects. Sou grata a Jennifer Chan Tren, que teve</p><p>um papel fundamental em ajudar meu livro a encontrar um lar na</p><p>Atria, e a Esme Schwall Weigand, cujas primeiras entrevistas e</p><p>rascunhos me ajudaram a ter uma direção mais clara. Obrigada a</p><p>Michelle Herrera Mulligan, minha editora na Atria Books, que se</p><p>arriscou tudo comigo, inverteu o formato e tornou as coisas ainda</p><p>melhores. Obrigada a Sarah Wright pelo aprimoramento do texto, e a</p><p>Lynn Anderson pela atenção aos detalhes. Um obrigado extra a meu</p><p>�lho John, que organizou tudo. E obrigada a Kathryn Chandika</p><p>Liedel, que conseguiu dar sentido às minhas palavras ao enxergar</p><p>primeiro minha alma e então escrever tudo.</p><p>A todos os desa�os de minha vida, por meio dos quais aprendi</p><p>muitas lições, e a todos os momentos maravilhosos que me deram o</p><p>sumo para enfrentá-los: obrigada. Acredito que há mais momentos</p><p>bonitos por vir.</p><p>Notas</p><p>1. Aliya Alimujiang et al., “Association Between Life Purpose and Mortality Among US Adults</p><p>Older than 50 Years”, JAMA Network Open 2, n. 5 (24 mai. 2019): e194270,</p><p>.</p><p>2. Randy Cohen, Chirag Bavishi e Alan Rozanski, “Purpose in Life and Its Relationship to All-</p><p>Cause Mortality and Cardiovascular Events: A Meta-analysis”, Psychosomatic Medicine 78, n. 2</p><p>(fev.-mar. 2016): 122-33, .</p><p>3. Patricia A. Boyle et al., “Effect of Purpose in Life on the Relation Between Alzheimer</p><p>Disease Pathologic Changes on Cognitive Function in Advanced Age”, Archives of General</p><p>Psychiatry 69, n. 5 (mai. 2012): 499-504,</p><p>.</p><p>4. Elsevier, “Volunteerism: Doing Good Does You Good”, ScienceDaily, 11 jun. 2020,</p><p>.</p><p>5. Yogini V. Chudasama, Kamlesh K. Khunti, Francesco Zaccardi, Alex V. Rowlands, Thomas</p><p>Yates, Clare L. Gillies, Melanie J. Davies e Nafeesa N. Dhalwani, “Physical Activity,</p><p>Multimorbidity, and Life Expectancy: A UK Biobank Longitudinal Study”, BMC Med 17,</p><p>108 (2019), .</p><p>6. Buettner, Dan, “Power 9: Reverse Engineering Longevity”, Blue Zones,</p><p>.</p><p>7. Ashish Sharma, Vishal Madaan e Frederick D. Petty, “Exercise for Mental Health” (carta ao</p><p>editor), Primary Care Companion to the Journal of Clinical Psychiatry 8, n. 2 (abr. 2006): 106,</p><p>.</p><p>8. Laura Mandolesi et al., “Effects of Physical Exercise on Cognitive Functioning and</p><p>Wellbeing: Biological and Psychological Bene�ts”, Frontiers in Psychology 9 (abr. 2018):</p><p>artigo 509, .</p><p>9. Lucas V. Lima, Thiago S. S. Abner e Kathleen A. Sluka, “Does Exercise Increase or</p><p>Decrease Pain? Central Mechanisms Underlying These Two Phenomena”, Journal of</p><p>Physiology 595, n. 13 (jul. 2017): 4141-50, .</p><p>https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2734064</p><p>https://journals.lww.com/psychosomaticmedicine/abstract/2016/02000/purpose_in_life_and_its_relationship_to_all_cause.2.aspx</p><p>e irrigasse a infecção por baixo.</p><p>Compreendi por que o rajá amava tanto aquele elefante. Era tão bem-</p><p>comportado que sequer se retraiu.</p><p>Quando terminou de limpar a ferida, minha mãe passou uma</p><p>pomada para �nalizar o procedimento. Elefantes são animais</p><p>expressivos, e aquele parecia satisfeito — na verdade, tão satisfeito</p><p>que, na hora de o homem levá-lo para o rio Ganges para se refrescar,</p><p>o animal abaixou a tromba para erguer Margaret, que gritou de</p><p>prazer e temor. Prendemos a respiração. Mas ele prosseguiu,</p><p>soltando-a sobre seu lombo, e expiramos aliviados. Em seguida, ele</p><p>me pegou.</p><p>Como eu havia visto o que acontecera com Margaret, não tive</p><p>medo. Apreciei a curva de couro que serpenteou à minha volta,</p><p>sentindo o músculo poderoso que tornava seu nariz tão drasticamente</p><p>diferente do meu. Eu já havia visto muitos elefantes. Observara-os</p><p>tirando alimento das árvores e erguendo seus �lhotes, mas nunca</p><p>tocara em uma daquelas trombas impressionantes nem imaginara</p><p>como seria ter uma me apertando. Mas não tive muito tempo para</p><p>re�etir porque logo me vi sentada ao lado de minha irmã no lombo</p><p>largo do elefante. Depois ele apanhou nosso irmão Gordon, que pôs</p><p>as mãozinhas em volta de minha cintura quando pousou atrás de</p><p>mim. E lá fomos nós! Descemos até o rio, enquanto as outras crianças</p><p>nos seguiam. Quando chegamos, o elefante se divertiu molhando-nos</p><p>com borrifos. Embora os adultos não nos deixassem nos aproximar da</p><p>água devido à presença de cobras e crocodilos, sabiam que nada</p><p>chegaria perto de nós com o elefante ali, então �camos e brincamos a</p><p>tarde inteira.</p><p>No dia seguinte, o homem trouxe o elefante de volta ao</p><p>acampamento para minha mãe veri�car se havia sinais de infecção na</p><p>ferida. O animal foi direto para ela e a envolveu pela cintura com a</p><p>tromba, erguendo-a no ar como �zera comigo e meus irmãos.</p><p>Durante o resto da semana, o elefante nos visitou todos os dias e,</p><p>como se para demonstrar gratidão, saudava minha mãe com um</p><p>grande abraço de tromba, ao qual ela respondia com seu habitual</p><p>humor, rindo e pedindo para que ele fosse um bom menino e a</p><p>pusesse no chão. Depois, íamos todos brincar no rio, às vezes</p><p>percorrendo águas rasas montados no elefante, outras gritando</p><p>enquanto ele nos dava banhos com a tromba.</p><p>Aquele foi um momento fundamental de minha vida. Quando</p><p>voltei para a escola, no ano seguinte, �quei feliz ao constatar que, no</p><p>�m das contas, não a odiava tanto assim.</p><p>Ajudar minha mãe a tratar do elefante me ajudou a descobrir que</p><p>eu nascera para ser médica. Embora a dislexia sempre tenha tornado</p><p>a experiência na escola difícil para mim, aprendi que isso não tinha</p><p>nenhuma in�uência sobre minha inteligência. Minha nova professora</p><p>entendeu meu dilema e encontrou uma maneira de me ensinar a ler;</p><p>saber que para me tornar uma estudante de medicina eu teria que ser</p><p>capaz de ler me deu coragem para seguir sua orientação. Voltei a</p><p>acreditar em mim mesma. Essa compreensão me guiou na escola, e</p><p>depois na faculdade e na escola de medicina.</p><p>Assim como aconteceu com meus pais, curar me deu uma</p><p>oportunidade de interagir com o mundo de modo positivo e</p><p>signi�cativo. Quando eu estava carregando a solução roxa para</p><p>aquele elefante, conectei-me tão profundamente com minha alegria</p><p>que percebi que meus problemas na escola não me impediriam — eu</p><p>encontraria um jeito de vencer. Soube que eu era importante e</p><p>necessária. Senti que eu era uma parte de tudo.</p><p>Todos merecemos nos sentir assim. Cada um de nós está aqui por</p><p>um motivo, para aprender, crescer e pôr nossos dons em prática.</p><p>Quando conseguimos fazer isso, somos preenchidos por uma energia</p><p>de vida criativa que chamo de “sumo”.</p><p>O sumo é nossa razão de viver. É nossa realização, nossa alegria. É</p><p>o que acontece quando a vida é tocada pelo amor. É a energia que</p><p>recebemos das coisas que importam e signi�cam algo para nós. É o</p><p>que meus pais recebiam ao trabalhar com populações carentes, e é o</p><p>primeiro segredo que compartilho com você. Você está aqui por um</p><p>motivo. Cada um de nós está aqui para se conectar com nossos dons</p><p>únicos; isso é o que ativa nosso desejo de estar vivo. Essa conexão não</p><p>é necessariamente o objetivo. A busca conta muito mais.</p><p>O processo de “encontrar nosso sumo” nos dá vitalidade.</p><p>Esse conceito não é novo — nem a ideia de que está relacionado à</p><p>saúde. Inúmeras �loso�as orientais notaram que há uma certa</p><p>energia ligada ao bem-estar; isso tem sido chamado de prana e de chi.</p><p>Filósofos ocidentais podem se referir a algo mais teórico, como</p><p>motivação ou propósito. Trabalhadores de emergência médica e</p><p>pro�ssionais de unidades de cuidados paliativos descrevem</p><p>constantemente o sumo como “a vontade de viver” porque, quando</p><p>uma pessoa o perde, começa a morrer. Embora a presença do sumo</p><p>não garanta uma saúde perfeita, a falta ou perda dele é, com</p><p>frequência, um grande obstáculo para o bem-estar.</p><p>Todos nós somos chamados a encontrar nosso sumo por meio de</p><p>nossa contribuição diária para o mundo. Certas atividades e</p><p>ocupações nos trazem mais sumo, varia de pessoa para pessoa.</p><p>Algumas encontram uma vocação que lhes traz contentamento e</p><p>passam toda a carreira se beliscando e pensando Não acredito que me</p><p>pagam para isso!. Outras exercem pro�ssões que lhes dão menos sumo</p><p>e buscam suas paixões nas horas livres. Outras, ainda, como</p><p>cuidadoras não remuneradas, contribuem para a sociedade de</p><p>diversas maneiras importantes enquanto ainda se conectam com seu</p><p>senso de propósito único.</p><p>Embora não exista uma única maneira ou uma única área da vida</p><p>para encontrarmos nosso sumo, todos precisamos encontrá-lo; ele é</p><p>uma parte fundamental de nossa força vital. Sem sumo, é difícil sentir</p><p>alegria, e as saúdes física e mental começam a oscilar. Em parte, é por</p><p>isso que com frequência pergunto a meus pacientes para que eles</p><p>precisam viver. Porque, se não conseguem responder a essa pergunta,</p><p>é provável que eu só vá conseguir aliviar seus sintomas por um tempo.</p><p>Posso consertar o que está errado, mas não posso aperfeiçoá-lo.</p><p>Quando temos sorte, experimentamos o sumo muitas vezes ao</p><p>longo da vida. Mas da mesma forma, muitos de nós constatamos que</p><p>o sumo parece se esgotar. Essa pode ser uma experiência chocante e</p><p>perceptível de imediato, mas também muito mais sutil, como um</p><p>carro que fraqueja até parar porque �cou sem gasolina.</p><p>N</p><p>2</p><p>POR QUE ESTOU AQUI?</p><p>em todo mundo encontra seu caminho tão jovem quanto eu.</p><p>Muitos se esforçam para descobrir quem realmente são e o que</p><p>lhes dá sumo. Pode ser algo que já está dentro de nós, latente, mas</p><p>parece fora do alcance. Esse foi o caso de James.</p><p>James era um recém-formado em ciência da computação que não</p><p>sabia ao certo o que fazer em seguida. Eu tratara a ele e a seus pais</p><p>durante muitos anos. James viera me ver por insistência da mãe, mas</p><p>depois de um rápido histórico e exame físico �cou claro que não</p><p>havia nada de errado — pelo menos com seu corpo. Ele tinha um</p><p>walkman pendurado no jeans — sim, isso foi há muito tempo — e</p><p>fones de ouvido em volta do pescoço enquanto observava a sala</p><p>nervoso.</p><p>— O que está preocupando você, James?</p><p>— Eu não sei o que fazer com a minha vida. Tenho um diploma e</p><p>empréstimos estudantis para pagar, mas não estou interessado em</p><p>nada da lista de empregos.</p><p>— Você gosta de computadores?</p><p>— Não exatamente, mas sei que computadores são importantes.</p><p>Meu pai é engenheiro, e ele acha que essa é uma carreira segura.</p><p>Mas, do jeito que o mundo está indo, não sei se existe mesmo algum</p><p>lugar seguro.</p><p>— O que você quer fazer?</p><p>— Eu não sei — respondeu ele.</p><p>Mas suspeitei que alguma parte de sua mente inconsciente devia</p><p>saber. Ele só não se sentia seguro para admitir, nem para si próprio.</p><p>— Você tem tido algum sonho?</p><p>Ele me contou que de vez em quando sonhava com um cacto alto,</p><p>mas não se lembrava de mais nada, então sugeri que �zéssemos uma</p><p>visualização, e ele concordou.</p><p>— Feche os olhos e preste atenção à sua volta. Você consegue ver</p><p>um caminho? Pode ser de pedras, de terra, uma estrada pavimentada,</p><p>até uma calçada.</p><p>Jim franziu as sobrancelhas, então sua testa relaxou.</p><p>— Consigo — sussurrou.</p><p>— Comece</p><p>https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/fullarticle/1151486</p><p>https://www.sciencedaily.com/releases/2020/06/200611094136.htm</p><p>https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12916-019-1339-0</p><p>https://www.bluezones.com/2016/11/power-9/</p><p>https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/</p><p>https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2018.00509/full</p><p>https://physoc.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1113/JP273355</p><p>10. Elizabeth Blackburn e Elissa Epel, The Telomere Effect: A Revolutionary Approach to Living</p><p>Younger, Healthier, Longer (Nova York: Grand Central Publishing, 2017).</p><p>11. Daniel L. Surkalim et al., “The Prevalence of Loneliness Across 113 Countries: Systematic</p><p>Review and Meta-Analysis”, BMJ, 9 fev. 2022, e067068, .</p><p>12. Julianne Holt-Lunstad, “The Potential Public Health Relevance of Social Isolation and</p><p>Loneliness: Prevalence, Epidemiology, and Risk Factors”, Public Policy & Aging Report 27, nº</p><p>4 (2017): 127-30, .</p><p>13. Nicole K. Valtorta et al., “Loneliness, Social Isolation and Risk of Cardiovascular Disease</p><p>in the English Longitudinal Study of Ageing”, European Journal of Preventive Cardiology 25, n.</p><p>13 (set. 2018): 1387-96, .</p><p>14. Ashton Applewhite, This Chair Rocks: A Manifesto Against Ageism (reimpressão) (Nova York:</p><p>Celadon Books, 2020).</p><p>15. Timothy W. Smith, Carolynne E. Baron e Catherine M. Caska, “On Marriage and the</p><p>Heart: Models, Methods, and Mechanisms in the Study of Close Relationships and</p><p>Cardiovascular Disease”, Interpersonal Relationships and Health: Social and Clinical</p><p>Psychological Mechanisms, orgs. Christopher R. Agnew e Susan C. South (Nova York: Oxford</p><p>University Press, 2014), 34-70,</p><p>.</p><p>16. Liz Mineo, “Good Genes Are Nice, but Joy Is Better”, The Harvard Gazette, 11 abr. 2017,</p><p>.</p><p>17. Elizabeth D. Kirby et al., “Acute Stress Enhances Adult Rat Hippocampal Neurogenesis</p><p>and Activation of Newborn Neurons via Secreted Astrocytic FGF2”, eLife, 16 abr. 2013,</p><p>.</p><p>18. Michael W. Stroud et al., “The Relation Between Pain Beliefs, Negative Thoughts, and</p><p>Psychosocial Functioning in Chronic Pain Patients”, Pain 84, n. 2 (fev. 2000): 347-52,</p><p>.</p><p>19. Gunnar Kaati et al., “Transgenerational Response to Nutrition, Early Life Circumstances</p><p>and Longevity”, European Journal of Human Genetics 15 (25 abr. 2007): 784-90,</p><p>.</p><p>20. Jonas Hilty et al., “Plant Growth: The What, the How, and the Why”, New Phytologist 232, n.</p><p>1 (out. 2021): 25-41, .</p><p>https://www.bmj.com/content/376/bmj-2021-067068</p><p>https://academic.oup.com/ppar/article/27/4/127/4782506</p><p>https://academic.oup.com/eurjpc/article/25/13/1387/5926237</p><p>https://academic.oup.com/book/7300/chapter-abstract/152016789?redirectedFrom=fulltext</p><p>https://news.harvard.edu/gazette/story/2017/04/over-nearly-80-years-harvard-study-has-been-showing-how-to-live-a-healthy-and-happy-life/</p><p>https://elifesciences.org/articles/00362</p><p>https://journals.lww.com/pain/abstract/2000/02010/the_relation_between_pain_beliefs,_negative.26.aspx</p><p>https://www.nature.com/articles/5201832</p><p>https://nph.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/nph.17610</p><p>Título original</p><p>THE WELL-LIVED LIFE</p><p>A 102-Year-Old Doctor’s Six Secrets to Health</p><p>and Happiness at Every Age</p><p>Copyright © 2023 by Gladys McGarey</p><p>Todos os direitos reservados.</p><p>Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por</p><p>meio eletrônico, mecânico, fotocópia ou sob qualquer outra forma</p><p>sem a prévia autorização do editor.</p><p>Direitos para a língua portuguesa reservados</p><p>com exclusividade para o Brasil à</p><p>EDITORA ROCCO LTDA.</p><p>Rua Evaristo da Veiga, 65 – 11º andar</p><p>Passeio Corporate – Torre 1</p><p>20031-040 – Rio de Janeiro – RJ</p><p>Tel.: (21) 3525-2000 – Fax: (21) 3525-2001</p><p>rocco@rocco.com.br | www.rocco.com.br</p><p>Preparação de originais</p><p>ANGÉLICA ANDRADE</p><p>Coordenação digital</p><p>MARIANA MELLO E SOUZA</p><p>Revisão de arquivo ePub</p><p>PRISCYLLA PIUCCO</p><p>Edição digital: outubro, 2023.</p><p>mailto:rocco@rocco.com.br</p><p>CIP-Brasil. Catalogação na Publicação.</p><p>Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ</p><p>M127v</p><p>McGarey, Gladys</p><p>Uma vida bem vivida [recurso eletrônico] : os seis segredos de uma médica</p><p>centenária para ter saúde e felicidade em todas as idades / Gladys McGarey ;</p><p>tradução Bruno Casotti. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Rocco Digital, 2023.</p><p>recurso digital</p><p>Tradução de: The well-lived life a 102 – year – old doctor's six secrets to health</p><p>and happiness at every age</p><p>Formato: epub</p><p>Requisitos do sistema: adobe digital editions</p><p>Modo de acesso: world wide web</p><p>ISBN 978-65-5595-227-8 (recurso eletrônico)</p><p>1. Longevidade. 2. Conduta da vida. 3. Autorrealização. 4. Medicina holística. 5.</p><p>Livros eletrônicos. I. Casotti, Bruno. II. Título.</p><p>23-85693 CDD: 612.68</p><p>CDU: 612.68</p><p>Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643</p><p>16/08/2023 18/08/2023</p><p>O texto deste livro obedece às normas do Acordo Ortográ�co da</p><p>Língua Portuguesa.</p><p>clbr://internal.invalid/book/OEBPS/Text/ficha.xhtml</p><p>C</p><p>A Autora</p><p>om mais de 100 anos de vida, a dra. Gladys McGarey é</p><p>reconhecida como uma pioneira das medicinas holística e</p><p>alopática. Cofundadora da Associação Americana de Medicina</p><p>Holística, assim como da Academia de Parapsicologia e Medicina, a</p><p>dra. Gladys vive e trabalha em Scottsdale, no Arizona, onde por</p><p>muitos anos compartilhou uma clínica com a �lha. Atualmente,</p><p>trabalha como consultora, mantém uma dieta saudável e adora</p><p>saborear uma bela fatia de bolo de vez em quando.</p><p>Índice</p><p>Capa</p><p>Folha de rosto</p><p>Dedicatória</p><p>Sumário</p><p>Epígrafe</p><p>Prefácio</p><p>Introdução: Olhar para a vida</p><p>PRIMEIRO SEGREDO: Você está aqui por um motivo</p><p>1. O sumo</p><p>2. Por que estou aqui?</p><p>3. Somos peças de um quebra-cabeça</p><p>4. Onde despejar meu sumo?</p><p>5. Conecte-se com o desejo</p><p>Prática: Encontrando seu sumo</p><p>SEGUNDO SEGREDO: Toda vida precisa estar em movimento</p><p>6. Quando nos sentimos presos</p><p>7. A vida está sempre em movimento</p><p>8. Mova-se em meio à dor</p><p>9. Paralisados pela vergonha</p><p>10. Libere o que não importa</p><p>11. Remova o bloqueio</p><p>12. Encontre o fio de água</p><p>Prática: Liberando</p><p>TERCEIRO SEGREDO: Amor é o remédio mais poderoso</p><p>13. Amor e medo</p><p>14. Escolhas</p><p>15. A importância do amor-próprio</p><p>16. Como receber amor</p><p>17. Como dar amor</p><p>18. Amor e milagres</p><p>Prática: Amando a si mesmo para se curar</p><p>QUARTO SEGREDO: Você nunca está sozinho</p><p>19. Vida é conexão</p><p>20. Aceite a imperfeição</p><p>21. Encontre seus amigos</p><p>22. Como estabelecer limites</p><p>23. O poder da escuta</p><p>24. Anjos existem</p><p>Prática: Tecendo a vida juntos</p><p>QUINTO SEGREDO: Tudo é uma lição</p><p>25. Sempre há uma lição</p><p>26. Pare de brigar</p><p>27. O papel dos sonhos</p><p>28. Quando insistimos na dor</p><p>29. Nos momentos extremos</p><p>30. Lição após lição</p><p>Prática: Encontrando a lição</p><p>SEXTO SEGREDO: Gaste sua energia amplamente</p><p>31. Energia como investimento</p><p>32. O que vale sua energia?</p><p>33. Abra espaço para os milagres</p><p>34. Alimente o que é positivo</p><p>35. Mude o foco</p><p>Prática: Abraçando a vida</p><p>Conclusão</p><p>Agradecimentos</p><p>Notas</p><p>Créditos</p><p>A Autora</p><p>Capa</p><p>Folha de rosto</p><p>Dedicatória</p><p>Sumário</p><p>Epígrafe</p><p>Prefácio</p><p>Introdução: Olhar para a vida</p><p>PRIMEIRO SEGREDO: Você está aqui por um motivo</p><p>1. O sumo</p><p>2. Por que estou aqui?</p><p>3. Somos peças de um quebra-cabeça</p><p>4. Onde despejar meu sumo?</p><p>5. Conecte-se com o desejo</p><p>Prática: Encontrando seu sumo</p><p>SEGUNDO SEGREDO: Toda vida precisa estar em movimento</p><p>6. Quando nos sentimos presos</p><p>7. A vida está sempre em movimento</p><p>8. Mova-se em meio à dor</p><p>9. Paralisados pela vergonha</p><p>10. Libere o que não importa</p><p>11. Remova o bloqueio</p><p>12. Encontre o fio de água</p><p>Prática: Liberando</p><p>TERCEIRO SEGREDO: Amor é o remédio mais poderoso</p><p>13. Amor e medo</p><p>14. Escolhas</p><p>15. A importância do amor-próprio</p><p>16. Como receber amor</p><p>17. Como dar amor</p><p>18.</p><p>a andar por esse caminho. Dê um passo, depois outro,</p><p>e outro. Agora olhe em volta. Este é seu caminho. O que você vê?</p><p>— Eu estou na montanha — disse Jim, baixinho, um segundo</p><p>depois.</p><p>— Olhe para cima. O que você vê lá?</p><p>As sobrancelhas de Jim se franziram de novo.</p><p>— Eu vejo aquele cacto. Ouço um tambor. Não sei. — Ele abriu os</p><p>olhos. — Dra. Gladys, não sei. Tem muita coisa que preciso descobrir.</p><p>Perguntei aos meus pais se eu podia ir acampar sozinho na</p><p>montanha, mas eles estão nervosos. Querem saber se estou me</p><p>drogando. Eu só quero �car sozinho e me conectar com a natureza.</p><p>— Eu acho que você deveria ir. Se seus pais nãos gostarem, peça a</p><p>eles para me ligarem.</p><p>Semanas depois, vi James no supermercado. Ele me disse que fora</p><p>à montanha sozinho e que havia sido uma viagem de busca. Ouvira</p><p>um tambor em sua mente o tempo todo e soubera o que queria fazer.</p><p>Queria se tornar músico e iria se matricular numa escola superior de</p><p>produção de música. Dava para ver uma luz irradiando em seus olhos.</p><p>Ele estava cheio de sumo.</p><p>— O que seus pais acham?</p><p>— Eles se preocupam que eu morra de fome e �que cheio de</p><p>dívidas, mas concordaram em me deixar experimentar a pro�ssão por</p><p>um ano e ver se consigo vencer na música.</p><p>Como a história de James mostra, às vezes encontrar nosso sumo</p><p>nos pressiona a passar por uma transição na vida. A experiência nos</p><p>revela quem realmente somos. Pode exigir uma mudança, que</p><p>comecemos algo novo ou que paremos de fazer algo que fazemos há</p><p>muito tempo.</p><p>Em outros casos, é preciso apenas uma mudança externa muito</p><p>sutil.</p><p>Lilian tinha tudo e nada ao mesmo tempo. Estava sentada a meu</p><p>lado, mas sua mente parecia distante quando disse:</p><p>— Tem alguma coisa errada comigo, tenho certeza.</p><p>Eu era médica há muitos anos e tratara outros membros de sua</p><p>família; em geral, todos pareciam felizes. Os �lhos crescidos de Lilian</p><p>eram educados e bem-sucedidos. Seu casamento era seguro. Ela era</p><p>bem relacionada na comunidade e gostava de seu trabalho voluntário</p><p>para uma instituição local sem �ns lucrativos que atendia crianças de</p><p>baixa renda.</p><p>Embora no passado Lilian tivesse apresentado sintomas variados —</p><p>todos resolvidos —, suas reclamações atuais eram vagas. Talvez</p><p>estivesse doente, sugeriu, ou houvesse um tumor e não soubéssemos.</p><p>Ela pensou que talvez estivesse nos primeiros estágios de um distúrbio</p><p>autoimune ou que os hormônios estivessem desequilibrados. Não</p><p>estava bem, tinha certeza, e con�ava em mim para ajudá-la a</p><p>descobrir o problema.</p><p>Comecei perguntando sobre seus sintomas de modo mais</p><p>especí�co. A cabeça doía? Não. Como estava a digestão? Bem, regular,</p><p>sem problemas. Alguma parte do corpo doía? Não exatamente; ela se</p><p>sentia envelhecendo, então de vez em quando notava uma leve</p><p>pontada aqui ou ali, mas nada em particular. Em seguida, investiguei</p><p>os sintomas psicológicos. Perguntei se estava dormindo bem (sim) e</p><p>se vinha tendo ataques de pânico ou depressão (não). Mas ela se</p><p>sentia… mal.</p><p>— Não tenho mais energia para nada. Fui encarregada do evento</p><p>anual de arrecadação de fundos para a Sociedade das Crianças, mas</p><p>estou quase sem forças para concluir o trabalho… parece que estou</p><p>fazendo sem vontade.</p><p>Lilian não é a única paciente a compartilhar esse tipo de</p><p>experiência — as pessoas não conseguem descrever com precisão os</p><p>sintomas, que às vezes mudam de um dia para o outro. Em algumas</p><p>semanas, são dores e desconfortos que parecem afetar tudo. Às vezes,</p><p>falta de energia. Outras, um certo alheamento. Lilian não conseguia</p><p>identi�car nada disso, mas parecia estar sofrendo dessas três</p><p>maneiras.</p><p>Por �m, perguntei o que realmente estava acontecendo.</p><p>— Lilian, o que você acha que está errado? — perguntei com</p><p>delicadeza.</p><p>Ela olhou para as mãos macias, de unhas feitas. Demorou um</p><p>minuto para responder, e percebi que ela estava tentando nomear</p><p>algo em seu interior que ainda não tinha conseguido de�nir. Durante</p><p>aqueles longos segundos, esperamos juntas.</p><p>Até que ela disse:</p><p>— Acho que não tenho mais pelo que viver.</p><p>Suas palavras pesaram no ar enquanto nós duas as assimilávamos.</p><p>Alguns segundos depois, Lilian rompeu o silêncio para tentar</p><p>explicar.</p><p>— Quer dizer, eu tenho tudo que sempre quis na vida. Gosto de</p><p>minha vida. Não posso reclamar de nada. Mas…</p><p>Ela hesitou e olhou para a sala em volta, tocando o colar delicado</p><p>que usava como se tentasse tocar na natureza de sua insatisfação.</p><p>— Ninguém precisa mais de mim. Sinto que minha vida não tem</p><p>nenhum sentido — disse, por �m. Sua voz falhou e lágrimas</p><p>começaram a rolar por seu rosto. — Meus meninos não moram mais</p><p>comigo. Meu marido tem seu trabalho, e não parece se importar com</p><p>o que faço por aquelas crianças porque os problemas delas nunca</p><p>acabam. Eu estou aqui para quê? Já �z tudo o que precisava fazer, e</p><p>não faz sentido estar viva.</p><p>Lilian começou a mexer com mais insistência no colar, a ansiedade</p><p>aumentando.</p><p>— Eu não sei o que fazer agora. Talvez não exista nada para fazer</p><p>agora. Talvez já tenha sido o su�ciente.</p><p>Mesmo quando parece que temos tudo, sem sumo não temos nada.</p><p>Viver sem sumo é viver em um vazio, apático. Não é exatamente</p><p>depressão clínica, mas também não é exatamente estar vivo. Como</p><p>Lilian descreveu, é se sentir mal.</p><p>Este livro conta muitas histórias incríveis de pessoas começando a</p><p>olhar para a vida de modo radical. Mas a história de Lilian sempre</p><p>permaneceu comigo porque a vida, no geral, nem sempre é tão</p><p>dramática. Na maioria dos casos, a vida é o dia a dia, os minutos que</p><p>passamos nos envolvendo com o mundo à nossa volta ou… não.</p><p>Muitas das mudanças mais signi�cativas acontecem em pacientes</p><p>como Lilian.</p><p>Puxei-a e a abracei com força, parabenizando-a em silêncio por sua</p><p>coragem. Ninguém jamais me ensinou a abraçar pessoas na escola de</p><p>medicina — hoje, acho que ensinam a não abraçar —, mas mesmo</p><p>assim sempre �z isso.</p><p>Então tentei explicar o que estava acontecendo.</p><p>— Você importa, Lilian. Você só esqueceu. Você é parte de algo</p><p>maior do que si mesma. Você é parte da vida de seus �lhos, da vida de</p><p>seu marido, da vida de seus amigos. Você é parte da vida em si. Você</p><p>não chegou ao �m. Sua vida não acabou. Ela está bem aí, esperando</p><p>que você se envolva.</p><p>Descrevi como, aos olhos de minha mente, eu via Lilian e sua vida.</p><p>Eram como dois círculos que não se tocavam. Estavam separadas.</p><p>Nessa situação, como sua vida podia ser uma fonte de sumo? E como</p><p>Lilian podia dar algo em troca?</p><p>Conversamos um pouco mais sobre seu papel na comunidade, e</p><p>ela pareceu se animar um pouquinho. Intelectualmente, parecia</p><p>entender o que eu estava propondo. Mas seu corpo ainda não pegara</p><p>no tranco.</p><p>Alguns dias depois, Lilian caiu. Estava saindo de seu pátio e, ao dar</p><p>um passo, seu tornozelo torceu e ela bateu no calçamento,</p><p>quebrando o quadril direito.</p><p>Eu soube do acidente e fui visitá-la no hospital. Já havia se passado</p><p>quase 2 semanas, e ela estava muito deprimida. Ficou contente ao me</p><p>ver, mas em seguida a tristeza retornou.</p><p>— O que você está fazendo por aqui, Lilian? — perguntei, depois</p><p>de lhe dar um abraço forte e demorado.</p><p>— Absolutamente nada. Não posso. Tenho que �car na cama —</p><p>respondeu ela.</p><p>— Bem, seus braços funcionam. Sua mente funciona. Com certeza</p><p>você pode fazer alguma coisa, e deve, porque se �car aqui assim vai</p><p>perder seu sumo por completo.</p><p>Lilian me olhou de modo estranho.</p><p>— O que eu poderia fazer numa cama de hospital? — perguntou.</p><p>— Bem, quem está planejando o evento de arrecadação de fundos</p><p>para a Sociedade das Crianças?</p><p>Ela explicou que, em sua ausência, um funcionário da instituição</p><p>fora encarregado do evento, mas a verdade era que ele estava</p><p>sobrecarregado demais para dar continuidade aos preparativos. Eu a</p><p>incentivei a ligar para o funcionário e pedir para reassumir algumas</p><p>responsabilidades.</p><p>— Você tem que se reconectar com sua força vital e, para isso</p><p>acontecer, precisa se ocupar. Seu quadril precisa curar, mas se você</p><p>continuar assim para baixo isso vai demorar mais.</p><p>Lilian levou a sério o que eu disse. Voltou a planejar o evento da</p><p>cama do hospital. Energizou-se ao escolher a decoração, arranjar</p><p>caixas de</p><p>som e decidir sobre o cardápio. Dois meses depois,</p><p>compareci ao evento para arrecadação de fundos — e foi um dos mais</p><p>bonitos que já presenciei. O dinheiro que Lilian ajudou a levantar</p><p>deu início a um programa extraescolar inteiramente novo para</p><p>crianças em necessidade.</p><p>Lilian e James foram ao meu aniversário de 102 anos. Foi</p><p>maravilhoso comemorar com eles, e tive que celebrar as vidas cheias</p><p>de sumo que ambos criaram. Lilian ainda trabalha na Sociedade das</p><p>Crianças liderando o evento anual para arrecadação de fundos.</p><p>Décadas depois de sua primeira ida à montanha, James se tornou um</p><p>irmão respeitado na tribo de nativos norte-americanos local e conduz</p><p>pessoas em suas buscas visionárias, o que suplementa sua carreira de</p><p>músico pro�ssional muito bem-sucedido.</p><p>Ver ambos prosperarem me lembrou de que nossa procura pelo</p><p>sumo nos conecta com a pergunta maior: por que estamos aqui? Alguns</p><p>de nós somos propensos à espiritualidade, alguns se identi�cam como</p><p>religiosos e outros respeitam a perfeita aleatoriedade do universo.</p><p>Mas, independentemente de até onde vai nossa compreensão do</p><p>mundo, nosso sumo tem a ver com o porquê. O sumo é o resultado</p><p>imediato de nossa procura pela vida e da procura da vida por nós.</p><p>É importante que sejamos os primeiros a tomar a iniciativa; mas,</p><p>depois que o sumo começa a �uir, continua �uindo sem parar.</p><p>Expande-se até estarmos tão cheios que começamos a nos conectar</p><p>com algo ainda maior: o propósito.</p><p>Isso mesmo. Vidas cheias de sumo se tornam vidas cheias de</p><p>propósito. Isso tem um efeito profundo não apenas sobre a saúde</p><p>mental como sobre a saúde física. Várias análises da pesquisa Health</p><p>and Retirement Study, da Universidade de Michigan, observaram uma</p><p>ligação entre um alto senso de propósito e uma menor mortalidade</p><p>de adultos com mais de 50 anos.[1] Constatou-se que o senso de</p><p>propósito reduz o risco de problemas cardiovasculares[2] e previne os</p><p>piores sintomas da doença de Alzheimer.[3] Também existem provas</p><p>que ligam o trabalho voluntário a um menor risco de morte — sem</p><p>falar a um sentimento de bem-estar mais intenso.[4] Todas essas</p><p>conclusões sugerem que viver com propósito pode nos ajudar a viver</p><p>mais tempo — e melhor.</p><p>Por �m, a alegria que o propósito traz para nossa vida se propaga</p><p>para o mundo inteiro. Na medicina holística, não entendemos apenas</p><p>o bem-estar do corpo como um aspecto do bem-estar da alma, mas</p><p>também o bem-estar da alma como um aspecto do bem-estar do</p><p>mundo. Melhoramos a saúde do mundo quando cuidamos de nossa</p><p>alma e de nosso coração porque todos nós somos parte de um todo</p><p>maior.</p><p>É</p><p>3</p><p>SOMOS PEÇAS DE UM</p><p>QUEBRA-CABEÇA</p><p>provável que minha mãe nunca tivesse ido parar em uma escola</p><p>de medicina se não fosse a sra. Gimble, a vizinha idosa e mal-</p><p>humorada que morava a três portas. Ela mancava de modo</p><p>pronunciado e reclamava sem parar de uma dor na coluna que os</p><p>médicos não conseguiam curar. Mas um dia, em 1910, minha mãe</p><p>estava na varanda quando viu a sra. Gimble descendo a rua em passos</p><p>equilibrados e sorrindo.</p><p>Seria realmente a mesma mulher?</p><p>Qual era o motivo daquela completa mudança de comportamento?</p><p>A sra. Gimble contou à minha mãe que havia sido tratada por um</p><p>osteopata que a torcera como uma massa sobre a tábua e curara sua</p><p>dor de uma vez por todas. O dr. Andrew Still, fundador da medicina</p><p>osteopática, era muito progressista — tanto, proclamou a sra. Gimble,</p><p>que até começara a aceitar mulheres em sua escola de medicina.</p><p>Minha mãe nunca ouvira falar em osteopatia, mas queria fazer</p><p>pessoas bem-humoradas voltarem a sorrir. Ficou empolgada com a</p><p>ideia de que podia aprender a fazer isso com o dr. Still, então foi atrás</p><p>do que precisava para se candidatar.</p><p>Naquele ano, ela ingressaria em uma das primeiras turmas mistas.</p><p>Ali, conheceu meu pai e se formou em 1913. Passou o resto da vida</p><p>levando a cura a pessoas com dor. Meus pais trataram inúmeros</p><p>pacientes no hospital de mulheres que abriram em Roorkee, na Índia;</p><p>nos acampamentos que faziam todo inverno; e na pequena</p><p>comunidade do Kansas onde viveram durante a Grande Depressão.</p><p>Na maioria das vezes, receberam pouco ou nenhum dinheiro pelo</p><p>trabalho. Além de sua função de curar, minha mãe foi uma inspiração</p><p>para muitos, uma vez que milhares de pessoas a conheceram como a</p><p>primeira mulher médica que já haviam visto.</p><p>A sra. Gimble mudou a vida de minha mãe ao ajudá-la a se</p><p>conectar com seu propósito, e minha mãe mudaria muitas vidas por</p><p>meio de seu trabalho de cura na Índia e em outros lugares do mundo.</p><p>É assim que o sumo funciona — não apenas nos conecta com nosso</p><p>propósito como nos une por meio de um propósito coletivo.</p><p>Quando me re�ro a propósito coletivo não quero dizer que todos</p><p>nós temos o mesmo propósito, mas que, quando temos sumo,</p><p>contribuímos para um maior senso de propósito que se propaga</p><p>daqueles com quem interagimos para a comunidade em geral. Nossa</p><p>alma individual é como a peça de um quebra-cabeça. Nosso propósito</p><p>nos une, criando algo maior e mais bonito do que qualquer um de</p><p>nós poderia alcançar sozinho.</p><p>Gosto de pensar em nós como peças de um quebra-cabeça porque</p><p>essa ideia dá a todos um espaço para ser único. Não devemos ser</p><p>moldados dessa maneira ou daquela, devemos ser quem somos, para</p><p>que possamos nos combinar. Não é trabalho de ninguém julgar o</p><p>formato da peça de outra pessoa e não irá nos trazer nenhuma</p><p>vantagem tentarmos ser mais ou menos parecidos com outro alguém</p><p>ou nos preocuparmos com os julgamentos alheios. Cabe a cada um se</p><p>alinhar com a própria alma e ajudar os outros a fazer o mesmo.</p><p>Encarar a vida assim nos ajuda a entender que cada um de nós é</p><p>essencial. Já aconteceu de você estar quase terminando de montar um</p><p>quebra-cabeça e então descobrir que falta uma peça? Isso é uma crise!</p><p>Quando não encontramos nosso lugar no quebra-cabeça, nos</p><p>sentimos um pouco desajeitados e disformes. Pode ser que nos</p><p>perguntemos por que somos do jeito que somos ou que nos</p><p>comparemos com outros e achemos que não somos bonitos o</p><p>bastante sozinhos. Não nos vemos no todo maior, o que pode nos</p><p>levar a uma sensação de desesperança, tristeza e isolamento. Nós nos</p><p>sentimos pequenos e insigni�cantes, como se não tivéssemos nenhum</p><p>poder sobre nossa vida e nenhuma razão para existir.</p><p>Mas quando sentimos que nos encaixamos no quebra-cabeça</p><p>maior, nos tornamos parte da vida. Trocamos sumo com o mundo</p><p>todo. Nosso sumo �ui livremente, em maior quantidade do que</p><p>nunca.</p><p>Cada um de nós passa a vida descobrindo o formato especí�co de</p><p>sua peça do quebra-cabeça.</p><p>Quando fui para a escola de medicina, uma geração após a da</p><p>minha mãe, apenas algumas instituições aceitavam mulheres.</p><p>Frequentei a Woman’s Medical College of Pennsylvania, na Filadél�a,</p><p>a única apenas para mulheres. Lá, nos disseram que teríamos que ser</p><p>mais inteligentes, mais �rmes e melhores médicas em geral para</p><p>sobrevivermos. Minha turma teve início assim que a Segunda Guerra</p><p>Mundial estourou.</p><p>Eu me candidatara porque queria amar e curar pessoas. Mas �quei</p><p>com a impressão de que o foco do país durante a guerra havia afetado</p><p>a comunidade médica — ou talvez sempre houvesse sido daquela</p><p>forma e eu não notara. Seguia os passos de meus pais, tratando a</p><p>saúde física como apenas uma parte de um ecossistema maior. Estava</p><p>menos focada em extirpar uma doença e mais interessada em por que</p><p>os sintomas haviam surgido. Isso me pôs em divergência com a</p><p>educação que estava recebendo. Embora fosse capaz acompanhar a</p><p>anatomia, a biologia e outras ciências da natureza, entrei em con�ito</p><p>com toda a abordagem para diagnóstico e tratamento que estava</p><p>aprendendo na escola.</p><p>Isso, combinado à minha tendência de tricotar na sala de aula para</p><p>manter a mente agitada em foco, tornou-me a menos benquista da</p><p>reitora Marion Fay, uma mulher rígida e idosa. Ela pensava de mim o</p><p>mesmo que minha professora do primeiro ano e fazia questão de que</p><p>sua opinião fosse conhecida.</p><p>Um dia, a reitora Fay me levou para seu escritório, onde eu já fora</p><p>repreendida e depreciada muitas vezes, e se sentou perfeitamente</p><p>ereta, com os óculos pendurados numa corrente sobre a blusa branca</p><p>engomada, sem nenhum sinal de gentileza.</p><p>— Srta. Taylor, tenho uma recomendação de psiquiatra.</p><p>— Psiquiatra? — repeti, rindo, incrédula.</p><p>— Não tenho certeza se você está muito bem — continuou ela,</p><p>batendo um lápis contra a têmpora ao dizer as duas últimas palavras</p><p>para indicar o que queria dizer. — Você parece não entender o</p><p>objetivo da medicina. Passa o dia inteiro tricotando durante as aulas.</p><p>Talvez não seja adequada para ser médica. O psiquiatra vai averiguar</p><p>se é o caso.</p><p>— Com todo o respeito, madame, não devemos participar de nossa</p><p>própria educação? Somos nós que seremos enviadas para os hospitais</p><p>e clínicas quando tudo isso acabar. Não é imperativo entendermos</p><p>verdadeiramente os conceitos por trás dos ensinamentos? Tudo aqui é</p><p>sobre matar… nunca falamos sobre como o amor pode curar.</p><p>— São seus conceitos que me preocupam — disse ela, segurando o</p><p>lápis com força. — A medicina é sobre matar doenças porque é a</p><p>doença que mata as pessoas, e nosso trabalho é mantê-las vivas. O que</p><p>isso tem de amor e cura? Você é tão delicada, é quase como uma</p><p>enfermeira. Mas precisa ser �rme, srta. Taylor. Assim nunca chegará à</p><p>residência.</p><p>Fechei a boca e arrisquei um “Obrigada” forçado, depois saí do</p><p>escritório o mais rápido que consegui segurando aquele tenebroso</p><p>papel de recomendação.</p><p>Acabei indo ao psiquiatra, e ele me considerou perfeitamente bem.</p><p>Mas a experiência me abalou. Entendi que a comunidade médica</p><p>jamais me aceitaria como eu era. Em retrospecto, foi naquele</p><p>momento que percebi que teria que deixar minha marca na medicina</p><p>ao fazer as coisas do meu jeito.</p><p>Se eu tivesse deixado, aqueles 4 anos na escola de medicina teriam</p><p>esgotado meu sumo. Foquei o meu objetivo: continuar. Quando me</p><p>tornasse médica, poderia pensar em amor e cura, mesmo que tivesse</p><p>que me concentrar em como matar a doença primeiro. Essa resolução</p><p>me deu sumo — assim como as cartas que trocava com meu</p><p>namorado, Bill McGarey, que frequentava a escola de medicina em</p><p>Cincinnati.</p><p>Continuei estudando, formei-me e me tornei médica. Conquistara</p><p>meu lugar na comunidade. Casei-me com Bill em 1943 e, logo depois</p><p>de nos pós-graduarmos, iniciamos a prática privada juntos.</p><p>Minha compreensão sobre o que é a cura evoluiu ao longo dos</p><p>anos, e passei a acreditar no conceito de reencarnação, o que estava</p><p>bastante em divergência com a teologia que haviam me ensinado na</p><p>infância. Junto a Bill, comecei a expandir meus horizontes para além</p><p>de tudo o que haviam me ensinado a acreditar. Descobri que a</p><p>comunidade cientí�ca ainda não entrara em um consenso em relação</p><p>ao que é a consciência, e de onde ela vem. Isso me ajudou a aceitar a</p><p>ideia de que nossos espíritos não têm idade e precisam aprender ao</p><p>longo de muitas vidas. Bill e eu despontamos no centro de um</p><p>movimento crescente de médicos e curadores interessados nos</p><p>aspectos espirituais da medicina, e naqueles relacionados à alma.</p><p>Hoje, a crença na reencarnação guia grande parte do que faço na</p><p>Terra como médica, mãe, avó e ser humano. Isso reforça minha</p><p>convicção de que cada um de nós está aqui com um propósito — e de</p><p>que cada um de nossos propósitos individuais está conectado, assim</p><p>como nossa alma interage com outras almas ao longo de muitas vidas.</p><p>Isso me ajudou a me encaixar no mundo. Muitos anos depois, o</p><p>formato de minha peça do quebra-cabeça �cou mais evidente, e pude</p><p>me conectar cada vez mais intimamente com meu sumo. Entendi</p><p>minha missão aqui: não apenas ser médica e mãe, mas promover</p><p>novas e antigas ideias sobre cura no nível da alma, não apenas no do</p><p>físico. Minha compreensão sobre o tipo de medicina que meus pais</p><p>promoveram aumentou e consolidou minha discordância em relação</p><p>ao foco da comunidade médica moderna em extirpar doenças. Do</p><p>ponto de vista que adotei, nossos desa�os de saúde fazem parte da</p><p>jornada de nossa alma tanto quanto qualquer outra coisa. Nosso</p><p>objetivo não deve ser simplesmente matar as doenças, mas também</p><p>permitir que o processo nos ajude a crescer e a aprender.</p><p>Explorar a interseção entre espiritualidade e medicina é uma parte</p><p>signi�cativa de meu papel. Mas e o que acontece quando não</p><p>sabemos qual é nosso papel ou como acompanhá-lo à medida que</p><p>muda? O que acontece quando nos sentimos chamados a fazer tantas</p><p>coisas que somos puxados em várias direções?</p><p>A</p><p>4</p><p>ONDE DESPEJAR MEU SUMO?</p><p>lgum tempo atrás, conheci uma jovem chamada Anne. Ela estava</p><p>lidando com seu terceiro grande acesso de bronquite em menos</p><p>de um ano. Chegou a meu consultório com uma tosse forte que soava</p><p>dolorosa. Comecei com perguntas sobre seu estilo de vida: fumava ou</p><p>trabalhava num lugar com pouca ventilação? Não, não era isso. Então</p><p>�z algumas perguntas sobre seu histórico médico: alguma alergia ou</p><p>doença respiratória?</p><p>— Não — disse ela com a voz rouca. — Não mesmo.</p><p>— Você está usando muito a voz?</p><p>— Depende — disse ela com uma risada, que rapidamente se</p><p>transformou em tosse.</p><p>Entre ataques de tosse, ela brincou:</p><p>— Vinte e quatro horas por dia é muito?</p><p>Ela me contou que adorava trabalhar na produção de �lmes, mas</p><p>eram tantas reuniões que sua voz geralmente sumia na quarta-feira.</p><p>Quando deixava o escritório, ia direto para o estúdio para praticar sua</p><p>outra paixão: ensinar ioga quatro vezes por semana.</p><p>Quando Anne contou sobre os dois trabalhos, �cou claro que</p><p>ambos lhe davam satisfação. Mas sabia que precisava diminuir o</p><p>ritmo. Sendo honesta consigo mesma, ela reconheceu que já não</p><p>gostava de ensinar ioga tanto quanto antes, mas investira tanto tempo</p><p>e energia na pro�ssão que se afastar pareceria um fracasso. Pior: ela</p><p>temia perder sua identidade caso a prática de ioga não �zesse parte</p><p>de sua carreira. Mas Anne admitiu que era exaustivo dar quatro aulas</p><p>por semana, o que criava uma rotina caótica em que ela tinha</p><p>di�culdade de dedicar ao corpo os cuidados de que precisava.</p><p>Pouco depois de nossa conversa, Anne passou a dar aulas apenas</p><p>uma vez por semana. Ainda ia ao estúdio na maioria dos dias, mas</p><p>começou a fazer aulas, em vez de dar. Quando voltou, um mês depois,</p><p>era nítido como a vida estava andando muito melhor. Sua voz estava</p><p>�rme, e ela quase não tossia. Auscultei seus pulmões, que soaram</p><p>como se Anne estivesse melhorando.</p><p>— Como você está se sentindo em relação à nova rotina? —</p><p>perguntei.</p><p>— É engraçado. Pensei que sentiria falta de ensinar, mas é muito</p><p>mais relaxante ser aluna. Comecei a ir à aula mais tarde, que é uma</p><p>prática mais lenta, mais delicada, do que fazer a aula que eu dava no</p><p>início da noite. Isso me dá tempo de jantar alguma coisa leve em</p><p>minha própria cozinha e digerir tranquila. Antes, eu comia qualquer</p><p>coisa no caminho de volta, tarde da noite, e ia dormir cheia.</p><p>Ela me contou que estava tossindo menos e sentia que respirava</p><p>melhor.</p><p>— Mas acho isso um pouco estranho, como se eu tivesse</p><p>retrocedido em minha prática espiritual.</p><p>Fiquei intrigada.</p><p>— Por que isso representaria retroceder em sua prática espiritual?</p><p>— Bem, eu era uma professora de ioga bem-sucedida antes, e</p><p>agora estou mais para uma aluna.</p><p>Eu sorri. A resposta era adorável… e equivocada.</p><p>— Anne, você �nalmente está vivendo o que ensina. Diplomas e</p><p>rótulos não ajudam você a entender o que está acontecendo em seu</p><p>interior. Não é um trabalho que de�ne se você é espiritualizada ou</p><p>não.</p><p>Anne abriu um pequeno sorriso, reconhecendo a verdade no que</p><p>eu dissera.</p><p>— Algumas das pessoas mais sábias que eu conheci são barbeiros</p><p>ou trabalham na cozinha — prossegui, pensando em Ayah, que nunca</p><p>aprendera a ler e escrever. — Você estava se forçando para ir além de</p><p>aonde seu coração queria chegar, e seu corpo estava tentando dizer</p><p>isso para você. Agradeça. O processo mostrou exatamente o que você</p><p>precisava ver.</p><p>— Faz sentido — disse Anne devagar enquanto re�etia. — Acho</p><p>que parece que tem menos coisas acontecendo por fora, mas me sinto</p><p>muito melhor agora que não estou tentando fazer tudo.</p><p>Nos meses que se seguiram, Anne continuou a melhorar. Ao</p><p>desistir de fazer coisas demais, conseguiu cuidar melhor de sua saúde</p><p>e bem-estar.</p><p>Na cultura da ocupação que existe atualmente, pode ser difícil</p><p>encontrar nosso</p><p>próprio caminho de primeira. É comum desejarmos</p><p>ser bem-sucedidos em tudo o que fazemos e sermos incentivados a</p><p>avaliar nosso êxito por fora — se somos bons no que fazemos e se isso</p><p>nos dá dinheiro e nos traz prestígio. Mas, na verdade, felicidade tem</p><p>muito mais a ver com como nos sentimos do que com qualquer outra</p><p>coisa. Quando tentamos seguir os outros, fazer o que achamos que</p><p>“deveríamos” ou criar uma identidade para nós que não funciona,</p><p>sofremos.</p><p>Muitos aprendem essa lição do jeito difícil por meio da experiência</p><p>da paternidade ou da maternidade. Algumas pessoas amam ser pais,</p><p>enquanto outras sentem-se exauridas pelo papel.</p><p>Para mim, a maternidade sempre foi uma fonte de sumo. Sempre</p><p>sonhei em ter seis �lhos, e Bill e eu concordamos com o número</p><p>antes mesmo de nos casarmos. Trabalhei fora de casa numa época em</p><p>que não era comum uma mulher fazer isso. Estava na escola de</p><p>medicina quando a imagem de Rosie, a Rebitadora,* surgiu. Como eu</p><p>trabalhava e tive quatro �lhos em 4 anos, com frequência me</p><p>perguntavam sobre meu planejamento familiar. “Já pensou que você,</p><p>mais do que ninguém, deveria saber como parar de ter bebês?”,</p><p>perguntou uma paciente mordaz, de supetão, um dia. Ela estava</p><p>frustrada por estar sendo tratada por uma mulher e, devido a seu</p><p>preconceito, provavelmente um pouco temerosa de que eu não fosse</p><p>apta para um bom trabalho. Nessa época, eu estava fazendo um</p><p>malabarismo para criar meus �lhos e exercer a movimentada prática</p><p>médica como uma das únicas clínicas gerais da cidade. Eu me lembro</p><p>de meu choque diante da pergunta — ela não conseguia conceber a</p><p>possibilidade de que, talvez, eu tivesse escolhido ter quatro �lhos, ou</p><p>imaginar que eu ainda teria mais dois. Mas tive, e sempre encontrei</p><p>mulheres bondosas — geralmente de uma geração anterior à minha</p><p>e, muitas vezes, já com alguma falta de sumo por seus �lhos terem</p><p>saído de casa —, que eu contratava para cuidar das crianças enquanto</p><p>eu trabalhava.</p><p>Ter duas fontes de sumo sempre pareceu me puxar em duas</p><p>direções. No trabalho, eu me preocupava com o que estava</p><p>acontecendo em casa; em casa, eu me preocupava com meus</p><p>pacientes.</p><p>Muitas pessoas têm preocupações semelhantes. Estar interessado e</p><p>envolvido com a vida muitas vezes traz uma sensação de estar sendo</p><p>puxado em várias direções, para diferentes paixões, cada uma das</p><p>quais requer tempo, atenção e força vital. Onde devo despejar meu</p><p>sumo? Sentimos como se tivéssemos que fazer uma escolha, mas</p><p>somos seres complexos e temos que aceitar esse fato. Pelo que tenho</p><p>visto, as pessoas mais felizes equilibram vários interesses. Meu �lho</p><p>John é um pastor que sempre sentiu uma inclinação para a</p><p>tecnologia, então gosta de montar equipamentos para apresentações</p><p>na igreja, bem como para minhas entrevistas e chamadas de vídeo.</p><p>Seu xará, meu irmão John, foi pastor, caçador e dentista, e retornou à</p><p>Índia depois de se aposentar para extrair dentes e tratar abscessos.</p><p>Um amigo querido é escritor pro�ssional, mas gosta de cuidar de</p><p>cavalos, cultivar verduras e cantar no coro da igreja. Todos</p><p>encontraram um modo de ganhar dinheiro o su�ciente com uma de</p><p>suas paixões a �m de sustentar as outras, o que os levou a vidas</p><p>realizadas e equilibradas.</p><p>Em meu caso, constatei que minhas funções de mãe e médica de</p><p>algum modo complementavam uma à outra. Era uma época</p><p>diferente, em que cuidar de crianças não era barato, mas também não</p><p>levava ninguém à falência. Muita gente sugeriu que eu era menos</p><p>mãe porque trabalhava, e muitos médicos homens (e até</p><p>enfermeiras!) pareciam pensar que eu era menos médica porque</p><p>tinha muitos �lhos. Continuei fazendo o que considerava correto e</p><p>obtive sumo tanto no trabalho como em casa. Chegar em casa e</p><p>encontrar os sorrisos calorosos de meus �lhos me dava sumo para</p><p>voltar ao consultório no dia seguinte, e interagir com meus pacientes</p><p>renovava meu sumo para continuar dando às crianças o melhor de</p><p>mim. Mais tarde, quando subi um pouco mais na carreira e passei a</p><p>dar palestras, escrever e promover novas ideias, percebi que, em vez</p><p>de �car sem sumo, eu parecia receber cada vez mais.</p><p>Assim como acontece com a paternidade e a maternidade,</p><p>podemos receber sumo da prática da jardinagem, dos esportes, de</p><p>ocupações ao ar livre, do ativismo, das artes e de muitas outras</p><p>atividades, mesmo que não sejam nossos “trabalhos” o�ciais. A minha</p><p>geração tinha vários hobbies. Os momentos de entretenimento quase</p><p>sempre ocorriam fora de casa, então tínhamos que inventar jeitos de</p><p>nos divertir. Muitos cozinhavam com ingredientes naturais, cuidavam</p><p>da casa e do carro, praticavam jardinagem, escreviam histórias,</p><p>cantavam e tocavam instrumentos musicais ou faziam trabalhos</p><p>manuais como tricô, ponto-cruz e pintura. Essas atividades são</p><p>criativas e nos conectam com nossa força vital. Não importava muito</p><p>se éramos bons ou ruins no que fazíamos — o objetivo era</p><p>simplesmente gostar de fazer.</p><p>Notei que, com o passar das décadas, as pessoas se tornaram menos</p><p>interessadas nessas atividades. O acesso constante ao entretenimento</p><p>e aos aparelhos di�culta a busca de atividades desa�adoras. Com as</p><p>pressões da vida moderna, é raro ver o valor de ocupações que não</p><p>dão dinheiro ou não resolvem de imediato os problemas comuns.</p><p>Para muitos, não é fácil entender por que devem fazer coisas apenas</p><p>pelo fazer. Foi um alento perceber que, durante a pandemia de</p><p>Covid, as gerações mais novas começaram a retomar um pouco dessas</p><p>atividades.</p><p>Jovens — ou seja, qualquer um com menos de 91 anos, mas em</p><p>especial adolescentes e pessoas na casa dos 20 — precisam dessas</p><p>atividades para ajudar a aliviar o estresse porque o mundo de hoje</p><p>está nos expondo em tempo real a cada crise que ocorre. Estamos</p><p>mais conscientes do que nunca do desequilíbrio social, da falta de</p><p>justiça social e das consequências atuais e iminentes do modo como</p><p>estamos tratando o planeta. Por um lado, essas informações são</p><p>incrivelmente úteis, mas, por outro, são úteis apenas se as usarmos. Se</p><p>não as usamos e se permitirmos que nos paralisem e nos impeçam de</p><p>realizar atividades que nos trazem alegria, perdemos o contato com</p><p>nossa força vital e nos tornamos cada vez menos aptos a ajudar.</p><p>Conseguimos nos conectar melhor com a vida quando recebemos</p><p>sumo de muitas fontes. Uma peça de quebra-cabeça não se encaixa</p><p>apenas de um lado, mas de dois, três ou quatro. O modo como isso</p><p>acontece varia de pessoa para pessoa. Anne, por exemplo, aprendeu</p><p>que nos afastarmos de atividades que adoramos pode abalar nosso</p><p>senso de identidade, mas às vezes é o único jeito de nos trazer de volta</p><p>ao equilíbrio. À medida que aprendemos e crescemos, passamos a</p><p>perceber que nosso sumo não tem nada a ver com de�nições</p><p>externas, mas com o modo como levamos a vida no dia a dia.</p><p>A história de Anne também nos mostra que nossas fontes de sumo</p><p>mudam com o tempo. Geralmente, é uma experiência natural.</p><p>Gostamos de algo por um período, então encontramos outra coisa</p><p>que prende nosso interesse ainda mais e vamos adiante. A vida dá</p><p>voltas, nossos interesses mudam e nossas habilidades físicas se</p><p>modi�cam conforme envelhecemos.</p><p>Quando a vida está realmente �uindo, o que nos dá sumo também</p><p>evolui. Às vezes, o esforço para recebê-lo é exatamente o que nos</p><p>estimula a encontrá-lo em outro lugar, como um eletricista que �cou</p><p>arrasado quando uma de�ciência o forçou a se aposentar cedo, mas</p><p>que descobriu o poder restaurador da jardinagem, ou um produtor</p><p>de �lmes que se dedicou completamente ao trabalho voluntário num</p><p>abrigo local durante os primeiros dias da pandemia de Covid. Na</p><p>época, ambos consideraram o que estava acontecendo um desastre;</p><p>mas, quando se lembram de como era a vida, percebem que estavam</p><p>sendo chamados para continuar procurando seu sumo, uma segunda</p><p>busca que os manteve vivos. A própria determinação para seguir nessa</p><p>empreitada — o chamado interno, o desejo em seu interior — foi o</p><p>modo como ambos se reconectaram com a vida.</p><p>* Personagem icônica dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.</p><p>Representa as mulheres norte-americanas que trabalharam durante o período na</p><p>produção de</p>
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